I DOMINGO DA QUARESMA 22/02/2015
1ª Leitura Gênesis 9, 8-15
Salmo 24/25.10 “Todos os caminhos
do Senhor são Graça e Fidelidade, para aqueles que guardam sua aliança e seus
preceitos”
2ª Leitura 1 Pedro 3, 18-22
Evangelho Marcos 1, 12-15
"No aconchego do deserto"
Neste primeiro domingo da quaresma,
Deus nos chama ao deserto com Jesus, para uma conversa de pé de ouvido, a
liturgia se reveste de roxo, que é a cor da paixão, não é tristeza, luto e
desconsolo, como muitos pensam, é como se Deus, o amado de nossa vida, quisesse
que ao longo de quarenta dias, prestássemos mais atenção nele, no seu jeito
diferente de nos amar, roxo seria isso: um olhar para dentro, enquanto se olha
para o céu, podendo evocar o poeta “De tudo ao meu amor serei atento...”,
quaresma é tempo de deixar-se remodelar, permitindo que Deus refaça a nossa
vida.
Quando presido o Sacramento do
matrimonio percebo que os casais têm dificuldade de se olhar nos olhos, na hora
do consentimento, e não é só com quem está casando que isso acontece, um amigo
confidenciou-me que sentiu um certo “desconforto” ao olhar nos olhos da esposa,
na renovação do matrimonio, em uma missa de encontro de casais. Olhar nos olhos
nos causa medo, porque é enigmático e misterioso, não se tem medo de olhar o
corpo, que se torna facilmente objeto de desejo, em uma sociedade tão erotizada,
mas quando se olha nos olhos, estamos diante da alma do outro, há comunhão de
corpo mas não há comunhão de alma. A relação entre namorados, noivos, e até
entre marido e mulher, fica na maioria das vezes banalizada, alguns conseguem
emigrar do erótico para o Eros, e há outros, que na graça de Deus, confiada
pelo Sacramento do matrimonio, conseguem chegar no Ágape, que é o amor em toda
sua plenitude, o Eros é o meio, e não o fim, é um caminho que tem de ser
percorrido do começo ao fim da vida conjugal e que só será obstruído pela
morte.
Nossa relação com Deus ás vezes
também é assim, um tanto quanto banal, pois temos medo de contemplar o seu
mistério. Na capela do Santíssimo, lugar sagrado em nossas comunidades, onde
Aquele que é o Amor Absoluto se esconde em um pedaço de pão, sentimo-nos
embaraçados e procuramos sempre dizer algo, fazer um pedido, recitar uma
fórmula de louvor e adoração, daí somos capazes de ficar horas ali falando ,
porque este “Falar” nos dá a ilusão de que penetramos no mistério de Deus e
podemos dominá-lo. Invertemos o jogo e queremos seduzir a Deus, diferente do
profeta, relutamos em ser por ele seduzidos e dominados.
Deserto é lugar teológico do
“namoro”, onde movidos pelo mesmo Espírito que conduziu Jesus, vamos ter nosso
encontro pessoal com Deus, o esposo apaixonado que quer olhar nos nossos olhos,
sussurrar em nossos ouvidos e nos envolver com a sua ternura, para sentirmos de
novo o encanto do primeiro amor, como na visão do profeta Oséias “Eis que eu
mesmo a seduzirei e a conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração”.
Deserto é lugar de fazer a experiência da esposa jovem, que manifesta a sua
alegria ao colocar toda sua confiança no amado, e descobrir, como no Cântico dos
cânticos, que somente Deus é a sua Segurança – “Quem é esta que sobe do deserto
apoiada em seu Amado?”
É o Povo da antiga aliança, é o
povo da nova aliança, é a Santa Igreja, somos eu e você, a razão do amor
divino, que nos trouxe, com a encarnação de Jesus, a possibilidade real de
experimentarmos em nossa vida a salvação. Deserto é, portanto lugar do encontro
onde o amor se revela, é a mesma experiência do povo do Êxodo, que se repete em
Jesus Cristo, porém, ao contrário do povo da antiga aliança, não mais se
deixará enganar pela tentação, propostas sedutoras dos amantes, para fazê-lo
perder o paraíso de delícias, onde o homem convivia com os animais selvagens,
servido pelos anjos de Deus, evocando a proteção Divina do Eterno Amado sob o
objeto do seu amor.
Revistamo-nos do roxo da paixão e
não da tristeza, quaresma é dar um tempo para aquelas coisas que em nossa vida
são secundárias, para nos ocuparmos com um Deus apaixonado, que suspira quando
vamos ao seu encontro enquanto Igreja, na dimensão celebrativa. Quaresma é
quarenta dias de amor, como um casal que retoma a lua de mel, após longa
caminhada na vida conjugal, foi no deserto que Deus celebrou a aliança com seu
povo, estabelecendo com ele uma relação única, “Eu serei o seu Deus e vós
sereis o meu povo”, evocando o cerne da união conjugal – e os dois serão uma só
carne.
É esse amor que salvará o mundo,
verdade ignorada pelos que prenderam João Batista tentando sufocar um Amor que
não se deixa aprisionar, e em Jesus irrompe ainda mais forte, no meio da
humanidade, para levar o homem de volta ao paraíso! Nada irá deter a força
desse amor, nem a miséria dos homens ou os pecados da igreja, o AMOR triunfará
definitivamente! Pois o tempo se completou, o Reino está próximo. Converter e
crer no evangelho, é uma forma contínua de corresponder a esse amor misterioso
de Deus que em Jesus busca a todos os homens, sem distinção ou acepção de
qualquer pessoa. Converter-se é dar um solene “basta” aos falsos amores de
“amantes” mentirosos, que nos enganam, oferecendo-nos um falso paraíso,
arrastando-nos à tristeza da morte do pecado, deixando-nos longe...bem longe
Daquele que é o nosso único e verdadeiro Amor...(Diácono José da CRUZ –
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim SP – Emailcruzsm@uol.com,.br) )
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