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Setembro 2020
ANO A
24º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 24º Domingo do Tempo Comum
A Palavra de Deus que a liturgia do 24º
Domingo do Tempo Comum nos propõe fala do perdão. Apresenta-nos um Deus que ama
sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude
semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado.
O Evangelho fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama
sobre os seus filhos - de forma total, ilimitada e absoluta - o seu perdão. Os
crentes são convidados a descobrir a lógica de Deus e a deixarem que a mesma
lógica de perdão e de misericórdia sem limites e sem medida marque a sua
relação com os irmãos.
A primeira leitura deixa claro que a ira e o rancor são sentimentos maus, que
não convêm à felicidade e à realização do homem. Mostra como é ilógico esperar
o perdão de Deus e recusar-se a perdoar ao irmão; e avisa que a nossa vida
nesta terra não pode ser estragada com sentimentos, que só geram infelicidade e
sofrimento.
Na segunda leitura Paulo sugere aos cristãos de Roma que a comunidade cristã
tem de ser o lugar do amor, do respeito pelo outro, da aceitação das
diferenças, do perdão. Ninguém deve desprezar, julgar ou condenar os irmãos que
têm perspectivas diferentes. Os seguidores de Jesus devem ter presente que há
algo de fundamental que os une a todos: Jesus Cristo, o Senhor. Tudo o resto
não tem grande importância.
LEITURA I - Sir 27,33-28,9
Leitura do Livro de Ben-Sirá
O rancor e a ira são coisas detestáveis,
e o pecador é mestre nelas.
Quem se vinga sofrerá a vingança do Senhor,
que pedirá minuciosa conta de seus pecados.
Perdoa a ofensa do teu próximo
e, quando o pedires, as tuas ofensas serão perdoadas.
Um homem guarda rancor contra outro
e pede a Deus que o cure?
Não tem compaixão do seu semelhante
e pede perdão para os seus próprios pecados?
Se ele, que é um ser de carne, guarda rancor,
quem lhe alcançará o perdão das suas faltas?
Lembra-te do teu fim e deixa de ter ódio;
pensa na corrupção e na morte,
e guarda os mandamentos.
Recorda os mandamentos
e não tenhas rancor ao próximo;
pensa na Aliança do Altíssimo
e não repares nas ofensas que te fazem.
AMBIENTE
O livro de Ben Sira (também chamado
"Eclesiástico"), de onde foi extraída a primeira leitura deste
domingo, é um livro sapiencial que, como todos os livros sapienciais, pretende
apresentar uma reflexão de carácter prático sobre a arte de bem viver e de ser
feliz.
Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado
o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores
tradicionais de Israel. Jesus Ben Sira, o autor deste livro, está preocupado
com a degradação dos valores tradicionais do seu Povo e as cedências que,
sobretudo os mais jovens, vão fazendo à cultura grega. A "fé dos
pais" corre riscos de desaparecer ou, ao menos, de perder a sua identidade.
Jesus Ben Sira procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e
da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e
demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura
grega. Por essa razão, escreveu este compêndio de "sabedoria". Nele,
tenta demonstrar aos seus compatriotas que Israel possuía na "Torah",
revelada por Deus, a verdadeira "sabedoria" - uma
"sabedoria" muito superior à "sabedoria" grega.
O texto que a liturgia de hoje nos propõe integra uma secção (cf. Sir
24,1-42,14) onde Jesus Ben Sira procura demonstrar que a "sabedoria"
- criatura de Deus, oferecida a todos os homens piedosos (cf. Sir 1,1-23,38) -
tem um campo especial de acção em Israel, o Povo eleito de Deus. Esta secção
não tem uma estrutura clara e coerente: os temas vão-se sucedendo,
aparentemente sem uma ordem lógica. Dominam, aí, as "máximas"
destinadas a ensinar os comportamentos que se devem assumir nas relações
sociais.
Uma nota de carácter prático: o nosso texto aparece, na maior parte das versões
recentes da Bíblia, numerado como 27,30-28,7 e não como 27,33-28,9. Aqui, no
entanto, conservamos a numeração 27,33-28,9 - que é a apresentada no
"Leccionário Dominical". Esta discrepância resulta do facto de o
texto apresentado pelo "Leccionário" seguir uma versão latina, mais
longa do que a versão grega que serve de base às traduções mais recentes do
Livro de Ben Sira.
MENSAGEM
Jesus Ben Sira ensina que a verdadeira
"sabedoria" está em não se deixar dominar pelo rancor, pela ira e
pelos sentimentos de vingança. O "sábio" (isto é, aquele que quer ter
êxito e ser feliz) é aquele que é capaz de perdoar as ofensas e de ter
compaixão pelo seu semelhante.
Particularmente interessante é a relação estabelecida aqui entre o perdão
humano e o perdão divino: quem se recusa a perdoar ao irmão, como poderá ter a
coragem de pedir o perdão de Deus? Mas quem perdoa as ofensas dos outros,
poderá pedir e esperar o perdão do Senhor para as suas próprias falhas. Ao
menos dois séculos antes de Cristo o judaísmo já tinha descoberto que existe
uma relação entre o perdão que Deus nos oferece e o perdão que ele nos convida
a oferecer aos irmãos.
Para tornar mais sugestivo e impressionante o seu apelo, Ben Sira convida os
seus concidadãos a lembrarem-se da morte: "pensa no teu fim e deixa de ter
ódio"... Diante da realidade final que nos espera, que sentido é que fazem
os sentimentos de rancor, de ira, de vingança que alimentamos nesta terra? E
podemos, com coerência, esperar o perdão final de Deus, se a nossa vida foi
vivida numa lógica de ódio e de vingança?
Fundamentalmente, temos aqui um apelo a invertermos a lógica do "olho por
olho, dente por dente", de forma a que as nossas relações com os irmãos
sejam marcadas por sentimentos de perdão e de misericórdia. É dessa forma que o
homem construirá a sua felicidade nesta terra; e é assumindo está lógica que o
homem poderá pedir e esperar de Deus o perdão para as suas falhas.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, as seguintes
questões:
Todos os dias vemos, nas notícias que nos
chegam de todos os cantos do mundo, onde nos leva a lógica do "responder
na mesma moeda". Para vingar ofensas reais ou imaginárias, desencadeiam-se
mecanismos de vingança que são responsáveis pela morte de inocentes, por
sofrimentos e dramas sem fim e por uma espiral de violência sem limites e sem
prazos. É este o mundo que queremos? A única forma de fazermos respeitar os
nossos direitos e a nossa dignid
ade passará por deixarmos à solta os nossos instintos de vingança, de rancor e
de ódio?
Ben Sira estabelece uma relação clara entre o
perdão de Deus e o perdão humano. É claro que não podemos dizer que Deus não
nos perdoa se nós não conseguirmos perdoar aos nossos irmãos (a bondade e a
misericórdia de Deus são infinitamente maiores do que as nossas); mas, se o
nosso coração estiver dominado por uma lógica de ódio e de vingança, o perdão
que Deus nos oferece poderá encontrar aí lugar? Um coração duro, violento e
agressivo, incapaz de compreender as falhas dos outros, estará suficientemente
disponível para acolher a bondade e o amor de Deus?
Ben Sira lembra também, a propósito do perdão,
o horizonte final do homem (a morte)... Não se tratará, tanto, de avisar que se
não nos portarmos bem, Deus condena-nos (por esta altura, o Povo de Deus ainda
não parece ter uma noção clara de que há, para além desta terra, uma vida
eterna reservada para aqueles que escolhem Deus e os seus valores); trata-se,
sobretudo, de sugerir que a nossa vida nesta terra está marcada pela brevidade
e pela finitude e não pode ser estragada com sentimentos que só nos magoam a
nós e aos outros.
Muitos homens do nosso tempo pensam que só nos
afirmamos, só nos realizamos e só triunfamos quando somos fortes e respondemos
com força e agressividade à força e agressividade dos outros. Jesus Ben Sira,
contudo, ensina que a "sabedoria", o êxito e a felicidade do homem
não passam por cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas por cultivar
sentimentos de perdão e de misericórdia. Quem tem razão? O que é que nos dá
paz, nos faz sentir em harmonia connosco, com Deus e com ou outros e nos torna
mais felizes: os gestos violentos que mostraram aos outros a nossa força e
apaziguaram o nosso orgulho ferido, ou os nossos gestos de perdão, de bondade,
de misericórdia?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.
Ele perdoa todos os teus pecados
e cura as tuas enfermidades.
Salva da morte a tua vida
e coroa-te de graça e misericórdia.
Não está sempre a repreender
nem guarda ressentimento.
Não nos tratou segundo os nossos pecados
nem nos castigou segundo as nossas culpas.
Como a distância da terra aos céus,
assim e grande a sua misericórdia para os que O temem.
Como o oriente dista do Ocidente,
assim Ele afasta de nós os nossos pecados.
LEITURA II - Rom 14,7-9
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Romanos
Irmãos:
Nenhum de nós vive para si mesmo
e nenhum de nós morre para si mesmo.
Se vivemos, vivemos para o Senhor,
e se morremos, morremos para o Senhor.
Portanto, quer vivamos quer morramos,
pertencemos ao Senhor.
Na verdade, Cristo morreu e ressuscitou
para ser o Senhor dos vivos e dos mortos.
AMBIENTE
Na segunda parte da Carta aos Romanos (já o
vimos nos domingos anteriores), Paulo preocupa-se em apresentar aos cristãos de
Roma (e aos cristãos de todos os lugares e tempos) um conjunto de atitudes e de
valores que devem marcar a vida pessoal, social e eclesial daqueles que Deus
chama à salvação. A segunda leitura deste domingo situa-nos neste contexto e
apresenta-nos mais alguns dados sobre esta questão.
O nosso texto faz parte de uma perícopa (cf. Rom 14,1-12) em que Paulo dá
algumas indicações acerca da conduta a ter face aos outros membros da
comunidade, particularmente face àqueles que têm perspectivas diferentes da fé
e do caminho cristão.
Paulo considera que existem dois tipos de crentes na comunidade cristã de Roma:
os "fortes" e os "débeis". Estas designações não parecem
referir-se, primordialmente, à classe social ("ricos" e
"pobres") ou à origem religiosa ("pagano-cristãos" e
"judeo-cristãos") desses crentes, mas a atitudes diversas quanto à
fé... Os "fortes" (na linguagem de hoje, poderíamos caracterizá-los
como "progressistas") são aqueles que já se libertaram decisivamente
da escravidão da Lei e dos ritos e consideram que só os valores do Evangelho
são decisivos no caminho da fé. Os "fracos" (na linguagem de hoje
poderíamos chamar-lhes "tradicionalistas") são aqueles que fazem
finca-pé nas leis, nos ritos e nas tradições antigas e ficam escandalizados
pelo facto de esses valores não serem assumidos por toda a gente.
Muito provavelmente, estes dois grupos viviam em confronto, provocando uma
certa divisão na comunidade. Paulo não aceita atitudes de intolerância ou de
desprezo pelos irmãos, venham elas de onde vieram. Na verdade, o pensamento de
Paulo aproxima-o mais dos "fortes"; mas ele sabe muito bem que mais
importante do que as divergências é o respeito pelo irmão e a construção da
fraternidade. Os "fortes" não podem desprezar aqueles que não pensam
como eles; e os "débeis" não têm o direito de julgar ou de catalogar
aqueles que têm, quanto à fé, uma outra perspectiva.
É precisamente neste contexto que Paulo encaixa os três versículos que
constituem a segunda leitura deste domingo.
MENSAGEM
Os vers. 7-9 são verdadeiramente o centro da
perícopa. Fundamentalmente, Paulo recorda a todos - aos "fortes" e
aos "débeis" - que pertencem ao Senhor: "quer vivamos quer
morramos, é ao Senhor que pertencemos" (vers. 8). Isso é muito mais
importante do que as opiniões particulares acerca do caminho a percorrer para
atingir o mesmo objectivo. Os crentes, antes de se deixarem dividir e separar
por questões verdadeiramente secundárias (que tipo de alimentos se devem comer,
que festas se devem celebrar, que jejuns se devem fazer), devem ter consciência
do essencial da fé e daquilo que os une: Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou
para a todos dar a mesma vida. A comunidade é uma família de irmãos, reunida à
volta do mesmo Senhor.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta as seguintes
questões:
Paulo está consciente de que há vários
caminhos válidos para chegar a Cristo e à sua proposta de salvação. Esses
caminhos não só não se excluem mas, na sua diversidade, constituem um factor de
enriquecimento da nossa experiência comunitária. A comunidade tem de estar
consciente de que a diversidade não exclui, necessariamente, a unidade. Por
isso, a comunidade cristã não é o lugar da intolerância, da incompreensão, do
desrespeito pela diversidade de opiniões, da uniformidade imposta em nome da
fé; mas é o lugar do amor, do respeit
o pelo outro, da aceitação das diferenças, da partilha, do perdão. A este
respeito, como classifico a minha comunidade cristã ou religiosa?
Existem, às vezes, nas comunidades cristãs
certas pessoas que se consideram mais esclarecidas e mais preparadas e que
manifestam desprezo por aqueles que têm concepções menos racionais da fé, que
vivem agarrados a determinadas devoções ou a determinados ritos considerados
ultrapassados. Paulo recomenda-lhes: "não desprezeis ninguém; não
esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos
pertencemos".
Existem, às vezes, na comunidade cristã certas
pessoas que se consideram muito santas e virtuosas porque cumprem determinadas
regras, são fiéis a determinados ritos e têm sempre presente os mandamentos da
santa madre Igreja... Observam e controlam os outros, julgam-nos sem direito a
defesa, condenam-nos e acham-se no sagrado direito de os desacreditar diante
dos outros membros da comunidade... Paulo recomenda-lhes: "não julgueis
nem condeneis os vossos irmãos; não esqueçais que a única coisa importante e
decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos".
Às vezes perdemo-nos na discussão das coisas
secundárias e esquecemos o essencial. Discutimos se se deve receber a comunhão
na mão ou na boca, se se deve ou não ajoelhar à consagração, se determinado
cântico é litúrgico ou não, se os padres devem ou não casar, se a procissão do
santo padroeiro da paróquia deve fazer este ou aquele percurso... e, algures
durante a discussão, esquecemos o amor, o respeito pelo outro, a fraternidade,
e que todos vivemos à volta do mesmo Senhor. É preciso descobrir o essencial
que nos une e não absolutizar o secundário que nos divide.
ALELUIA - Jo 13,34
Aleluia. Aleluia.
Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.
EVANGELHO - Mt 18,21-35
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Mateus
Naquele tempo,
Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe:
«Se meu irmão me ofender,
quantas vezes deverei perdoar-lhe?
Até sete vezes?»
Jesus respondeu:
«Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
Na verdade, o reino de Deus pode comparar-se a um rei
que quis ajustar contas com os seus servos.
Logo de começo,
apresentaram-lhe um homem que devia dez mil talentos.
Não tendo com que pagar,
o senhor mandou que fosse vendido,
com a mulher, os filhos e tudo quanto possuía,
para assim pagar a dívida.
Então o servo prostrou-se a seus pés, dizendo:
'Senhor, concede-me um prazo e tudo te pagarei'.
Cheio de compaixão, o senhor daquele servo
deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida.
Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros
que lhe devia cem denários.
Segurando-o, começou a apertar-lhe o pescoço, dizendo:
'Paga o que me deves'.
Então o companheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo:
'Concede-me um prazo e pagar-te-ei'.
Ele, porém, não conseguiu e mandou-o prender,
até que pagasse tudo quanto devia.
Testemunhas desta cena,
os seus companheiros ficaram muito tristes
e foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido.
Então, o senhor mandou-o chamar e disse:
'Servo mau, perdoei-te, porque me pediste.
Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro,
como eu tive compaixão de ti?'
E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos,
até que pagasse tudo o que lhe devia.
Assim procederá convosco meu Pai celeste,
se cada um de vós não perdoar a seu irmão
de todo o coração».
AMBIENTE
Continuamos a ler o "discurso
eclesial", que preenche todo o capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus.
Este "discurso" tem como ponto de partida algumas
"instruções" apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc
9,33-37.42-47), mas que Mateus ampliou de forma significativa. Os destinatários
do discurso são os discípulos (na realidade Mateus pretende, sobretudo, atingir
os membros dessa comunidade cristã a quem este Evangelho se destina).
Por detrás do texto que nos é hoje proposto, podemos entrever uma comunidade
onde as tensões e os conflitos degeneram em ofensas pessoais e que tem muita
dificuldade em perdoar.
MAENSAGEM
O mandamento do perdão não é novo - como
vimos, aliás, na primeira leitura. Os catequistas de Israel ensinavam a perdoar
as ofensas e a não guardar rancor contra o irmão que tinha cometido qualquer
falha. Os "mestres" de Israel estavam, no entanto, de acordo em que a
obrigação de perdoar existia apenas em relação aos membros do Povo de Deus (os
inimigos estavam excluídos dessa dinâmica de amor e de misericórdia). A grande
discussão girava, porém, à volta do número limite de vezes em que se devia
perdoar. Todos - desde os mais exigentes aos mais misericordiosos - aceitavam,
contudo, que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente.
É nesta problemática que Jesus é envolvido pelos discípulos. Pedro, o porta-voz
da comunidade, consulta Jesus acerca dos limites do perdão. Ele sabe que,
quanto a isto, Jesus tem ideias radicais e, talvez com alguma ironia, pergunta
a Jesus se, na sua perspectiva, se deve perdoar sempre ("até sete
vezes?" - vers. 21: o número sete, na cultura semita, indica
"totalidade").
Jesus responde que não só se deve perdoar sempre, mas de forma ilimitada,
total, absoluta ("setenta vezes sete" - vers. 22). Deve-se perdoar
sempre, a toda a gente (mesmo aos inimigos) e sem qualquer reserva, sombra ou
prevenção.
É neste contexto e a propósito da lógica do perdão que Jesus propõe aos
discípulos uma parábola (vers. 23-35). A parábola apresenta-se em três quadros
ou cenas.
O primeiro quadro (vers. 23-27) coloca-nos diante de uma cena de corte: um
funcionário real, na hora de prestar contas ao seu senhor (provavelmente de
impostos recebidos e nunca entregues), revela-se incapaz de saldar a sua
dívida. O senhor ordena que o funcionário e a sua família sejam vendidos como
escravos; mas, perante a humildade e a submissão do servo, o senhor deixa-se
dominar por sentimentos de misericórdia e perdoa a dívida. Neste quadro, o que
impressiona mais é o montante astronómico da dívida: dez mil talentos (um
talento equivalia a cerca de 36 Kg e podia ser em ouro ou em prata. Dez mil
talentos é, portanto, uma soma incalculável). O exagero da dívida serve, aqui,
para pôr em relevo a misericórdia infinita do senhor.
O segundo quadro (vers. 28-30) descreve como esse funcionário que experimentou
a misericórdia do seu senhor se recusou, logo a seguir, a perdoar um
companheiro que lhe devia cem denários (um denário equivalia a 12 gramas de
prata e era o pagamento diário de um operário n&atil
de;o especializado. Cem denários correspondia, portanto, a uma quantia
insignificante para um alto funcionário do rei).
Quando estes dois quadros são postos em paralelo, sobressaem, por um lado, a
desproporção entre as duas dívidas e, por outro, a diferença de atitudes e de
sentimentos entre o senhor (capaz de perdoar infinitamente) e o funcionário do
rei (incapaz de se converter à lógica do perdão, mesmo depois de ter
experimentado a alegria de ser perdoado).
É precisamente desta diferença de comportamentos e de lógicas que resulta o
terceiro quadro (vers. 28-35): os outros companheiros do funcionário real,
chocados com a sua ingratidão, informaram o rei do sucedido; e o rei,
escandalizado com o comportamento do seu funcionário, castigou-o duramente.
Antes de mais, a parábola é uma catequese sobre a misericórdia de Deus. Mostra
como, na perspectiva de Deus, o perdão é ilimitado, total e absoluto.
Depois, a parábola convida-nos a analisar as nossas atitudes e comportamentos
face aos irmãos que erram. Mostra como neste capítulo, a nossa lógica está,
tantas vezes, distante da lógica de Deus. Diante de qualquer falha do irmão
(por menos significativa que ela seja), assumimos a pose de vítimas magoadas e,
muitas vezes, tomamos atitudes de desforra e de vingança que são o sinal claro
de que ainda não interiorizámos a lógica de Deus.
Finalmente, a parábola sugere que existe uma relação (aliás já afirmada na
primeira leitura deste domingo) entre o perdão de Deus e o perdão humano.
Mateus estará a sugerir que o perdão de Deus é condicionado e que só se tornará
efectivo se nós aprendermos a perdoar aos nossos irmãos? O que Mateus está a
dizer, sobretudo, é que na comunidade cristã deve funcionar a lógica do perdão
ilimitado: se essa é a lógica de Deus, terá de ser a nossa lógica, também. O
que Mateus está a sugerir, também, é que se o nosso coração não bater segundo a
lógica do perdão, não terá lugar para acolher a misericórdia, a bondade e o
amor de Deus. Fazer a experiência do amor de Deus transforma-nos o coração e
ensina-nos a amar os nossos irmãos, nomeadamente aqueles que nos ofenderam.
Deus pagará na mesma moeda e castigará quem não for capaz de viver segundo a
lógica do perdão e da misericórdia? Não. Decididamente, o revanchismo e a
vingança não fazem parte dos métodos de Deus... Mateus usa aqui - bem ao jeito
semita - imagens fortes e dramáticas para sublinhar que a lógica do perdão é
urgente e que dela depende a construção de uma realidade nova, de amor, de
comunhão, de fraternidade - a realidade do Reino.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar os seguintes desenvolvimentos:
O Evangelho deste domingo é sobre a
necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Trata-se - todos
estamos conscientes do facto - de uma das exigências mais difíceis que Jesus
nos faz. No entanto não há, neste campo, meias tintas, dúvidas, evasivas,
desculpas: trata-se de um valor fundamental da proposta de Jesus. Ele deu
testemunho, em gestos concretos, do amor, da bondade e da misericórdia do Pai.
Na cruz, ele morreu pedindo perdão para os seus assassinos... Ora o cristão é,
antes de mais, um seguidor de Jesus. Pessoalmente, como é que me situo face a
isto?
O perdão e a misericórdia tornam-se ainda mais
complicados à luz dos valores que presidem à construção do nosso mundo. O
"mundo" considera que perdoar é próprio dos fracos, dos vencidos, dos
que desistem de impor a sua personalidade e a sua visão do mundo; Deus
considera que perdoar é dos fortes, dos que sabem o que é verdadeiramente
importante, dos que estão dispostos a renunciar ao seu orgulho e
auto-suficiência para apostar num mundo novo, marcado por relações novas e
verdadeiras entre os homens. Na verdade, a lógica do mundo só tem aumentado a
espiral de violência, de injustiça, de morte; a lógica de Deus tem ajudado a
mudar os corações e frutificado em gestos de amor, de partilha, de diálogo e de
comunhão. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido? Qual destes
dois caminhos pode ajudar a instaurar uma realidade mais humana, mais
harmoniosa, mais feliz?
O que significa, realmente, perdoar? Significa
ceder sempre diante daqueles que nos magoam e nos ofendem? Significa encolher
os ombros e seguir adiante quando nos confrontamos com uma situação que causa
morte e sofrimento a nós ou a outros nossos irmãos? Significa "deixar
correr" enquanto forem coisas que não nos afectem directamente? Significa
pactuar com a injustiça e a opressão? Significa tolerar tudo num silêncio feito
de cobardia e de conformismo? Não. O perdão não pode ser confundido com
passividade, com alienação, com conformismo, com cobardia, com indiferença... O
cristão, diante da injustiça e da maldade, não esconde a cabeça na areia,
fingindo que não viu nada... O cristão não aceita o pecado e não se cala diante
do que está errado; mas não guarda rancor para com o irmão que falhou, nem
permite que as falhas derrubem as possibilidades de encontro, de comunhão, de
diálogo, de partilha... Perdoar não significa isolar-se num silêncio ofendido,
ou demitir-se das responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor;
mas significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão, a
recomeçar o diálogo, a dar outra oportunidade.
Este Evangelho recorda-nos - talvez ainda de
forma mais clara e concludente - aquilo que a primeira leitura já sugeria: quem
faz a experiência do perdão de Deus, envolve-se numa lógica de misericórdia que
tem, necessariamente, implicações na forma de abordar os irmãos que falharam.
Não podemos dizer que Deus não perdoa a quem é incapaz de perdoar aos irmãos;
mas podemos dizer que experimentar o amor de Deus e deixar-se transformar por
Ele significa assumir uma outra atitude para com os irmãos, uma atitude marcada
pela bondade, pela compreensão, pela misericórdia, pelo acolhimento, pelo amor.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO
DO TEMPO COMUM
1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa...
2. Testemunhos de reentrada.
Em certas paróquias, há por vezes o costume de preparar breves testemunhos
dados por membros da assembleia no momento dos avisos. Pode haver alguns breves
testemunhos (cerca de 1 minuto cada) sobre actividades eclesiais em que se
participou durante o tempo de verão. A intercalar, pode-se cantar um breve
refrão cantado.
3. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Pai misericordioso, nós Te bendizemos pela longa aprendizagem ao perdão na qual
formaste o teu povo desde o tempo de Moisés. Nós Te louvamos pela pedagogia da
misericórdia e pelas mensagens de paz.
Nós Te pedimos por todas as populações ainda submetidas ao ciclo infernal do
ódio, do terrorismo, do rancor e da vingança cega.
No final da segunda leitura:
Cristo ressuscitado, Senhor dos mortos e dos vivos, bendito sejas pelo teu
caminho de Páscoa: Tu conheceste a morte, para dela nos libertares e nos
fazeres partilhar a vida nova que manifestaste pela tua ressurreição.
Nós Te pedimos por todos os baptizados: demos-Te a nossa fé, aderimos a Ti. Que
o teu Espírito nos faça viver para Ti.
No final do Evangelho:
Pai do céu, Deus de paciência, Tu que perdoaste a nossa imensa dívida, bendito
sejas pelo perdão que liberta das cadeias e livra do desespero.
Nós Te pedimos: que o teu Reino venha aos nossos corações, que todas as nossas
comunidades manifestem a presença do teu Reino na nossa terra, como um reino de
paz, em que o perdão é dado do fundo do coração.
4. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda as alianças e as misericórdias
de Deus.
5. Palavra para o caminho.
«Senhor, quantas vezes devo perdoar?» A resposta de Jesus não tem nada de
matemática e o perdão que Ele nos propõe para oferecer aos nossos irmãos é
ilimitado - por vezes também muito difícil. Nesta semana, poderíamos retomar o
salmo 102 na oração e nos deixarmos habitar - impregnar, modelar - pelos seus
acentos de ternura, de perdão, de amor, que nos revelam o Coração d'Aquele que
nos convida a perdoar como Ele nos perdoa.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
Proposta para
Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
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Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo, Adélio Francisco) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
ResponderExcluirObrigado Senhor, obrigado Dehonianos e a todos que, como disse o Jair Ferreira, doam seu tempo para Evangelizar e partilhar suas reflexões e conhecimentos que ajudam a entender e a atualizar as leituras!!!
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