20 DE MARÇO - Lc 16,19-31
Esta parábola não visa tratar sobre caridade e falta de caridade. Não
diz que o rico negava esmolas a Lázaro. Talvez até ignorasse a presença dele
junto de sua casa, fechado como estava em seu bem-estar, que não lhe permitia
perceber problemas alheios como às vezes dizem: “cada um por si e Deus por
todos”. Jesus quer chamar a atenção não para a necessidade de amarmos ao
próximo, mas para a importância das situações. Uma situação de poder e prazeres
pode insensibilizar a mente, tornando-a insensível às necessidades dos outros.
Pode fechar a porta do céu, tirando a fome da vida eterna, se já se julga
satisfeito com seus bens. Ao contrário, uma situação de penúria entretém a fome
e a sede de algo maior: a vida eterna.
A riqueza honesta não é má nem condenável, assim como a pobreza não é
garantia de salvação. Mas ambas suscitam atitudes éticas que podem facilitar ou
dificultar a procura de Deus. É para isto que Jesus quer despertar os cristãos
nesta parábola.
A situação cômoda em que se acham os ricos pode diminuir seu zelo pelas
necessidades dos pobres e excluídos da nossa sociedade.
Jesus chama os pobres, os que têm fome, sede e choram, de
bem-aventurados, não por causa da pobreza como tal, mas por causa da atitude
ética, da fé e do amor ao próximo que essa pobreza preserva ou suscita. E chama
os ricos de infelizes (Lc 6,24-26), não por causa da riqueza como tal, mas
porque a riqueza pode fazer murchar a fé e o senso da vida futura.
O rico morreu sem fome física nem espiritual: nada mais espera na outra
vida, satisfeito que estava em seu bem-estar. Lázaro que teve fome física e
doenças, tinha fome de uma realidade melhor do que a vida terrestre. No além, a
fome material e espiritual de Lázaro era saciada, ao passo que no rico, ela não
existia.
Alguém pode ser rico e ter um coração de pobre, cultivando o desapego, a
humildade, a caridade, como alguém pode ser pobre, mas ter um coração de rico,
sem caridade nem humildade. Lázaro, pobre na terra, e Abraão, rico na terra,
tiveram a mesma sorte final, porque ambos, em circunstâncias diferentes,
tiveram o mesmo amor a Deus e o mesmo desprendimento dos bens terrenos.
A parábola nos lembra que o Céu e o inferno começam no nosso dia a dia.
Não nos faltam os fatos, acontecimentos, coisas em cada dia, que são objetos de
santificação. A fé descobre neles os sinais de Deus a respeito do sentido desta
vida. Nós não vivemos de milagres, mas do dia a dia. É nele que devemos
encontrar a vida de santificação. Muitos procuram sinais e milagres e dizem,
que se Deus se fizesse mais sensível, os desse um sinal, seriam mais
fervorosos. Isto é pura ilusão meu irmão, minha irmã. Quem não tem fé nos dons
cotidianos de Deus, encontrará razões falsas para não reconhecer os milagres
dEle. Abraão responde ao rico que quem não tem o hábito da fé viva, rejeitará
mesmo os sinais mais significativos. Na verdade, Lázaro, irmão de Marta e
Maria, e o próprio Jesus haviam de ressuscitar dentre os mortos e aparecer aos
judeus, mas nem assim estes se deixaram convencer.
Abraão diz existir entre o Céu e o inferno um grande abismo. E este
indica que é só na vida terrestre que podemos nos converter. O tempo da
conversão é hoje e agora. A morte nos estabelece em nossa condição definitiva:
ou o Céu para sempre ou o inferno para sempre.
Esta parábola nos leva a concluir que quando eu e tu, deixarmos este
mundo, receberemos uma sentença. Veja que Lázaro foi levado ao “seio de Abraão”
e o rico aos tormentos do inferno. Isto pressupõe uma sentença de Deus logo
após a minha e a tua morte. E ela é definitiva, pois o mau não pode passar para
o lugar do justo, e nem vice-versa. Eu já fiz a minha opção: quero ir para o
seio de Abraão! E tu para onde queres ir?
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