VI DOMINGO DO TEMPO COMUM
15/02/2015
1ª Leitura Levítico 13, 1-2.44-46
Salmo 31/32,7 “Vós sois meu asilo,
das angústias me preservareis e me envolvereis na alegria da minha salvação”
2ª Leitura1 Cor 10, 31- 11.1
Evangelho Lucas 1, 40-45
"SENTIU COMPAIXÃO..."
A nossa compreensão da palavra
“compaixão” nunca será completa, pois, na Sagrada Escritura, “sentir compaixão”
é uma virtude própria de Deus e na maioria das vezes esse sentimento pelo
próximo, que o nosso coração define como “compaixão” não passa na verdade de um
gesto de piedade, que também é um atributo Divino, porem em seu sentido mais
amplo, que o coração humano nunca será capaz de alcançar.
O evangelho desse Domingo nos ajuda a aprofundar o sentido dessa ação de
Jesus, presente em momentos significativos, quando ele se defronta com a
miséria humana, motivando-nos a rever se a estamos aplicando na relação com o
próximo, em seu sentido autenticamente cristão.
Pelo conteúdo normativo de
Levíticos, primeira leitura, Jesus tinha mil e uma razão para nem sequer se
aproximar de um leproso, que pertencia a classe dos “irrecuperáveis” daquele
tempo, na ótica religiosa. A lepra era incurável e vista como consequência do
pecado e assim, o leproso era considerado um maldito, que além da dor física,
sofria também a dor moral da exclusão, sendo está bem mais dolorosa porque o
colocava à margem da salvação, banindo-o do convívio social e da comunidade,
além de saber que a sua condenação no pós- morte, era tida como certa e
definitiva.
Em uma sociedade marcada pelo
ateísmo moderno, onde a fé é subjetiva e Deus é perfeitamente dispensável, esse
quadro não é tão tenebroso, mas no contexto histórico e religioso daquele
tempo, esse desprezo tinha um peso muito maior, o leproso era tido como um
lixo, escória da sociedade, confinado em acampamentos fora da cidade, tendo que
mostrar a sua desgraça e miséria, mantendo uma aparência monstruosa, e quem se
aproximasse dele e o tocasse, estaria violando os preceitos da lei, tornando-se
também um impuro e tendo de isolar-se, até que pudesse oferecer um sacrifício
de expiação, como prescrevia a lei de Moisés, para só então ser reconhecido
como “purificado” novamente.
Podemos então compreender a
compaixão Divina como uma ação coordenada não por normas legalistas, mas por
uma lei nova, ensinada por Jesus: a Lei do amor, que não revoga a Lei antiga,
mas lhe dá plenitude resgatando o seu sentido verdadeiro, que é a defesa e a
preservação da vida humana. O evangelista Marcos faz questão de mostrar, da
parte de Jesus essa “quebra de protocolo”, quando permite que o leproso se
aproxime, é verdade que este o faz movido pelo desespero, infligindo também as
normas do Levítico, e aqui percebe-se que o leproso é um homem diferente, uma
vez que crê muito mais na misericórdia de Jesus do que no cumprimento da Lei,
determinada por uma instituição que não tem o poder da cura, mas apenas declara
que ele está “impuro”, ao contrário de Jesus, que permite a aproximação,
derrubando assim o preconceito.
Muito mais do que um simples
encontro de Jesus com um leproso, este versículo sintetiza de forma brilhante o
amor e a ternura de Deus pelo ser humano, permitindo uma reaproximação, após a
queda do pecado, é o Deus que se deixa tocar, que se encarna e assume a
natureza humana com toda sua miserabilidade, o leproso se prostra diante dele,
por uma razão muito simples: primeiro porque reconhece a sua insignificância e
em segundo,porque não vê outra saída para sua dor, senão a de recorrer aquele
que é diferente da instituição religiosa que o havia condenado, no fundo crê
que Jesus de Nazaré é o seu Salvador e libertador, no sentido de ter o poder de
resgatar a sua dignidade perdida, aquele leproso considerado um maldito, é na
verdade alguém que consegue vislumbrar o verdadeiro messianismo de Jesus, em
contradição com o Poder religioso, que o rejeita, mostrando uma fé madura, pois
não pede simplesmente a cura física, mas a “purificação”.
Diante de uma fé assim, tão fiel e
humilde, note-se que o leproso não impõe e nada exige e nem coloca a sua
vontade como fator determinante, mas abandona-se à vontade de Deus: “Senhor, se
queres...”.
Que comovedora profissão de fé, para o homem
arrogante e presunçoso de nossos tempos! Homem que a exemplo dos nossos
primeiros pais, ousa ocupar o lugar que é de Deus, marginalizando e excluindo
certas categorias sociais consideradas malditas, abandonadas em presídios de
sistemas carcerários, que em quase nada contribuem para a recuperação de quem
errou, de idosos, jovens, adolescentes e crianças, amontoados em asilos e
instituições de caridade, gente que não tem mais esperança de nada, e que há
muito tempo nem é mais contada na “aldeia global”, que só considera quem produz
e consome.
Podemos encontrar com esse leproso
no seio de nossas famílias e comunidades, onde isolamos certas pessoas em
“acampamentos”, consideradas pervertidas, geniosas, temperamentais,
desequilibradas, poderíamos incluir os aidéticos, efeminados, casais em segunda
união, dependentes químicos, prostitutas, mães solteiras, pessoas que, como
naquele tempo, sempre temos uma certa reserva, mantendo a necessária distância
por medo de sermos “contaminados”, e a sua presença em nosso meio, causa asco e
mal estar.
Como cristãos temos que ter essa
consciência do grave pecado da exclusão, e o evangelho nos mostra por onde
devemos começar, é bem verdade que Jesus afrontou as instituições do seu tempo,
mas em primeiro lugar, em sua relação com as pessoas, usou sempre da lei do
amor, deixando de lado normas de conduta e formalismos religiosos, ao tocar no
leproso. Poderíamos começar no nosso dia a dia, acolhendo com gestos cordiais,
amizade e carinho, os “leprosos” que muitas vezes excluímos, por conta de
preconceitos e até intolerância. (Diácono José da Cruz – Paróquia Nossa Senhora
Consolata – Votorantim SP – Email cruzsm@uol.com.br)
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