17 de março
No imenso
tesouro do Evangelho, a misericórdia é como uma gema preciosa: sólida e
delicada ao mesmo tempo; verdadeira e transparente na sua simplicidade;
brilhante pela vida e alegria que difunde. Compaixão, solidariedade, ternura e
perdão são como seus ângulos de polimento, por onde se reflete – em raios
coloridos e acessíveis – o amor regenerador de Deus. Para mim neste tempo da Quaresma, a misericórdia de Deus se traduz em
resgate, cura, abrigo, libertação, sustento, proteção, acolhida, generosidade e
salvação – tão marcantes na caminhada do Povo de Deus. No decorrer dos séculos,
a comunidade cristã tem atualizado esta experiência em novos contextos, lugares
e relacionamentos. A liturgia a celebra; a prece a invoca; a pregação a
proclama; os místicos a enfatizam; o magistério a propõe; as obras a cumprem.
Antiga e sempre nova, a misericórdia de Deus se pode entender em outras
palavras sob três pontos: bem-aventurança, profecia e terapia. Como
bem-aventurança, a misericórdia aproxima o Reino de Deus das pessoas, e as
pessoas do Reino de Deus. É prática que dignifica o ser humano: tanto quem a
dá, quanto quem a recebe. Está repleta de gratuidade e alegria, como disse
Jesus: “Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). As
obras de misericórdia são também profecias da justiça do Reino, que supera toda
fronteira de raça, credo ou ideologia: diante da humanidade ferida e carente,
somos servidores da vida e da esperança, dentro e fora da Igreja, para crentes e
não-crentes, afim de que “todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10).
Jesus nos indicou o exemplo do bom samaritano para mostrar a todos que a
misericórdia não aceita fronteiras! Enfim, a misericórdia é também terapia:
compaixão que restaura, toque que regenera e cuidado que aquece. As obras de
misericórdia têm eficácia curadora: socorrem nossa humanidade ferida pelo
pecado e pelo desamor, restaurando em nós a imagem do Cristo glorioso, para que
suas feições resplandeçam na nossa face, na face da Igreja, na face de toda a
humanidade redimida.
Se a compaixão é um sentir que nos comove na direção do próximo, a
misericórdia se caracteriza como gesto que realiza este sentir solidário. Na
compaixão temos um sentimento que mobiliza; na misericórdia temos o exercício
deste sentimento. Daí os verbos: cumprir, mostrar, fazer e agir – que expressam
a eficácia do amor misericordioso humano e, sobretudo, divino (cf. Êx 20,6; Sl
85,8; Lc 1,72 e 10,37). A misericórdia tem caráter operativo: é amor em
exercício de salvação. Se o amor é a qualidade essencial de Deus; a
misericórdia é este mesmo amor exercitado para com a criatura humana, revelando
a qualidade ativa de Deus. Assim, a misericórdia se mostra muito mais na
experiência do dia a dia, do que na conceituação teológica, catequética ou
espiritual. E ainda que tal experiência se revista de beleza, o lar da
misericórdia não é o discurso e nem explicações. Porque as crianças
abandonadas, os andarilhos e os excluídos da sociedade não comem explicações. O
lar da misericórdia é a solidariedade. Seu órgão vital é o coração e as mãos:
erguem o caído, curam o ferido, abraçam o peregrino, alimentam o faminto.
A misericórdia que Deus exige de ti e de mim não é outra senão a
evangélica, que consiste em 14 obras: 7 corporais: dar de comer a quem tem
fome, dar de beber a quem tem sede, acolher o forasteiro, vestir quem está nu,
visitar os doentes e assistir aos prisioneiros e sepultar dignamente os mortos.
Sete obras, centradas na exortação “cada vez que o fizestes a um desses meus
irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (25,40). E 7 espirituais: dar bom
conselho a quem necessita, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram,
consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do
próximo, rogar a Deus pelos vivos e mortos.
Obras de misericórdia corporais: dar de comer ao faminto, dar de beber
ao sedento, vestir os maltrapilhos, abrigar os peregrinos, cuidar dos enfermos,
visitar os encarcerados,
Meu irmão, minha irmã, em Emaús e à beira do lago da Galiléia, Jesus
toma o pão, abençoa e reparte: os discípulos o reconhecem, por causa de seu
tato característico (Lc 24,30; Jo 21,12-13). Que gestos tens feito para que as
pessoas te reconheçam como discípulo de Jesus? Saiba que os gestos alimentam, curam
e restauram! Eles são toques da misericórdia de Deus.
O nosso mandato é a prática da misericórdia para com o irmão: “Vai e
faze o mesmo!”
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