Comentários Prof.Fernando* (4ºpós-Pentec=12ºtempo
“Comum”)
– 21 de
junho de 2015
Nós , mercadejando pelo mar
Os que vão em navios comerciar nas
grandes águas,
(abalados por grandes ondas, corações
cheios de pavor)
gritaram na aflição e ele os libertou
da angústia (do salmo107)
Correção: Domingo
passado,
em vez de “2º/10º” leia-se “3ºpós-Pentecostes
ou 11º Comum”.
Uma voz no meio da Tempestade
·
O livro de Jó é, como num teatro é um drama excepcional, capaz de superar a
genialidade de um Shakespeare ou grandes autores da dramaturgia, ao tratar do mistério
do mal e do sofrimento do inocente na perspectiva bíblica. Na leitura de hoje (cap38)
o angustiado personagem de Jó reconhece que a humana inteligência não pode
compreender tudo, e que, mesmo sem entender os males da vida, é possível crer
que Deus é maior do que tudo (maior também que as forças cegas da natureza –
que, no mundo antigo, era vista em geral como povoada de deuses). Jó será
elogiado (ao final, cf.40,7) pelo próprio interlocutor divino, ao repreender os
“amigos” de Jó: disse a Elifaz: estou
irritado contra ti e contra teus amigos, porque não falaste corretamente de
mim, como Jó, meu servidor.
·
O texto do
evangelista Marcos, cap.4s fala
também de tempestades. Surgiu uma grande tormenta e ondas invadiam o barco. Jesus na popa dormia
sobre um travesseiro. Acordaram-no dizendo: “Mestre, não te importa que
pereçamos?” Despertando, ele repreendeu o vento, dizendo ao mar: “Silêncio!
Cala-te!”. O vento cessou e seguiu-se grande bonança. Disse: “Por que estais
cheios de medo? Ainda estais sem a confiança (própria) da Fé?”
Poder e domínio
·
Uma certa mentalidade prevaleceu desde a pré-história (e até a
Modernidade na cultura ocidental, ou seja, o período iniciado em 1450 se
considerarmos a invenção da imprensa o marco fundamental seguido por “grandes
Navegações”, “Revolução Industrial” e “Revolução Francesa”). Essa forma de
pensar durou milênios e não apenas no Ocidente e levava os humanos ao reconhecimento
do “Sagrado” a partir de suas relações com a Natureza. Nela se identificava um
fascinante mundo de manifestações divinas. Por isso, com ritos mágicos e
religiosos, o homem tentava superar fenômenos indomáveis como as secas, as enchentes,
os terremotos e furacões.
·
O homem “moderno”, entretanto, chegou a enorme domínio das forças
naturais, aumentando-o sempre com a tecnologia que brota da Ciência atual. Com
frequência se acha “livre” do antigo “medo” que considera provocado pelas
religiões. Em cada contexto desenha-se uma “imagem” a respeito de Deus. A crença
exclusiva no progresso – reduzido à mera exploração de recursos naturais – parece
estar levando a novos impasses (um dos temas da recente encíclica divulgada
pelo papa Francisco). Por outro lado, a tendência predominante em nossa cultura
é procurar explicações “científicas” para os desastres naturais. Isso é correto
mas isso não é a substituição dos antigos “sacrifícios” que visavam aplacar a
“ira” dos deuses. Isso ajuda a purificar a “imagem” – certamente infantil ou
primitiva de Deus, de modo que procuremos sua transcendência para além de mero
fundamento da natureza, na qual se julga poder “encontrar” as pegadas do
Criador.
Como em Emaús, em toda a Bíblia Deus caminha ao
lado
·
Dentro do próprio conjuntos de livros (nas 3 partes da Bíblia hebraica: Torah, Nebi’im we Ketubim:
Pentateuco, Profetas e Escritos) a “experiência” com o Deus do Êxodo é decisiva para
a fé, sendo a Criação apresentada no Gênesis (colocado na organização hebraica
da bíblia como “porta de entrada”) o “entorno” do Pentateuco. Assim fala em
seus estudos o grande biblista M.Schwantes (1946-2012), mostrando o Gênesis como
o “horizonte” mais amplo (de muitos povos e de toda a história humana) em que o
povo bíblico reflete sobre sua própria história e seu passado, lembrando que Gên1-11 é
texto recente,
isto é do século 6 a.C e relacionado com o exílio e pós-exílio babilônico.
·
Nesse sentido talvez pudéssemos dizer que é mais decisiva a Fé
(experiência típica no Êxodo, em Jesus de Nazaré, e nas primeiras comunidades
cristãs) do que a “religiosidade” (que busca “provas” de Deus no universo
criado). A criação é obra do Deus bondoso (“e viu que tudo era bom”, Gênesis 1).
No entanto na natureza também encontramos o mal e o pecado. O encontro com o
Deus no êxodo (a caminhada e o Livro) traz o desenho dessa imagem de um Deus
que se compadece pelo sofrimento de seu povo, vem libertá-lo da escravidão e o
conduz pacientemente até a terra prometida. Foi nessa perspectiva que o texto
de Gênesis foi escrito no séc.6 a.C. Também os cristãos verão, seja na história
dos antepassados em Israel, seja no caminho que vai de Belém a Jerusalém (do
nascimento à ressurreição), a presença da Misericórdia. Deus atinge o auge, por
assim dizer, de sua comunicação (cf.Hebreus 1) na experiência de Jesus de
Nazaré, de quem Paulo afirma ser “imagem visível do Deus invisível”
(cf.colossenses 1,15), o próprio Deus encarnado na história humana e cósmica.
Medo e angústia, tempestades no mar e na vida
·
Do comentário italiano (Messale dell’Assemblea Cristiana, Centro
catechistico Salesiano, Turim) apresento resumo e adaptação, como conclusão
destas reflexões. Devemos suspeitar da fé tranquila, fácil, sem dificuldades
(estamos na tempestade). Cremos, não obstante ondas enormes ameaçando nosso
barquinho. Seria falsa a fé que apenas procura Deus como consolação individual
e como solução das dificuldades. Na base de tal “fé” não haveria reconhecimento
de Deus, mas tentativa de “utilizar” Deus como nossa segurança. Nossa linguagem
habitual acaba às vezes dizendo heresias deste tipo: “graças a Deus, Fulano
escapou no terremoto (no acidente, etc.)” – como se fosse Deus o “autor” e
responsável pelo desastre, enchente, terremoto... Fé significa “abandonar-se”
como a criança nas mãos da mãe ou do pai, isto é, ter confiança, mesmo se
parece que ele “dorme” (não te importa
que pereçamos?”), porque sabemos que nenhuma dificuldade nos pode vencer
(porque Deus já as venceu). O projeto
de Deus é libertar o mundo do mal – como para os hebreus era libertá-los da
escravidão. Neste processo, porém, somos chamados – como Moisés no Êxodo – a
colaborar, fazendo nossa parte, lutando ao lado de Jahwé, levando a sério os
problemas do mundo sem perder coragem – particularmente os problemas dos pobres
e dos mais desprezados numa sociedade de egocêntricos dispostos a puxar o
tapete dos outros para chegar rápido ao dinheiro como diz o provérbio “farinha
pouca meu pirão primeiro”.
E foram com ele na barca em que estava (Marcos
4,36)
·
É triste o panorama atujal de uma larga faixa da pregação cada vez mais
repetida em nosso país por muitos grupos e muitos líderes. Infelizmente é a
maior parte do que ouvimos (ou vemos na TV) apresentando um Deus pouco
“sagrado”, tão distante da sabedoria expressa num livro de Jó como da teologia dos
primeiros cristãos condensada no Novo Testamento. Um Deus que não é o “Santo” proposto
seja nos Livros de Moisés seja nos Profetas.
·
A imagem do “Pai” foi reduzida a de um “controller” de empresa,
competente na conjugação de contabilidade e administração (de nossas vidas) – desde
que sejamos seus funcionários submissos, e negociemos contribuições para a
Organização em troca de benefícios e milagres, principalmente em meio a tempestades
financeiras e de saúde. Tal manipulação das massas trata Deus como um ídolo, mesmo
em nome do Cristo, e embarca pessoas e as conduz para longe da experiência da
Fé proposta em Marcos cap.4. Seria melhor, como no verso 36: ir com ele na barca em que Ele estava!!!
ooooooooooo ( * ) Prof.(1975-2012-Edu/Teo/Fil)
fesomor2@gmail.com
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