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quinta-feira, 6 de março de 2014

Jesus jejuou durante quarenta dias e foi tentado - Claretianos


Domingo, 9 de março de 2014
1º Domingo da Quaresma
Santa Francisca Romana, Religiosa (Memória facultativa).
Outros Santos do Dia: Antônio de Froidemont (monge), Bosa de York (bispo), Catarina de Bolonha (clarissa, virgem), Cirion e Cândido (mártires da Armênia), Domingos Sávio (adolescente de Turim discípulo de Dom Bosco), Gregório de Nissa (bispo), Paciano de Barcelona (bispo).
Primeira leitura: Gênesis 2,7-9;3,1-7
Criação e pecado dos primeiros pais
Salmo responsorial: Salmo 50(51), 3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. 3a)
Piedade, ó Senhor, tende piedade
Segunda leitura: Romanos 5,12-19
Onde o pecado se multiplicou, aí superabundou a graça
Evangelho: Mateus 4,1-11
Jesus jejuou durante quarenta dias e foi tentado
Os comentários bíblico-litúrgicos para ajudar na elaboração das homilias dominicais deste típico “domingo das tentações”, o primeiro da Quaresma, costumam apresentar um paralelismo antagônico: a primeira tentação foi a que se apresentou a Eva, que acabou no pecado; porém, houve outra tentação, a sofrida por Jesus no deserto, que acabou com a vitória, a qual podemos tomar como exemplo. Nesta linha é muito fácil encontrar comentários na rede de computadores.
Por isso mesmo, gostaríamos de oferecer uma contribuição diferente, em sentido crítico. Obviamente, este aspecto não será apropriado em qualquer caso para convertê-lo sem mais em uma homilia… porém, cremos que tampouco seria bom que uma homilia não abordasse este aspecto crítico. Em todo caso, cada agente de pastoral saberá o que sua comunidade necessita e saberá encontrá-lo em outros pontos de serviço bíblico-litúrgico da rede.
A primeira leitura deste domingo reúne, resumidamente, dois importantes relatos bíblicos: o da criação e o do pecado original. São muito significativos, muito importantes, e hoje também muito problemáticos.
É importante recordar que os textos que formam o grupo dos onze primeiros capítulos de Gênesis, que se referem aos inícios da “história da salvação”, foram entendidos desde sempre de um modo literal. Todas as gerações que nos precederam na fé os entenderam assim. Certamente nossos avós, nossos pais nunca pensaram de modo diferente, como também muitos cristãos mais idosos continuam pensando ainda hoje. Desde o tempo imemorial, estes textos foram para muitas gerações como que fontes importantíssimas de sua compreensão do mundo e da história. 
As “coordenadas gerais” que estes mitos traçam (Deus acima, natureza abaixo): um ato divino da criação que coloca em marcha o cosmos; uma criação do ser humano, distinta da criação de todos os demais seres; Deus que proíbe comer o fruto da árvore; o ser humano que desobedece e a desobediência se converte no “pecado original”, que transformará a sorte do cosmos e de toda a humanidade posterior; o protagonismo principal da mulher neste pecado; o aborrecimento de Deus, sua consequente ruptura de relações com a humanidade por ter se alimentado do fruto proibido, tudo isto forma, para toda essa humanidade judeu-cristã dos últimos três mil anos, o “paradigma” a partir do qual entenderam tanto o mundo, como a Deus, como a si mesmos, isto é, a realidade global. Estamos diante de mitos religiosos, ante os quais é preciso tirar o calçado como quem pisa solo sagrado.
Há uns cem anos, em 1906, a Pontifícia Comissão Bíblica, respaldada obviamente pela Inquisição romana, a atual Congregação para a Doutrina da Fé, que não se chamava Santo Oficio, reafirmava solenemente e sob pena de excomunhão, a quem não a aceitasse, que o conteúdo dos onze primeiros capítulos do Gênesis eram históricos e não mitológicos. 
É importante recordar que hoje não cremos que estes relatos sejam entendidos assim, literalmente. Isto é: hoje sabemos que a Bíblia não pode dizer como foi a origem do cosmos, nem do ser humano. Que a bíblia não contém mensagens de física, nem de química, nem de biologia evolutiva, em de geofísica ou astrofísica… que nos informem sobre todos esses campos. E que, portanto, se pode ser cristão e aceitar o que a ciência nos diz hoje, incluídas as opiniões contrarias a tantas afirmações e suposições constantes nestes relatos bíblicos.
É importante fazer cair na conta de que esta nova maneira de entender os textos bíblicos não foi fruto de uma descoberta fácil e ingênua, mas uma intuição laboriosamente trabalhada pelos biblistas e teólogos, que durante vários séculos tiveram que enfrentar a oposição e a condenação das autoridades de suas respectivas igrejas.
Todo cristão medianamente culto pode ter sua opinião sobre a origem do universo, pode também ter suas opiniões em medicina, em astronomia ou em psicologia, livremente, sem coação, e sem que haja nenhuma opinião “oficial”, “obrigatória” nesses campos. Os relatos bíblicos estão em outro plano, um plano simbólico, que não afeta o campo autônomo da ciência. Isto é ao menos o que costumamos dizer hoje, depois do Vaticano II, porém seria mais correto reconhecer que aqueles relatos não foram concebidos, como dizemos, meramente como um plano simbólico; para nossos antepassados, esses relatos eram históricos, e com essa história, mesmo sem fundamento científico, tratavam de encontrar respostas aos problemas humanos e existenciais de todo tipo (o mal, a felicidade, a vida, a origem, o futuro…).
É agora, somente agora, quando nós, ao ver que as crenças expressas nesses mitos estavam profundamente equivocadas, como hoje sabemos pela ciência, sustentamos que esses mitos somente podem ser interpretados de um modo puramente simbólico. Nossos antepassados, até uns 50 anos, consideravam históricos os onze primeiros capítulos do gênesis, como se fossem contados diretamente pela boca reveladora de Deus.
É preciso deixar claro ao público cristão a boa notícia de que hoje não sustentamos que o símbolo judeu-cristão do chamado “pecado original” tenha um fundamento histórico. Não há motivo para sustentá-lo. É praticamente nula a possibilidade de um fundamento histórico; o mais provável é que não houve um filum biológico evolutivo de surgimento de nossa espécie e o poligenismo é hoje a opinião mais comum da ciência.
A proclamação que a Igreja católica fez do monogenismo no século passado foi devido ao espelhismo (sofrido na época) de pensar que o significado do símbolo do pecado original dependia efetivamente de um pecado histórico real que teria sido cometido por um primeiro casal do qual descendemos absolutamente todos, homens e mulheres.
É importante esclarecer que hoje teologicamente se torna inverossímil todo o conjunto simbólico da tentação e do pecado original: pensar que toda a humanidade esteja em uma situação de prostração espiritual (que seja uma “massa damnata”, uma multidão condenada, como repetia Santo Agostinho, por causa de um suposto primeiro pecado de um inexistente primeiro casal e pensar que devido a isso Deus teria rompido suas relações com a Humanidade, e que essa ruptura não poderia ser superada senão com o sangue da morte na cruz do Filho de Deus, tal e como foi apresentada pela tradição mais comum e constante do cristianismo.
Tudo isto é hoje absolutamente inaceitável. Devem, portanto, sentir-se aliviadas todas as pessoas que se sentem incomodadas ante as costumeiras explicações homiléticas a respeito, tão parecidas à catequese infantil que recebemos quando crianças, e como nós, todas as gerações cristãs durante mais de um milênio e meio.
Outros comentários críticos importantes poderiam ser feitos entre os temas implicados nesses dois grandes relatos bíblicos que aparecem na primeira leitura deste domingo (por exemplo sobre a “transcendência” de Deus, que aí se apresenta como óbvia, sobre a imagem mesma de “theos”, a visão negativa da realidade que leva consigo a crença em um primeiro “pecado primordial”, a terrível inferiorização e culpabilização da mulher causada por este texto…). Já dissemos que não pretendemos que esta lista de advertências críticas seja o conteúdo de uma homilia, mas simplesmente o pano de fundo crítico que se deve ter em conta na hora de falar das “tentações” e do “pecado”, para o qual, sem dúvida, se encontrará muito material em numerosos portais de serviço na rede de computadores.
É importante ser claro e insistir: é possível ser cristão e ser “pessoa de hoje” tendo as próprias opiniões cientificas. E que há outras formas de falar da realidade do mal e do pecado, sem ter como referência os mitos religiosos elaborados há dois milênios e meio.
Finalizamos dizendo que a insistência no pecado original e em suas fatais consequências para toda a humanidade, seria bom compensar essa atitude referindo-nos ao que hoje a teologia de fronteira intui: o original não foi um pecado e sim uma bênção…
Oração: Ó Deus, sabemos que nossa vida está submetida a tantos influxos, pressões, tentações, repulsa e também a tantos estímulos, inspirações e bons exemplos; nós te pedimos que a atração e o influxo do bem seja muito mais forte em nossa vida que a tentação e a força do mal, e que o exemplo de Jesus nos ajude a segui-lo pelo caminho do amor e da entrega da vida a serviço do bem. Nós te pedimos, por Jesus, filho teu e irmão nosso. Amém.



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