4 Outubro
2020
Ano A
27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 27º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 27º Domingo do Tempo Comum
utiliza a imagem da "vinha de Deus" para falar desse Povo que aceita
o desafio do amor de Deus e que se coloca ao serviço de Deus. Desse Povo, Deus
exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade e de misericórdia.
Na primeira leitura, o profeta Isaías dá conta do amor e da solicitude de Deus
pela sua "vinha". Esse amor e essa solicitude não podem, no entanto,
ter como contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça... O Povo de Jahwéh tem
de deixar-se transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir os frutos
bons que Deus aprecia - a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos, a
fidelidade à Aliança.
No Evangelho, Jesus retoma a imagem da "vinha". Critica fortemente os
líderes judaicos que se apropriaram em benefício próprio da "vinha de
Deus" e que se recusaram sempre a oferecer a Deus os frutos que Lhe eram
devidos. Jesus anuncia que a "vinha" vai ser-lhes retirada e vai ser
confiada a trabalhadores que produzam e que entreguem a Deus os frutos que Ele
espera.
Na segunda leitura, Paulo exorta os cristãos da cidade grega de Filipos - e
todos os que fazem parte da "vinha de Deus" - a viverem na alegria e
na serenidade, respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno. São esses
os frutos que Deus espera da sua "vinha".
LEITURA I - Is 5,1-7
Leitura do Livro de Isaías
Vou cantar, em nome do meu amigo,
um cântico de amor à sua vinha.
O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina.
Lavrou-a e limpou-a das pedras,
plantou-a de cepas escolhidas.
No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar.
Esperava que viesse a dar uvas,
Mas ela só produziu agraços.
E agora, habitantes de Jerusalém, e vós, homens de Judá,
sede juízes entre mim e a minha vinha:
Que mais podia fazer à minha vinha que não tivesse feito?
Quando eu esperava que viesse a dar uvas,
porque é que apenas produziu agraços?
Agora vos direi o que vou fazer à minha vinha:
vou tirar-lhe a vedação e será devastada;
vou demolir-lhe o muro e será espezinhada.
Farei dela um terreno deserto:
não voltará a ser podada nem cavada,
e nela crescerão silvas e espinheiros;
e hei-de mandar às nuvens
que sobre ela não deixem cair chuva.
A vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel,
e os homens de Judá são a plantação escolhida.
Ele esperava rectidão e só há sangue derramado;
esperava justiça e só há gritos de horror.
AMBIENTE
Isaías, filho de Amós, exerceu o seu
ministério profético em Jerusalém, no reino de Judá, durante a segunda metade
do séc. VIII a.C. (de acordo com os seus oráculos, o profeta foi chamado por
Deus ao ministério profético por volta de 740-739 a.C.; e os seus oráculos vão
até perto de 700 a.C.). A sua pregação abarca, portanto, um arco de tempo
relativamente longo e abrange vários reinados.
Isaías - como os outros profetas - não fala de realidades abstractas e
intangíveis. A sua pregação refere-se a acontecimentos concretos e toca a
realidade da vida, dos problemas, das inquietações, das esperanças dos homens
do seu tempo. Para perceber a sua mensagem temos, portanto, de situá-la na
época e na realidade histórica que o profeta conhece e sobre a qual é chamado
por Deus a pronunciar-se.
A primeira fase do ministério de Isaías desenrola-se durante o reinado de Jotam
(740-734 a.C.). É uma época de relativa tranquilidade política, em que Judá se
mantém afastado da cena internacional e das jogadas políticas das
super-potências. Tudo parece correr bem, num clima de paz generalizada.
No entanto, o olhar crítico do profeta detecta uma realidade distinta.
Internamente, a sociedade de Judá está marcada por grandes injustiças e
arbitrariedades... Os poderosos exploram os mais débeis, os juízes deixam-se
corromper, os latifundiários deixam-se dominar pela cobiça e inventam esquemas
legais para se apropriar dos bens dos mais pobres, os governantes oprimem os
súbditos, as senhoras finas de Jerusalém vivem no luxo e na futilidade, num
desrespeito absoluto pelas necessidades e carências dos mais pobres.
Em termos religiosos, o culto floresce numa abundância inaudita de práticas de
piedade e de abundantes e solenes manifestações religiosas; no entanto, todo
esse fausto cultual é incoerente e mentiroso, pois não resulta de uma
verdadeira adesão a Jahwéh, mas de uma tentativa de acalmar as consciências e
de "comprar" Deus.
Para o profeta, Jerusalém deixou de ser a esposa fiel, para converter-se numa
prostituta (cf. Is 1,21-26); ou, dito de outra forma, a "vinha"
cuidada por Deus só produz frutos amargos e não os frutos bons (de justiça e de
amor) pedidos a quem vive envolvido no ambiente da Aliança.
A mensagem de Isaías neste período encontra-se nos capítulos 1-5 do seu livro.
O texto que hoje nos é proposto é um dos textos mais emblemáticos deste período.
O "cântico da vinha" poderia ser, inicialmente, um "cântico de
vindima" ou um "cântico de trabalho", que um poeta popular entoa
diante do seu círculo de amigos ou de companheiros de trabalho. Mas, como
acontece tantas vezes com as formas de expressão da cultura popular,
rapidamente as palavras adquirem um duplo sentido e passam a evocar outra
realidade.
Na cultura judaica, a "vinha" é um símbolo do amor (cf. Cant 1,6.14;
2,15; 8,12). O "cântico da vinha" passa então a ser, na boca do poeta
popular, uma "cantiga de amor", que descreve os esforços do jovem
apaixonado para conquistar a sua amada.
Isaías vai utilizar esta "cantiga de amor" como recurso para
transmitir a mensagem que Deus lhe confiou.
MENSAGEM
A canção que o profeta canta é bonita e o tema
é sugestivo. O profeta/poeta brinca com as sonoridades e com o ritmo, alterna
os sons doces das canções de amor com os sons ásperos das canções de trabalho.
Os interlocutores do profeta/poeta estão atentos e fascinados e escutam com
prazer a descrição das quase patéticas tentativas do poeta para conquistar a
sua amada. Ouvem-no falar dos seus trabalhos para construir a sua vinha, dos
seus cuidados com ela, das suas ilusões, dos seus sonhos; sorriem perante as
alusões ao "lagar" (o lugar onde será feito o vinho do amor) e à torre
(de onde o amado vigiará, para que ninguém entre na sua "vinha" e
colha os frutos do seu amor). Aprovam quando ele, depois de tantos cuidados,
fica à espera dos "frutos saborosos" do amor que cultivou. Ficam
revoltados quando, depois de todo o empenho do amado, a "vinha" só
lhe ofereceu frutos azedos. O auditório s
impatiza com o poeta, identifica-se com ele, partilha a sua desilusão...
De repente, o poeta transforma o cântico em queixa e reclama justiça. Interpela
directamente os seus interlocutores e exige deles um veredicto. Tem o público
na mão: todos concordam que o profeta/poeta tem razão e que tem todo o direito
em tirar a vedação que protegia a vinha, em não voltar a cuidar dela, em dar
ordens às nuvens para que não a fecundem com a chuva...
Quando o seu público já pronunciou mentalmente um veredicto favorável ao
profeta/poeta, este lança-lhe à cara a acusação que vinha preparando: "a
vinha do Senhor do universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a
plantação escolhida. Ele esperava rectidão e só há sangue derramado; esperava
justiça e só há gritos de horror" (vers. 7).
A imagem da "vinha" aplicada ao Povo de Deus encontra-se
frequentemente na Bíblia (cf. Is 3,14; 27,2-5; Jer 2,21; 12,10; Ez 17,6; Os
10,1; Sal 80,9-17). Os profetas e catequistas de Israel viram na imagem da
"vinha" um símbolo privilegiado para expressar essa história de amor
que Deus quis escrever com o seu Povo, isto é, a Aliança.
Nesta "parábola", Deus é o "vinhateiro" e Israel é a
"vinha". Foi Deus quem trouxe de longe (do Egipto) essas videiras
escolhidas, que as plantou numa terra fértil (a terra de Canaan), que removeu
dessa terra as pedras (os outros povos que aí habitavam) que podiam estorvar a
fecundidade da "vinha", que cuidou e, sobretudo, que amou a sua "vinha".
Como é que Israel respondeu aos esforços de Deus? Que frutos produziu a
"vinha" de Jahwéh? O profeta/poeta responde: Deus esperava que Israel
vivesse no direito e na justiça ("mishpat" e "zedaqa")
cumprindo fielmente as exigências da Aliança; esperava uma vida de coerência
com os mandamentos; esperava que Israel respeitasse os direitos dos mais
débeis... Na realidade, o Povo actua em sentido exactamente contrário àquilo
que Deus esperava: os poderosos cometem injustiças e arbitrariedades, os juízes
são corruptos e não fazem justiça ao pobre, os grandes praticam violências e
derramam o sangue do inocente, os órfãos e as viúvas vêem espezinhados os seus
direitos sem que ninguém os defenda.
Na verdade, sugere o profeta, Deus não pode pactuar com este esquema e prepara-Se
para abandonar essa "vinha" ingrata, essa amada infiel.
Atente-se nesta "lição" fundamental: o amor de Deus pretende criar no
coração do seu Povo uma dinâmica que leve ao amor ao irmão. Deus ama-nos, para
que nos deixemos transformar pelo amor e amemos os outros.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes dados:
• A "parábola da vinha" é uma
história de amor. Fala-nos do amor de um Deus que liberta o seu Povo da
escravidão, que o conduz para a liberdade, que estabelece com ele laços de
família, que lhe oferece indicações seguras para caminhar em direcção à
justiça, à harmonia, à felicidade, que o protege nos caminhos da história... É
preciso termos consciência de que esta história de amor não terminou e que o
mesmo Deus continua a derramar sobre nós, todos os dias, o seu amor, a sua
bondade, a sua misericórdia. Tenho consciência desse facto? Tenho o coração
aberto aos seus dons? Encontro tempo e disponibilidade para Lhe agradecer e
para O louvar?
• O encontro com o amor de Deus tem de
significar uma efectiva transformação do nosso coração e tem de nos levar ao
amor ao irmão. Quem trata os irmãos com arrogância, quem assume atitudes duras,
agressivas e intolerantes, quem pratica a injustiça e espezinha os direitos dos
mais débeis, quem é insensível aos dramas dos irmãos, certamente ainda não fez
a experiência do amor de Deus. Às vezes encontramos nas nossas comunidades
cristãs ou religiosas pessoas muito válidas do ponto de vista da organização e
da animação, que se consideram a si próprias colunas da comunidade, que têm uma
fé inabalável, mas que são insensíveis, amargas, agressivas, intolerantes...
Será possível ser sinal de Deus e testemunhar o Deus que ama os homens, sem nos
deixarmos conduzir pela tolerância, pela misericórdia, pela bondade, pela
compreensão?
• O nosso texto identifica os "frutos
bons" que Deus espera da sua "vinha" com o direito e a justiça e
afirma que Deus não tolera uma "vinha" que produza "sangue
derramado" e "gritos de horror". Nos nossos dias, o "sangue
derramado" das vítimas da violência, do terrorismo, das guerras
religiosas, dos sistemas que geram morte e sofrimento continua a tingir a nossa
história; os "gritos de horror" de tantos homens e mulheres privados
dos direitos mais elementares, torturados, marginalizados, excluídos, impedidos
de ter acesso a uma vida minimamente humana, continuam a escutar-se na Europa,
na Ásia, na África, nas Américas... Qual o nosso papel, no meio de tudo isto?
Podemos calar-nos, num silêncio cúmplice e alienado, diante do drama de tantos irmãos
condenados à morte? O que podemos fazer para que a "vinha" de Deus
produza outros frutos?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 79 (80)
Refrão: A vinha do Senhor é a casa de Israel.
Arrancastes uma videira do Egipto,
expulsastes as nações para a transplantar.
Estendia até ao mar as suas vergônteas
e até ao rio os seus rebentos.
Porque lhe destruístes a vedação,
de modo que a vindime quem quer que passe pelo caminho?
Devastou-a o javali da selva
e serviu de pasto aos animais do campo.
Deus dos Exércitos, vinde de novo,
olhai dos céus e vede, visitai esta vinha.
Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou,
o rebento que fortalecestes para Vós.
Não mais nos apartaremos de Vós:
fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome.
Senhor, Deus dos Exércitos, fazei-nos voltar,
iluminai o vosso rosto e seremos salvos.
LEITURA II - Filip 4,6-9
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Filipenses
Irmãos:
Não vos inquieteis com coisa alguma.
Mas, em todas as circunstâncias,
apresentai os vossos pedidos diante de Deus,
com orações, súplicas e acções de graças.
E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência,
guardará os vossos corações
e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.
Quanto ao resto, irmãos,
tudo o que é verdadeiro e nobre,
tudo o que é justo e puro,
tudo o que é amável e de boa reputação,
tudo o que é virtude e digno de louvor
é o que deveis ter no pensamento.
O que aprendestes, recebestes, ouvi
stes e vistes em mim
é o que deveis praticar.
E o Deus da paz estará convosco.
AMBIENTE
Continuamos a ler a carta enviada pelo
apóstolo Paulo aos cristãos da cidade grega de Filipos. Quando escreve aos seus
amigos filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?), sem saber o que o futuro
imediato lhe reserva. Entretanto, recebeu ajuda dos filipenses (uma soma em
dinheiro e a visita de Epafrodito, um membro da comunidade, encarregado pelos
filipenses de cuidar de Paulo e de prover às suas necessidades) e está
sensibilizado pela bondade e pela preocupação que os filipenses manifestam para
com a sua pessoa.
A Carta aos Filipenses é, sobretudo, uma carta dirigida a amigos muito
queridos, na qual Paulo manifesta o seu apreço por essa comunidade que o ama,
que o ajuda e que se preocupa com ele. Enviando de volta Epafrodito - que
estivera gravemente doente - Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade
sobre a sua própria sorte e exorta os filipenses à fidelidade ao Evangelho.
O texto que hoje nos é proposto pertence à parte final da carta. Apresenta um
conjunto de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas
obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho.
MENSAGEM
Os primeiros dois versículos do nosso texto
(vers. 6-7) fazem parte de uma passagem mais longa, na qual Paulo recomenda aos
cristãos de Filipos que vivam na alegria (vers. 4-7). Esta "alegria"
não tem nada a ver com gargalhadas histéricas ou com optimismos inconscientes;
mas é a "alegria" que resulta de uma vida de comunhão com o Senhor,
com tudo o que isso significa em termos de garantia de vida verdadeira e
eterna. O cristão vive na alegria, pois a comunhão com Cristo garante-lhe o
acesso próximo ("o Senhor está próximo") à vida definitiva. Daí
resulta a serenidade, a paz, a tranquilidade, que permitem ao crente enfrentar
a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (vers. 6a).
Ao crente resta cultivar a comunhão com Deus, entregando-Lhe diariamente a sua
vida "com orações, súplicas e acções de graças" (vers. 6b).
Depois (vers. 8), Paulo recomenda aos filipenses um conjunto de seis
"qualidades" que eles devem cultivar e apreciar: a verdade, a
nobreza, a justiça, a pureza, a amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é
"virtude", tudo isto é digno de louvor. Há quem veja neste versículo
a "magna carta do humanismo cristão". Estes valores não são
exclusivos do cristianismo: são valores sãos e louváveis, que constam também do
ideal pagão (eram valores igualmente propostos pelos moralistas gregos da
época). No entanto, a comunidade cristã deve estar aberta ao acolhimento de
todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser, antes de mais,
arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente, Paulo convida os filipenses a porem em prática estas recomendações
segundo o exemplo que receberam do próprio Paulo (vers. 9). O cristão tem de
viver os valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade
ao Evangelho.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar na reflexão e actualização, as
seguintes linhas:
• As palavras de Paulo aos filipenses definem
alguns dos elementos concretos que devem marcar a caminhada do Povo de Deus. Em
primeiro lugar, Paulo convida os crentes a não viverem inquietos e preocupados.
Os cristãos estão "enxertados" em Cristo e têm a garantia de com Ele
ressuscitar para a vida definitiva. Eles sabem que as dificuldades, os dramas,
as perseguições, as incompreensões são apenas acidentes de percurso, que não
conseguirão arredá-los da vida verdadeira. Os cristãos não são pessoas
fracassadas, alienadas, falhadas, mas pessoas com um objectivo final bem
definido e bem sugestivo. O caminho de Cristo é um caminho de dom e de entrega
da vida; mas não é um caminho de tristeza e de frustração. Porquê, então, a
tristeza, a inquietação, o desânimo com que, tantas vezes, enfrentamos as
vicissitudes e as dificuldades da nossa caminhada? Porque é que, tantas vezes,
saímos das nossas celebrações eucarísticas cabisbaixos, intranquilos, de
semblantes tristonhos e ar irritado? Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham
nos olhos recebem de nós um testemunho de paz, de serenidade, de tranquilidade?
• Em segundo lugar, Paulo convida os crentes a
terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam
e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a
integridade... Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra,
verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer
que "os que vão à igreja são piores do que os outros". Em parte, a
expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados "cristãos não
praticantes" para justificar o facto de não irem à igreja; mas não
traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à
vivência dos valores humanos? Quem contacta as recepções das nossas igrejas,
encontra sempre simpatia, compreensão, amabilidade, verdade, coerência?
• A forma como Paulo propõe aos seus cristãos
os mesmos valores que constavam das listas de valores dos moralistas gregos da
sua época, deve convidar-nos a reflectir sobre a nossa relação com os valores
do mundo que nos rodeia e sobre a forma como os aceitamos e integramos na nossa
vida. Não podemos esconder-nos atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar,
em bloco, tudo aquilo que o mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo
de mau e pecaminoso. O mundo em que vivemos tem valores muito bonitos e
sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar
uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário é saber
discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos
torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e
infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do
Evangelho...
ALELUIA - cf. Jo 15,16
Aleluia. Aleluia.
Eu Vos escolhi do mundo, para que vades e deis
fruto,
e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor.
EVANGELHO - Mt 21,33-43
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi outra parábola:
Havia um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar
e levantou uma torre;
depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe.
Quando chegou a época das colheitas,
mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos.
Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos,
espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.
Tornou ele a mandar outros servos,
em maior número que
os primeiros.
E eles trataram-nos do mesmo modo.
Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo:
'Respeitarão o meu filho'.
Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:
'Este é o herdeiro;
matemo-lo e ficaremos com a sua herança'.
E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.
Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?».
Eles responderam:
«Mandará matar sem piedade esses malvados
e arrendará a vinha a outros vinhateiros,
que lhe entreguem os frutos a seu tempo».
Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura:
'A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se a pedra angular;
tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos'?
Por isso vos digo:
Ser-vos-á tirado o reino de Deus
e dado a um povo que produza os seus frutos».
AMBIENTE
Estamos em Jerusalém, pouco tempo após a
entrada triunfal de Jesus na cidade (cf. Mt 21,1-11). De hora para hora, cresce
a tensão entre Jesus e os seus adversários. Os líderes judaicos pressionam
Jesus, num esquema que apresenta foros de processo organizado. Adivinha-se, no
horizonte próximo de Jesus, a prisão, o julgamento, a condenação à morte. Jesus
está plenamente consciente do destino que lhe está reservado, mas enfrenta os
dirigentes e condena implacavelmente a sua recusa em acolher o Reino.
O texto que nos é proposto faz parte de um bloco de três parábolas (cf. Mt
21,28-32. 33-43; 22,1-14), destinadas a ilustrar a recusa de Israel em aceitar
o projecto de salvação que Deus oferece aos homens através de Jesus. Com elas,
Jesus convida os seus opositores - os líderes religiosos judaicos - a
reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de orgulho, de
arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a vida aos
desafios de Deus. O nosso texto é a segunda dessas três parábolas.
A história que nos vai ser narrada compreende-se melhor à luz da situação
sócio-económica da Galileia do tempo de Jesus... A terra estava, quase sempre,
nas mãos de grandes latifundiários que viviam nas cidades. Esses latifundiários
utilizavam vários sistemas para a exploração das suas terras; mas uma das
formas preferidas de exploração da terra (precisamente porque, para o
latifundiário não implicava muito trabalho) consistia em arrendar as várias
parcelas do latifúndio, em troca de uma parte substancial dos produtos
recolhidos. Os que arrendavam as terras eram, geralmente, camponeses que tinham
perdido as suas próprias terras devido à pressão fiscal ou às más colheitas.
Estes camponeses viviam numa situação periclitante: depois de descontados os
gastos com a exploração, os impostos pagos e a parte que pertencia ao
latifundiário, mal ficavam com o indispensável para se sustentar a si e à sua
família. Em anos agrícolas maus, este esquema significava a miséria absoluta...
Este quadro provocava conflitos sociais frequentes e o aparecimento de
movimentos campesinos que lutavam contra os latifundiários ou contra a carga
excessiva de impostos.
É neste cenário que Jesus vai colocar a parábola que hoje nos apresenta.
MENSAGEM
A parábola contada por Jesus coloca-nos no
mesmo ponto de partida da parábola da "vinha" de Is 5,1-7: um
"senhor" plantou uma "vinha", cercou-a com uma sebe, cavou
nela um lagar e levantou uma torre.
A partir daqui, no entanto, a parábola de Jesus afasta-se um pouco da parábola
de Isaías... Na versão de Jesus, o proprietário não explorou directamente a
"vinha", mas confiou-a a uns "vinhateiros" que deviam
dar-lhe, cada ano, uma determinada percentagem dos frutos produzidos. No
entanto, quando os "servos" do "senhor" apareceram para
recolher a parte que pertencia ao seu amo, foram maltratados e assassinados
pelos "vinhateiros"; e o próprio filho do dono da "vinha", enviado
pelo pai para chamar os "vinhateiros" à responsabilidade e ao
respeito pelos compromissos, foi assassinado.
A "vinha" de que Jesus aqui fala é Israel - o Povo de Deus. O dono da
"vinha" é Deus. Os "vinhateiros" são os líderes religiosos
judaicos - os encarregados de trabalhar a "vinha" e de fazer com que
ela produzisse frutos. Os "servos" enviados pelo "senhor"
são, evidentemente, os profetas que os líderes da nação, tantas vezes,
perseguiram, apedrejaram e mataram. O "filho" morto "fora da
vinha" é Jesus, assassinado fora dos muros de Jerusalém.
É um quadro de uma gravidade extrema. Os "vinhateiros" não só não
entregaram ao "senhor" os frutos que lhe deviam, mas fecharam todos
os caminhos de diálogo e recusaram todas as possibilidades de encontro e de
entendimento com o "senhor": maltrataram e apedrejaram os servos
enviados pelo "senhor" e assassinaram-lhe o filho.
Diante deste quadro, Jesus interpela directamente os seus ouvintes:
"quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?"
A comunidade cristã primitiva encontrou facilmente resposta para esta questão.
Na perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa
de Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o
"filho" que os "vinhateiros" mataram, glorificou-o e
constituiu-o "pedra angular" de uma nova construção; em segundo
lugar, Deus decidiu retirar a "vinha" das mãos desses
"vinhateiros" maus e ingratos e confiá-la a outros
"vinhateiros" - a um povo que fizesse a "vinha" produzir
bons frutos e que entregasse ao "senhor" os frutos a que ele tem
direito.
Entretanto, a Mateus não interessa tanto a questão do filho - ressuscitado,
exaltado e colocado como pedra angular da nova construção - quanto a questão da
entrega da "vinha" a um outro povo. Ao sublinhar este aspecto, Mateus
tem em vista uma dupla finalidade...
Em primeiro lugar, ele explica dessa forma porque é que, na maioria das
comunidades cristãs, os judeus - os primeiros trabalhadores da
"vinha" de Deus - eram uma minoria: eles recusaram-se a oferecer
frutos bons ao "senhor" da "vinha" e recusaram sempre as
tentativas do "senhor" no sentido de uma aproximação e de um
compromisso. Logicamente, o "senhor" escolheu outros
"vinhateiros". O que é decisivo, para a escolha de Deus, não é que os
novos trabalhadores da "vinha" sejam judeus ou não judeus; o que é
decisivo é que eles estejam dispostos a oferecer ao "senhor" os
frutos que lhe são devidos e a acolher o "filho" que o
"senhor" enviou ao seu encontro.
Em segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros
que agradem ao "senhor" da "vinha". Estamos no final do
séc. I (década de 80); passou já o entusiasmo inicial e os crentes da
comunidade de Mateus instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência,
descomprometido, instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para
exortar os irmãos da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a
que se empenhem, a que dêem frutos próprios do Reino, a que vivam com
radicalidade as propostas de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta as seguintes
questões:
• O problema fundamental posto por este texto
é o da coerência com que vivemos o nosso compromisso com Deus e com o Reino.
Deus não obriga ninguém a aceitar a sua proposta de salvação e a envolver-se
com o Reino; mas uma vez que aceitamos trabalhar na sua "vinha",
temos de produzir frutos de amor, de serviço, de doação, de justiça, de paz, de
tolerância, de partilha... O nosso Deus não está disposto a pactuar com
situações dúbias, descaracterizadas, amorfas, incoerentes, mentirosas; mas
exige coerência, verdade e compromisso. A parábola convida-nos, antes de mais,
a não nos deixarmos cair em esquemas de comodismo, de instalação, de
facilidade, de "deixa andar", mas a levarmos a sério o nosso
compromisso com Deus e com o Reino e a darmos frutos consequentes. O meu
compromisso com o Reino é sincero e empenhado? Quais são os frutos que eu
produzo? Quando se trata de fazer opções, ganha o meu comodismo e instalação,
ou a minha vontade de servir a construção do Reino?
• O que é que é decisivo para definir a
pertença de alguém ao Reino? É ter uma "tradição familiar" cristã? É
o ter entrado, por um acto formal (Baptismo) na Igreja? É o ter feito votos de
pobreza, castidade e obediência numa determinada congregação religiosa? É o
cumprir determinados actos de piedade? É o participar nos ritos? Nada disso é
decisivo. O que é decisivo é o "produzir frutos" de amor e de
justiça, que pomos ao serviço de Deus e dos nossos irmãos. Como é que eu
entendo e vivo a minha caminhada de fé?
• A parábola fala de trabalhadores da
"vinha" de Deus que rejeitam o "filho" de forma absoluta e
radical. É provável que nenhum de nós, por um acto de vontade consciente, se
coloque numa atitude semelhante e rejeite Jesus. No entanto, prescindir dos
valores de Jesus e deixar que sejam o egoísmo, o comodismo, o orgulho, a
arrogância, o dinheiro, o poder, a fama, a condicionar as nossas opções é, na
mesma, rejeitar Jesus, colocá-l'O à margem da nossa existência. Como é que, no
dia a dia, acolhemos e inserimos na nossa vida os valores de Jesus? As
propostas de Jesus são, para nós, valores consistentes, que procuramos integrar
na nossa existência e que servem de alicerce à construção da nossa vida, ou são
valores dos quais nos descartamos com facilidade, sob pressão de interesses
egoístas e comodistas?
• As nossas comunidades cristãs e religiosas
são constituídas por homens e mulheres que se comprometeram com o Reino e que
trabalham na "vinha" do Senhor. Deviam, portanto, produzir frutos
bons e testemunhar diante do mundo, em gestos de amor, de acolhimento, de
compreensão, de misericórdia, de partilha, de serviço, a realidade do Reino que
Jesus Cristo veio propor. É isso que acontece, ou limitamo-nos a ter muitos
grupos paroquiais, a preparar organigramas impressionantes da dinâmica
comunitária, a construir espaços físicos amplos e confortáveis, a recitar a
liturgia das horas, a produzir liturgias solenes, faustosas, imponentes... e
completamente desligadas da vida?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 27º DOMINGO
DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 27º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Seria bom rezar hoje a Oração Eucarística IV, que traça a história da salvação
e concorda com os textos deste domingo (evocação do amor de Deus pelo seu povo,
do Antigo Testamento à Igreja).
3. PALAVRA DE VIDA.
Não podemos criticar o proprietário da vinha, posto em cena por Jesus numa
parábola, por ter negligenciado a sua vinha: ele trata da vinha com todos os
cuidados... Não podemos criticar a sua paciência e a sua perseverança para com
os vinhateiros: ele envia os seus servidores que são lapidados, envia outros
que têm o mesmo destino e, enfim, envia o seu próprio filho, pensando que ele
seria respeitado. Evidentemente, pensamos em Deus que toma cuidado do seu Reino
e que envia até o seu próprio Filho. E nós, de que lado nos situamos? Jesus
foi-nos enviado... Que fizemos do seu mandamento de amor? Foram-nos enviados
mensageiros... Escutámo-los? O Reino de Deus não é devido, é-nos confiado.
Esperando que não nos seja retirado...
4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Uma oferenda dos frutos da terra. Hoje, ou num dos domingos de Outubro, pode
desenrolar-se durante a celebração uma oferenda dos frutos da terra: frutos,
legumes, flores... No final da celebração, pode-se partilhar os dons
oferecidos.
5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
Escolher um "fruto". Ao deixarmos a celebração, podemos escolher um
"fruto" possível para produzir nesta semana: um gesto ou uma palavra
de reconciliação em relação a alguém; uma partilha com um vizinho necessitado;
ou uma iniciativa que pareça ainda mais gratuita e que traga alegria. Para os
mais empenhados na vida espiritual: em cada dia, produzir um fruto de amor!
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário