Domingo, 23 de março de 2014
3º Domingo da Quaresma
Santos do Dia: Bento de Campania (eremita), Félix de Montecassino (monge), Félix e
Companheiros (mártires da África), Fidel (mártir da África), José Orioli
(presbítero), Juliano (mártir de Cesaréia), Liberato e sua família (mártires da
África), Nicon e Companheiros (mártires da Palestina), Teódulo de Antioquia
(presbítero), Toríbio
de Mogrovejo (Bispo),Vitoriano,
Frumêncio e Companheiros (mártires da África).
Primeira leitura: Exôdo 17,3-7
Dá-nos água para beber!
Salmo responsorial: Salmo 94(95),1-2.6-7.8-9 (R. 8)
Hoje não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor!
Segunda leitura: Romanos 5,1-2.5-8
O amor foi derramado em nós pelo Espírito que nos foi dado.
Evangelho: João 4,5-42
Uma fonte de água que jorra para a vida eterna
Dá-nos água para beber!
Salmo responsorial: Salmo 94(95),1-2.6-7.8-9 (R. 8)
Hoje não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor!
Segunda leitura: Romanos 5,1-2.5-8
O amor foi derramado em nós pelo Espírito que nos foi dado.
Evangelho: João 4,5-42
Uma fonte de água que jorra para a vida eterna
Recordamos o caráter mais ou menos
aleatório da distribuição dos textos bíblicos na liturgia católica. Não existe
nenhuma explicação de como foi feita a distribuição, nem o motivo de tal texto
em tal data. Um comissão decidiu assim, e não são conhecidos os critérios
seguidos ou adotados. Quem quer pode conjeturar sobre eles. Observa-se uma
“associação de ideias” ou de imagens entre a primeira e a terceira leituras,
enquanto a segunda, com frequência, vai por caminhos próprios, sem nenhuma
relação com as outras.
A sucessão dos domingos também não
mostra um critério claro (como poderia ser o motivo de um processo
sistematizado de formação teológica ou bíblica), nem se dá oficialmente a
liberdade para que ao menos algumas comunidades especiais (jovens, grupo de
formação, ambientes especiais…) possam fazer seu próprio «calendário
litúrgico»... São temas que ficam pendentes para uma próxima reforma litúrgica.
Além disso, é claro que os textos
propostos na liturgia estão sempre à disposição de uma interpretação livre. São
como uma poesia ou uma imagem simbólica: cada comunidade é livre para abordar
os textos a partir do ponto de vista que prefira e é quase impossível que dois
cristão, dois biblistas ou agentes de pastoral encontrem a mesma ressonância
ante um mesmo texto: a cada um o texto vai evocar lembranças ou sugestões
distintas de ação. “O que se recebe, se recebe segundo o modo de ser de quem o
recebe”, diz o adagio clássico. Aqui também ele tem validade.
Nosso serviço bíblico oferece estes
comentários teológico-pastorais aos textos bíblicos da liturgia (católica)
também a partir de uma sensibilidade própria, com um pano de fundo de opções,
de visão de mundo e de vivência da fé próprios. E os oferece com humildade,
sabendo, que não são os únicos, nem os melhores; são simplesmente os nossos,
que partilhamos com quem sintoniza com a espiritualidade “latino-americana”,
não necessariamente de um modo geográfico-material, mas em base a uma
“geografia espiritual”…
Depois desta introdução, que não é
“própria deste domingo”, entremos de cheio no comentário dos textos.
O texto mais importante é o da
samaritana. Praticamente o capítulo quarto inteiro do evangelho de João. O
famoso episódio do encontro de Jesus com a samaritana. Algo que nos parece
importante, sempre que se comenta um texto do evangelho de João, é o apelo a
seu caráter simbólico peculiar. João não é um evangelho sinótico, não é um
texto narrativo, nem o que nos conta é provavelmente histórico. João é um
evangelho inteiramente simbólico, no qual os símbolos foram empregados até se
encontrarem com a realidade.
Em João não há similitudes, mas
identificações. Jesus diz: “Eu sou a videira” e não: “eu sou como a videira”, e
mais: “eu sou a videira verdadeira”, as demais videiras, as da realidade, não
são verdadeiras. “Eu sou o Pão verdadeiro”: o resto dos pães seriam… imitações.
Eu tenha a água verdadeira, que “jorra para a vida eterna”; a outra, a do H2O,
talvez não tire a sede.
Ao começar o comentário de qualquer
texto do evangelho de João é bom lembrar este estilo literário e simbólico
inteiramente peculiar de Jesus. Por respeito ao público, é conveniente deixar
claro que não estamos escutando simplesmente a narrativa de uma conversa, tal
como ela aconteceu, mas se trata de uma sofisticada composição teológica, com
intenções muito profundas e nada fáceis de detectar. E é claro que se inscreve
no mundo mental e ideológico peculiar de João, enormemente distante do nosso; e
que esta barreira cultural que nos separa do autor exige prudência para não dar
por válida qualquer conclusão.
Dentre as muitas interpretações de que
este texto pode ser objeto, vamos nos fixar em duas dimensões menos abordadas,
mas muito eloquentes para hoje: a da superação da religião e, consequentemente,
a abertura ao diálogo inter-religioso, que está na moda na teologia e no
cristianismo em geral. A situação do mundo atual, não só o possibilita, mas o
torna inevitável. O mundo atual está “embaralhado” religiosamente.
Diferentemente do passado, no mundo atual as sociedades são plurais, cultural e
religiosamente.
As migrações, os intercâmbios de todo
tipo e a própria “mundialização” fazem com que todas as religiões se encontrem
hoje diariamente com as demais, enquanto que durante milênios viveram
praticamente isoladas, tão distantes que comodamente podiam pensar em si mesmas
como únicas.
Jesus não viveu em um contexto
religiosamente plural como o nosso, porém tinha que passar por Samaria em suas
viagens entre Galileia e Jerusalém. Este episódio simbólico do evangelho de
João representa o compromisso de Jesus em relação ao povo que, mesmo não sendo
propriamente de “outra religião”, era considerado alguém distante, por ser
considerado herege ou cismático.
Jesus dialoga com a samaritana,
inclusive por própria iniciativa. João a apresenta como se estivesse na
defensiva, só respondendo. A iniciativa original, a aproximação ao diálogo é de
Jesus.
Pode ser importante destacar que Jesus
dialoga com outras formas de religião porque tem uma postura de “teologia
pluralista das religiões”, como podemos dizer na linguagem atual, com evidente
anacronismo. Não é primeiro o diálogo e depois a teologia das religiões, mas ao
contrário: porque tem uma visão aberta da relação entre as religiões, é por
isso que pode dialogar outras formas de religião.
“Onde se deve adorar: em Jerusalém ou
em Garizin?”, pergunta a samaritana. Ou seja, mais claramente, qual é a
religião verdadeira? E Jesus tem uma resposta verdadeiramente revolucionaria,
que os teólogos do pluralismo religioso ainda não assimilaram. Jesus não
privilegia Jerusalém ou Garizin, mas diz que quem quer ir mais a fundo (“os
verdadeiros adoradores”) não vai ter que ir nem a um lugar nem a outro, não vão
ter que viver com uma ou outra religião, mas vão adorar “em espírito e
verdade”, isto é, mergulhando verdadeiramente na “religião” profunda. É
uma resposta revolucionária: as religiões são relativas, e há algo mais além
delas, a cujo serviço estão ou deveriam estar todas elas. Não há “uma religião
absoluta”, à qual todas as demais devam ceder o passo. A única religiosidade
absoluta (a única religião verdadeira) é a “adoração em espírito e em verdade”,
mais além de uma ou outra religião.
Thomas Sheehan sustenta que a novidade
de Jesus consiste na absolvição de todas as religiões, de forma que possamos
redescobrir nossa relação com Deus (“religação”) no mesmo processo da criação e
da vida, na história. Num primeiro momento esta afirmação pode assustar
semelhante afirmação. Pensando bem, lembremos que Jesus não “fundou” a Igreja
(esta foi fundada depois, fundada em Jesus). Jesus sempre se manteve judeu e
nunca pensou em fundar outra religião, mas pensou em superá-la. Teria sido o
cristianismo um pouco do que Jesus queria, aquilo que logo cristalizou no
século IV no meio dos enormes condicionamentos históricos daquela época,
marcada por um império em decadência? Será que hoje, em meio a uma grave crise
das religiões e particularmente das instituições religiosas, se apresenta uma
nova e melhor oportunidade de entender e colocar em prática a mensagem de
Jesus?
A cada dia se repete a distinção entre
“religião e religação”… e aparece como mais importante a segunda, a “religação”
– sem atar-se demasiadamente à sua etimologia – enquanto que a religião, as
religiões, não seriam mais que formas concretas diferentes dessa dimensão
profunda adotada pelo ser humano em uma determinada época da história..
É óbvio que o importante não são as
formas, mas o conteúdo que veiculam, a dimensão profunda à qual respondem. Essa
dimensão profunda de “religação” não seria uma forma diferente de praticar a fé
diante disso que chamamos “crise da religião”? Não seria a crise atual uma
forma de transformação que a religação vai adotar num futuro próximo?
Provavelmente a crise da religião vai ser ou já está sendo a melhor
oportunidade da religação.
Oração: Ó Deus, Pai e Mãe universal, que em Jesus nos indicas a verdadeira
religião, faze que compreendamos que chegou a hora de ser verdadeiros
adoradores e te adoremos em espírito e em verdade, em justiça e amor, em
abertura e solidariedade, com todos os nossos irmãos e irmãs. Como nos ensinou
Jesus, filho teu e irmão nosso. Amém.
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