2 de Março de
2015
No imenso tesouro do Evangelho, a misericórdia é
como uma gema preciosa: sólida e delicada ao mesmo tempo; verdadeira e
transparente na sua simplicidade; brilhante pela vida e alegria que difunde.
Compaixão, solidariedade, ternura e perdão são como seus ângulos de polimento,
por onde se reflete – em raios coloridos e acessíveis – o amor regenerador de
Deus.
Para
mim neste tempo da Quaresma, a misericórdia de Deus se traduz em resgate, cura,
abrigo, libertação, sustento, proteção, acolhida, generosidade e salvação – tão
marcantes na caminhada do Povo de Deus. No decorrer dos séculos, a comunidade
cristã tem atualizado esta experiência em novos contextos, lugares e
relacionamentos. A liturgia a celebra; a prece a invoca; a pregação a proclama;
os místicos a enfatizam; o magistério a propõe; as obras a cumprem.
Antiga
e sempre nova, a misericórdia de Deus se pode entender em outras palavras sob
três pontos: bem-aventurança, profecia e terapia. Como bem-aventurança, a
misericórdia aproxima o Reino de Deus das pessoas, e as pessoas do Reino de
Deus. É prática que dignifica o ser humano: tanto quem a dá, quanto quem a
recebe. Está repleta de gratuidade e alegria, como disse Jesus: “Felizes os
misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). As obras de
misericórdia são também profecias da justiça do Reino, que supera toda
fronteira de raça, credo ou ideologia: diante da humanidade ferida e carente,
somos servidores da vida e da esperança, dentro e fora da Igreja, para crentes
e não-crentes, afim de que “todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10).
Jesus
nos indicou o exemplo do bom samaritano para mostrar a todos que a misericórdia
não aceita fronteiras! Enfim, a misericórdia é também terapia: compaixão que
restaura, toque que regenera e cuidado que aquece. As obras de misericórdia têm
eficácia curadora: socorrem nossa humanidade ferida pelo pecado e pelo desamor,
restaurando em nós a imagem do Cristo glorioso, para que suas feições
resplandeçam na nossa face, na face da Igreja, na face de toda a humanidade
redimida.
Se a
compaixão é um sentir que nos comove na direção do próximo, a misericórdia se
caracteriza como gesto que realiza este sentir solidário. Na compaixão temos um
sentimento que mobiliza; na misericórdia temos o exercício deste sentimento.
Daí os verbos: cumprir, mostrar, fazer e agir – que expressam a eficácia do
amor misericordioso humano e, sobretudo, divino (cf. Êx 20,6; Sl 85,8; Lc 1,72
e 10,37). A misericórdia tem caráter operativo: é amor em exercício de
salvação. Se o amor é a qualidade essencial de Deus; a misericórdia é este
mesmo amor exercitado para com a criatura humana, revelando a qualidade ativa
de Deus. Assim, a misericórdia se mostra muito mais na experiência do dia a
dia, do que na conceituação teológica, catequética ou espiritual. E ainda que
tal experiência se revista de beleza, o lar da misericórdia não é o discurso e
nem explicações. Porque as crianças abandonadas, os andarilhos e os excluídos
da sociedade não comem explicações. O lar da misericórdia é a solidariedade.
Seu órgão vital é o coração e as mãos: erguem o caído, curam o ferido, abraçam
o peregrino, alimentam o faminto.
A
misericórdia que Deus exige de ti e de mim não é outra senão a evangélica, que
consiste em 14 obras: 7 corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a
quem tem sede, acolher o forasteiro, vestir quem está nu, visitar os doentes e
assistir aos prisioneiros e sepultar dignamente os mortos. Sete obras,
centradas na exortação “cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (25,40). E 7 espirituais: dar bom conselho a quem
necessita, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos,
perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rogar a
Deus pelos vivos e mortos.
Obras
de misericórdia corporais: dar de comer ao faminto, dar de beber ao sedento,
vestir os maltrapilhos, abrigar os peregrinos, cuidar dos enfermos, visitar os
encarcerados,
Meu
irmão, minha irmã, em Emaús e à beira do lago da Galiléia, Jesus toma o pão,
abençoa e reparte: os discípulos o reconhecem, por causa de seu tato
característico (Lc 24,30; Jo 21,12-13). Que gestos tens feito para que as
pessoas te reconheçam como discípulo de Jesus? Saiba que os gestos alimentam,
curam e restauram! Eles são toques da misericórdia de Deus.
O
nosso mandato é a prática da misericórdia para com o irmão: “Vai e faze o
mesmo!”
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