24/06/2015
Solenidade de S.
João Baptista - Ano B
SOLENIDADE DE S. JOÃO BAPTISTA
Tema
da Solenidade de S. João Baptista
Nesta
solenidade, a Palavra de Deus apresenta-nos a figura profética de João
Baptista. Escolhido por Deus para ser profeta, ainda antes de nascer, ele é um
“dom de Deus” ao seu Povo. Sublinhando a importância de João na história da
salvação, a liturgia não deixa, contudo, de mostrar que João não é “a
salvação”; ele veio, apenas, dirigir o olhar dos homens para Cristo e preparar
o coração dos homens para acolher “a salvação” que estava para chegar.
A primeira leitura apresenta-nos
uma misteriosa figura profética, eleita por Deus desde o seio materno, a fim de
ser a “luz das nações” e levar a Palavra ao coração e à vida de todos os
homens. Impressiona especialmente a centralidade que Deus assume na vida do
profeta: toda a missão profética brota de Deus e sustenta-se de Deus.
Na segunda leitura, Paulo fala aos judeus
de Antioquia do profeta João. Na perspectiva de Paulo, a missão de João
consistiu em convidar os homens a uma mudança de vida e de mentalidade, numa
espécie de primeiro passo para acolher o “Reino” que Jesus veio, depois,
propor. Paulo deixa claro que João não é o Messias libertador, mas sim aquele
que vem preparar o coração dos homens para acolher o Messias.
O Evangelho relata o nascimento de
João. Na perspectiva de Lucas, os acontecimentos ligados ao seu nascimento
mostram como o profeta João é um “dom de Deus”. Começa, nessa altura, a
tornar-se claro para todos que Deus está por detrás da existência de João, e
que a sua missão é ser um sinal de Deus no meio dos homens.
LEITURA
I – Is 49,1-6
Leitura do Livro de
Isaías
Terras
de Além-Mar, escutai-me;
povos
de longe, prestai atenção.
O
Senhor chamou-me desde o ventre materno,
disse
o meu nome desde o seio de minha mãe.
Fez
da minha boca uma espada afiada,
abrigou-me
à sombra da sua mão.
Tornou-me
semelhante a uma seta aguçada,
guardou-me
na sua aljava.
E
disse-me:
«Tu
és o meu servo, Israel,
por
quem manifestarei a minha glória».
E
eu dizia:
«Cansei-me
inutilmente, em vão
e
por nada gastei as minhas forças».
Mas
o meu direito está no Senhor
e
a minha recompensa está no meu Deus.
E
agora o Senhor falou-me,
Ele
que me formou desde o seio materno,
para
fazer de mim o seu servo,
a
fim de Lhe restaurar as tribos de Jacob
e
reconduzir os sobreviventes de Israel.
Eu
tenho merecimento aos olhos do Senhor
e
Deus é a minha força.
Ele
disse-me então:
«Não
basta que sejas meu servo,
para
restaurares as tribos de Jacob
e
reconduzires os sobreviventes de Israel.
Farei
de ti a luz das nações,
para
que a minha salvação
chegue
até aos confins da terra».
AMBIENTE
No
livro do Deutero-Isaías (um profeta que exerce o seu ministério na fase final
do exílio, em meados do séc. VI a.C.), encontramos quatro poemas de autor
desconhecido, que nos apresentam uma misteriosa figura de um “servo” de Jahwéh.
Trata-se de uma figura não identificada, que pode ser uma figura individual (como
Jeremias, ou o próprio Deutero-Isaías) ou uma figura colectiva (representando,
por exemplo, todos os profetas enviados por Deus ao seu Povo, ou o próprio Povo
de Deus). De qualquer forma, os textos apresentam esta misteriosa figura
profética como alguém a quem Deus chamou a testemunhar a Palavra. A missão
desse “servo” tem carácter universal e realiza-se no sofrimento e no abandono à
Palavra e aos projectos de Deus; mas o sofrimento desse “servo” não é em vão, e
tem um significado expiatório e redentor. Do sofrimento que acompanha a missão
do “servo”, resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício
do “servo”, recompensá-lo-á pela doação da vida, elevá-lo-á à vista de todos e
fá-lo-á triunfar diante dos seus detractores e adversários. Embora se discuta a
delimitação exacta dos quatro cânticos do “servo de Jahwéh”, podemos aceitar
que os textos em questão são Is 42,1-9, 49,1-13, 50,4-11 e 52,13-53,12.
O
texto que hoje nos é proposto é parte do segundo cântico do “servo de Jahwéh”.
É, portanto, essa figura misteriosa de “servo” de Deus, chamado à missão
profética que aqui nos é apresentada.
MENSAGEM
O
nosso texto apresenta-nos o relato da vocação do “servo de Jahwéh”. Como
acontece noutros relatos de vocação, o “servo” manifesta a convicção de que foi
chamado por Deus desde “o seio materno” (vers. 1). Dessa forma, sugere-se que a
vocação profética só pode ser entendida à luz da iniciativa divina que, desde o
início da existência, “agarra” o homem e o destina para uma missão no mundo. A
missão profética não é, portanto, uma iniciativa do homem ou o resultado dos
méritos do homem, mas é algo que tem origem em Deus e que só se entende e faz
sentido à luz de Deus. Esta certeza é o ponto de partida de toda a acção
profética.
A
missão a que o profeta é chamado por Deus tem a ver com a Palavra (vers. 2). O
profeta é o homem a quem Deus elegeu, a fim de que a sua Palavra chegue aos
outros homens; através dele, Deus dirige-nos as suas propostas e propõe aos
homens um caminho que os leva a viver em relação com Deus. Essa Palavra de Deus
que sai da boca do profeta não é palavra humana, mas Palavra de Deus; é por
isso que o profeta diz que Deus tornou a sua boca como “uma espada afiada”, ou
uma “uma seta penetrante”. É possível que as imagens utilizadas aludam à força
da Palavra de Deus, que penetra nos corações e que não pode ser detida.
Na
concretização da missão, o profeta experimentou a perseguição, a incompreensão,
o fracasso (“foi em vão que me fatiguei, inutilmente gastei as minhas forças” –
vers. 4ab). Significa isso que o profeta “andou a perder tempo” e que lamenta o
seu empenhamento? Não; ele está consciente de que não perdeu nada, porque Deus
não deixou de o proteger e de lhe dar a paga merecida (“o meu direito está nas
mãos do Senhor, a minha recompensa está depositada no meu Deus” – vers. 4cd).
Repare-se como o que é decisivo para o profeta é o ter cumprido, com
fidelidade, a missão que Deus lhe confiou e a consciência de que Deus não o
abandonou: se o profeta age em nome de Deus e tem o apoio de Deus, tudo o resto
é secundário.
Qual
foi a missão que foi confiada ao profeta? Fundamentalmente, reconduzir Jacob a
Jahwéh, reunir Israel a Deus (vers. 5). Provavelmente, faz-se aqui alusão à
missão confiada aos vários profetas que Deus enviou ao seu Povo, que procuraram
– às vezes inutilmente – reconduzir o Povo de Deus à órbita da aliança.
No
entanto, a missão alarga-se e universaliza-se (vers. 6), agora que Israel se
movimenta num cenário internacional (nesta fase, o Povo de Deus está exilado
numa terra estrangeira). O que Deus vai realizar em favor de Israel será um
acontecimento universal, visível para todas as nações. Da acção salvadora de
Deus, brotará uma luz que iluminará todos os povos, que os fará descobrir Deus
e aderir a Jahwéh.
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão, considerar os seguintes elementos:
¨ A ideia
fundamental que brota deste texto é a certeza de que é Deus quem está por
detrás de toda a experiência profética… É Deus quem elege o profeta e quem lhe
destina uma missão, desde o seio materno; é Deus quem coloca a sua Palavra na
boca do profeta; é Deus quem protege o profeta e quem o recompensa… Seria
impensável falarmos em profecia, sem falarmos de Deus. Tenho consciência desta
centralidade de Deus na minha vida?
¨ A
profecia não é uma realidade reservada a pessoas especiais, mas é uma missão
que brota do meu compromisso baptismal. Tenho consciência de que sou chamado a
ser profeta – isto é, de que sou chamado a ser Palavra viva de Deus?
¨ Apesar
do sofrimento, das perseguições, dos fracassos, a missão do profeta é ser “luz
das nações”, para que a salvação de Deus “chegue aos confins da terra”. O meu
programa de vida é, verdadeiramente, ser uma luz que ilumina o mundo e que dá
esperança aos homens? Os pobres, os marginalizados, os excluídos, os humildes,
os explorados, os injustiçados encontram em mim o testemunho da salvação de
Deus que os liberta e que os salva?
¨ Para que
a Palavra proclamada seja Palavra de Deus, é necessário que eu viva uma relação
de comunhão e de intimidade com Deus: só nesse diálogo serei impregnado da vida
de Deus, me aperceberei dos projectos de Deus e poderei anunciá-los aos homens.
Vivo nesta relação próxima, dialogante, com Deus? Aquilo que transmito e
proclamo são Palavras de Deus, ou são as minhas palavras, os meus esquemas, os
meus interesses pessoais?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 138
Refrão: Eu Vos dou graças, Senhor,
porque maravilhosamente me criastes.
Senhor,
Vós conheceis o íntimo do meu ser:
sabeis
quando me sento e quando me levanto.
De
longe penetrais o meu pensamento:
Vós
me vedes quando caminho e quando descanso,
Vós
observais todos os meus passos.
Vós
formastes as entranhas do meu corpo
e
me criastes no seio de minha mãe.
Eu
Vos dou graças
por
me terdes feito tão maravilhosamente:
admiráveis
são as vossas obras.
Vós
conhecíeis já a minha alma
e
nada do meu ser Vos era oculto,
quando
secretamente era formado,
modelado
nas profundidades da terra.
LEITURA
II – Actos 13,22-26
Leitura dos Actos dos
Apóstolos
Naqueles
dias,
Paulo
falou deste modo:
«Deus
concedeu aos filhos de Israel David como rei,
de
quem deu este testemunho:
‘Encontrei
David, filho de Jessé,
homem
segundo o meu coração,
que
fará sempre a minha vontade’.
Da
sua descendência, como prometera,
Deus
fez nascer Jesus, o Salvador de Israel.
João
tinha proclamado, antes da sua vinda,
um
baptismo de penitência a todo o povo de Israel.
Prestes
a terminar a sua carreira, João dizia:
‘Eu
não sou quem julgais;
mas
depois de mim, vai chegar Alguém,
a
quem eu não sou digno
de
desatar as sandálias dos seus pés’.
Irmãos,
descendentes de Abraão
e
todos vós que temeis a Deus:
a
nós é que foi dirigida esta palavra de salvação».
AMBIENTE
No
ano 46, Paulo e Barnabé deixaram a comunidade cristã de Antioquia da Síria e
partiram por mar para anunciar Jesus no mundo helénico. Depois de terem passado
em Chipre, desembarcaram em Perge, na costa meridional da Ásia Menor. Depois,
dirigiram-se por terra para as cidades do interior e chegaram a Antioquia da
Pisídia. Num sábado, “entraram na sinagoga da cidade” (Act 13,14), a fim de
participar na liturgia sinagogal. Convidado a falar, pelos chefes da sinagoga,
Paulo aproveitou para anunciar Jesus à comunidade judaica aí reunida (cf. Act
13,16-41). O texto que nos é proposto como segunda leitura é um pequeno excerto
do discurso que, nesse contexto, Paulo pronunciou.
Trata-se
do primeiro discurso posto por Lucas na boca de Paulo; contém alguns dos temas
que estarão presentes de agora em diante, na sua pregação aos pagãos.
MENSAGEM
O
discurso posto por Lucas na boca de Paulo consta, sobretudo, de reflexões sobre
o Antigo Testamento. Faz uma rápida síntese da “história da salvação”,
indicando alguns dos seus fios condutores, para mostrar que tudo converge para
Jesus e que tudo culmina em Jesus.
É
neste contexto que nos aparece a referência a João Baptista. Ele é apresentado
como aquele que veio preparar a vinda de Jesus, propondo um baptismo de
conversão (a expressão grega “baptisma metanoías” faz alusão a uma
transformação radical das mentalidades, a fim de que a proposta do “Reino”
trazida por Jesus possa encontrar acolhimento no coração e na vida de todos os
homens) a todo o povo de Israel (vers. 24). João Baptista não é o Messias
esperado, mas o profeta que anuncia aquele que virá a seguir e ao qual o
próprio João não se sente sequer digno de “desatar as sandálias” (vers. 25). A
expressão denuncia essa consciência que o profeta tem de ser apenas um simples
e frágil instrumento de Deus.
Repare-se,
ainda, como João se esforça por não apontar para si mesmo, mas para Cristo. A
missão do profeta não é dirigir o olhar do mundo na sua própria direcção, mas
sim o orientar o coração dos homens para o essencial, para Deus.
ACTUALIZAÇÃO
A
reflexão do texto pode fazer-se a partir das seguintes indicações:
¨ O
profeta é alguém chamado a testemunhar Deus no meio dos homens, mesmo quando os
homens preferem ignorar Deus e edificar a sua vida à margem de Deus. João
Baptista, o profeta, assumiu plenamente a missão de testemunhar Deus: convocou
os homens para o encontro com o Deus incarnado, convidou os homens a despirem o
egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, a violência, a ganância, e a preparar o
coração para acolher a proposta de salvação que Deus veio fazer, em Jesus. Este
programa não perdeu actualidade: o apelo à conversão, à revolução das
mentalidades e das atitudes e o convite a acolher a libertação que Deus nos
oferece continuam a fazer sentido e a ser o núcleo essencial do anúncio profético.
É este o meu programa?
¨ O
profeta é um instrumento simples, limitado e frágil, através de quem Deus age
no mundo. Isto revela, por um lado, que Deus se manifesta na simplicidade e na
fraqueza e que é aí que devemos procurá-l’O (Ele nunca está no poder, na
riqueza, na força, na prepotência, na imposição); isto revela, por outro lado,
que o profeta não tem de que se orgulhar ou envaidecer: não são as suas
qualidades que são determinantes, mas sim a acção de Deus.
¨ O
“caminho profético” não passa por concentrar em si próprio a atenção das
multidões, exibir-se e receber a adoração das pessoas, ser admirado e aclamado,
conseguir sucesso e aparecer nas revistas sociais, promover a imagem e tratar
por tu os que mandam no mundo, exibir brilhantes qualidades e criar clubes de
fãs. O profeta é o “servo” de Deus, que se esconde atrás do cenário enquanto
aponta os focos para Deus e cuja função é fazer incidir em Deus os olhos dos
homens… Não é o profeta que deve aparecer; mas, nele, é Deus que os homens
devem encontrar.
ALELUIA
– cf Lc 1,76
Aleluia. Aleluia.
Tu,
menino, serás chamado profeta do Altíssimo,
irás
à frente do Senhor a preparar os seus caminhos.
EVANGELHO
– Lc 1,57-66.80
Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele
tempo,
chegou
a altura de Isabel ser mãe e deu à luz um filho.
Os
seus vizinhos e parentes souberam
que
o Senhor lhe tinha feito tão grande benefício
e
congratularam-se com ela.
Oito
dias depois,
vieram
circuncidar o menino
e
deram-lhe o nome do pai, Zacarias.
Mas
a mãe interveio e disse:
«Não,
Ele vai chamar-se João».
Disseram-lhe:
«Não
há ninguém da tua família que tenha esse nome».
Perguntaram
então ao pai, por meio de sinais,
como
queria que o menino se chamasse.
O
pai pediu uma tábua e escreveu:
«O
seu nome é João».
Todos
ficaram admirados.
Imediatamente
se lhe abriu a boca
e
se lhe soltou a língua e começou a falar,
bendizendo
a Deus.
Todos
os vizinhos se encheram de temor
e
por toda a região montanhosa da Judeia
se
divulgaram estes factos.
Quantos
os ouviam contar
guardavam-nos
em seu coração e diziam:
«Quem
virá a ser este menino?»
Na
verdade, a mão do Senhor estava com ele.
O
menino ia crescendo
e
o seu espírito fortalecia-se.
E
foi habitar no deserto
até
ao dia em que se manifestou a Israel.
AMBIENTE
O
“Evangelho da Infância”, na versão de Lucas, põe em paralelo as figuras de João
e de Jesus (ao anúncio do nascimento de João – cf. Lc 1,5-25 – corresponde o
anúncio do nascimento de Jesus – cf. Lc 1,26-38; à história do nascimento de
João – cf. Lc 1,57-80 – corresponde a história do nascimento de Jesus – cf. Lc
2,1-21). Este paralelismo serve para iluminar a relação existente entre os dois
– uma relação que a reflexão eclesial foi aprofundando e ampliando desde as
tradições mais antigas.
Na
época em que Lucas escreve, as comunidades cristãs conhecem os discípulos de
João, cuja actividade proselitista chegou à Ásia Menor (cf. Act 18,24-19,7).
Provavelmente, havia quem confundia João com o Messias… Neste contexto, a
comunidade lucana quis deixar claro o papel relevante de João na economia da
salvação mas, ao mesmo tempo, afirmar a subordinação de João a Jesus… A
superioridade de Jesus em relação a João está, aliás, bem patente na diferença
entre o relato do anúncio do nascimento de João e o relato do anúncio do
nascimento de Jesus; está também patente no encontro de Maria com Isabel, em
que a própria mãe de João proclama Maria como a mãe do seu Senhor, reconhecendo
a inferioridade do seu filho em relação a Jesus (cf. Lc 1,39-45); está, ainda,
patente no relevo dado pelo evangelista ao relato do nascimento de Jesus (que é
longo, rico de pormenores e está carregado de teologia) em detrimento do relato
do nascimento de João (que é contado em poucas linhas, sem grande riqueza de
detalhes).
MENSAGEM
O
relato começa com a descrição do quadro de alegria que acolheu o nascimento do
filho de Zacarias e de Isabel (vers. 57-58). A alegria – um dos elementos característicos
da teologia de Lucas – significa que chegaram os tempos novos, os tempos do
cumprimento das promessas de Deus, o tempo da misericórdia de Deus.
Por
alturas da circuncisão (no oitavo dia depois do nascimento, data legal da
circuncisão, segundo Gn 17,12 e Lv 12,3), põe-se a questão do nome que irá ser
dado ao menino (no Antigo Testamento, o nome é dado à nascença – cf. Gn 4,1;
21,3; 25,25-26; mas aqui aparece o costume helenista, assumido pelo judaísmo
mais recente). Os vizinhos e parentes dão como adquirido que o menino se
chamará como o pai. No entanto, Isabel e Zacarias escolhem um outro nome: João
(sugerido pelo anjo, aquando do anúncio do nascimento do menino – cf. Lc 1,13).
O nome significa literalmente “o Senhor concede graça”: o menino é um “dom de
Deus” e o primeiro sinal da graça que Deus vai derramar sobre os homens,
através do Messias que está para chegar. Por outro lado, o acordo da mãe e do
pai sobre um nome que não era familiar aparece como divinamente inspirado.
Diante
do nascimento de João, Lucas nota o espanto e o temor de todos os presentes. O
espanto (vers. 63) é a reacção habitual das multidões diante dos milagres (cf.
Lc 8,25.56; 9,43; 11,14; Act 3,10) e de outras manifestações divinas (cf. Lc
24,12.41; Act 2,7); o “temor” (vers. 65) define a atitude normal do homem
diante do mistério, do transcendente, do divino (Lucas fará referência ao
“temor” diante das revelações – cf. Lc 2,9; 9,34 – dos milagres – cf. Lc 5,26;
7,16; 8,25.37; 24,5.37 – e de outras intervenções divinas – cf. Act 5,5.11;
19,17).
O
quadro completa-se com a indicação de que, “de facto, a mão do Senhor estava
com ele” (vers. 66). A expressão inspira-se no Antigo Testamento, onde serve
para exprimir a protecção de Deus sobre os seus fiéis (cf. Sal 80,18; 139,5) e
a sua acção sobre os profetas (cf. 1 Re 18,46; 2 Re 3,15; Ez 1,3; 3,14.22;
8,1). Aqui, significa que João tem a protecção de Deus e que Deus age nele.
Tudo isto define um quadro de intervenção e de presença de Deus, mostrando que
toda a existência de João se compreende à luz da iniciativa divina.
No
final da leitura (vers. 80a), apresenta-se uma fórmula usada para resumir a
infância de certas figuras que desempenharam papéis de referência na história
do Povo de Deus (Sansão – cf. Jz 13,24-25; Samuel – cf. 1 Sm 2,26). Há também
uma referência à ida de João para o deserto (vers. 80b); deserto é o lugar onde
Israel fez a sua experiência de encontro com o Deus libertador, onde sentiu de
forma especial o amor de Deus e onde o Povo assumiu o compromisso da aliança: é
essa experiência que João vai fazer, para depois a apresentar ao seu Povo. Além
disso, a referência ao deserto prepara a próxima aparição de João no Evangelho,
cerca de trinta anos depois (cf. Lc 3,1-3).
No
relato transparece, de forma especial, a centralidade de Deus em todo o
processo. João é um “dom de Deus”, vem com uma missão de Deus e é um sinal da
presença de Deus no meio do seu Povo.
ACTUALIZAÇÃO
Para
a reflexão, considerar as seguintes linhas:
¨ A
história de João fala-nos, em primeiro lugar, de um Deus que ama os homens e
que tem para lhes oferecer um projecto de salvação e de vida plena; é por isso
que Ele inventa formas humanas de vir ao encontro dos homens, de lhes fazer
chegar a sua Palavra e as suas propostas, de os questionar e interpelar com a
Palavra profética… Ao celebrar esta solenidade, estamos a celebrar o Deus/amor,
que se revela na figura do profeta João. Eu tenho sido sempre, para os meus
irmãos, um “dom de Deus”, um sinal vivo e profético do Deus que os ama e que
lhes oferece a salvação? Os “vizinhos e parentes” encontram em mim a
manifestação de Deus?
¨ No
relato do nascimento de João, transparece a centralidade de Deus na vida do
profeta, desde o seio materno. O profeta é um homem de Deus, cuja vida tem
origem em Deus, cuja vocação só faz sentido à luz de Deus, cujo alimento é o
próprio Deus, cujas palavras são palavras de Deus. Tenho consciência de que
Deus tem de estar no centro da minha vida e que a minha vocação profética só
faz sentido se eu aceitar viver numa ligação “umbilical” com Deus?
¨ Embora
os textos de hoje não refiram essa dimensão, convém, nesta solenidade,
reflectir acerca da forma como João Baptista viveu a sua missão profética. São
particularmente questionantes o seu despojamento, a sua radicalidade, a sua
entrega total à missão, a coragem com que ele enfrentou os poderosos, a sua
capacidade de dar a vida para defender a verdade. Estas características fazem
parte do “caminho profético”.
¨ No
relato de Lucas, fica bem expressa a diferença entre João e Jesus… João não é a
salvação; ele veio, apenas, dar testemunho da chegada iminente da salvação. O
profeta precisa de ter consciência do seu papel e do seu lugar: ele não é “a
luz”; a sua missão não é levar os homens a aderir à sua pessoa, mas à pessoa de
Jesus. O profeta deve ter cuidado para não usurpar, nunca, o lugar de Deus.
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE S. JOÃO BAPTISTA
(em parte adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA
AO LONGO DA SEMANA.
Ao
longo dos dias da semana anterior à Solenidade de S. João Baptista, procurar meditar
a Palavra de Deus desta Solenidade. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada
dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. ABERTURA DA
CELEBRAÇÃO.
Para
participar na Eucaristia e dizer “presente” à convocação do Senhor, pode-se, no
início da celebração convidar os membros da assembleia a saudar quem está ao
lado, dizendo o próprio nome. Além disso, o Evangelho proporciona-se a que seja
dialogado…
3. BILHETE DE EVANGELHO.
Zacarias
tinha posto em dúvida a palavra do mensageiro de Deus; esta dúvida tornou-o
mudo. Porque não acolheu a mensagem de Deus, não podia anunciar qualquer
mensagem. Ora, eis que Isabel, sua esposa, dá ao mundo um filho a quem dá o
nome de João, mas cabe ao pai dar um nome ao seu filho. Zacarias, animado pelo
Espírito de Deus, não opôs qualquer resistência, escreve o nome de João. Então,
porque fez a vontade de Deus, torna-se um homem livre, livre de falar, livre de
bendizer a Deus. Seríamos tentados a dizer: desde os seus oito dias, pela sua
presença, aquele que será o último profeta da Antiga Aliança e o primeiro a
mostrar o Messias, oferece a Deus a ocasião de manifestar a sua obra criadora e
libertadora. A mão do Senhor estava com ele. Então, compreende-se a
interrogação da multidão: «Quem virá a ser este menino?» A resposta será dada
trinta anos mais tarde: ele será o percursor, aquele que precede o Messias que
deve vir.
4. À ESCUTA DA PALAVRA.
«Quem
virá a ser este menino?» João Baptista será o único ser humano, com a Virgem
Maria e Jesus, naturalmente, de quem a Igreja celebra o nascimento terrestre.
Para todos os outros santos, ela faz memória do seu “nascimento para o céu”,
isto é, da sua morte. Porquê um tal privilégio para o Baptista? Porque recebeu
o Espírito Santo desde o seu nascimento, quando Maria, a “cheia de graça”, veio
visitar a sua prima Isabel. Ele é o maior dos profetas de Israel, porque
reconheceu e designou o Messias. Isso aconteceu em toda a sua vida. Até ao fim,
permanecerá fiel à sua missão de porta-voz de Deus e a sua morte será
miserável. Poderia ser tentado a tomar-se por Messias. Aceitando a sua missão,
João Baptista nada reivindicou para si. Viveu numa total humildade, sabendo
fazer a verdade sobre si mesmo. Pôde, então, viver no amor que tem a sua fonte
em Deus. Amigo do esposo, de Jesus, reconheceu que Jesus era maior do que ele.
Tornou-se, assim, para nós, um exemplo na nossa caminhada de seguimento de
Jesus, para que deixemos, nós também, Jesus crescer em nós. Que isso seja
também a nossa alegria.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se
rezar a Oração Eucarística II para as Assembleias com Crianças, que permite
recordar todo o amor do Pai e responder-lhe.
6. PALAVRA PARA O CAMINHO…
“Quem
será esta criança?” Cada um é único… Cada recém-nascido é uma nova criatura de
Deus… Cada um recebe de Deus uma missão… Pensámos nisso no momento de um
nascimento? A liturgia deste dia recorda-nos que cada um é escolhido por Deus
para a missão que lhe é confiada. Digamos-lhe qual é a nossa e procuremos fazer
o ponto da situação, no plano espiritual, para um recomeçar de novo…
UNIDOS
PELA PALAVRA DE DEUS
Proposta
para
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Comunidades Dehonianas
Grupo Dinamizador:
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Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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