8 de Janeiro de 2015- Quinta
- Evangelho - Lc 4,14-22ª
Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura.
Este Evangelho narra o começo da vida pública de Jesus. Nele Jesus
apresenta o seu programa. Em poucas palavras, ele resume toda a sua missão,
citando Is 61,1-3.
O amor de Deus é uma sinfonia em dois movimentos que se completam e
interferem mutuamente. Em primeiro lugar, o amor é um movimento vertical,
ascendente e descendente. Jesus se referiu a esse movimento quando disse que
veio “anunciar a Boa Nova aos pobres... e proclamar o ano da graça do Senhor”.
O movimento horizontal da sinfonia é o relacionamento entre nós,
que concretiza e realiza o vertical: “O Senhor enviou-me para proclamar a
libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os
oprimidos...” Jesus privilegia os excluídos pela sociedade: pobres, cativos,
cegos e oprimidos, porque eram os mais desprezados pela sociedade do seu tempo.
Uma religião que quisesse chegar a Deus, sem passar pela dedicação
ao próximo, seria uma ilusão, uma alienação espiritual, uma enganação. “Se
alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não
ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. Este é o
mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão” (1Jo
4,20-21).
Os primeiros cristãos procuraram por em prática esse programa
integralmente. Foi isso que custou a morte para muitos deles, assim como para
Jesus. Apesar disso, a Igreja não desiste de colocar em prática esse programa,tanto
no esforço de aproximar as pessoas de Deus, como de levá-las ao amor mútuo. No
Batismo, nós assumimos esse programa como nosso. Está aí o grande desafio para
nós, a fim de que aconteça no mundo o Natal e a Epifania.
No programa, Jesus mistura o vertical e o horizontal, a dedicação
ao corpo e a dedicação à alma. Ele não as separa, pois o próprio Criador não
separou, criando-nos corpo e alma misturados. Quem ama verdadeiramente a Deus,
ama também o seu próximo, privilegiando os excluídos. E esse amor inclui também
a proteção à natureza, evidentemente.
Neste Evangelho, Jesus fala que veio proclamar o “ano da graça do
Senhor”. Essa expressão é sinônima de “ano sabático”. O Povo de Deus do Antigo
Testamento celebrava, a cada sete anos, o ano sabático, que não era nada mais
que o descanso semanal do sábado ampliado para um ano todo. “Durante seis anos
semearás a terra e recolherás os seus frutos. No sétimo ano, porém, deixarás de
cultivar a terra, para que se alimentem os pobres, e os animais selvagens comam
o resto” (Ex 23,10-11).
O “ano da graça do Senhor”, lá no profeta Isaías (Is 61,1-2), está
expresso como “ano do agrado do Senhor”. Portanto, é viver bem com Deus,
obedecendo os seus mandamentos e fazendo a sua vontade. O livro do Deuteronômio
determina que no ano sabático todas as terras deviam voltar às tribos
originais, conforme foi dividido quando o povo chegou à Terra Santa. Também as
dividas deviam ser perdoadas e os escravos recebiam liberdade.
Quando Jesus falou que veio proclamar o ano da graça do Senhor, ele
quis dizer que, de agora para frente, todos os anos são sabáticos. O ano da
graça do Senhor é um ano sabático permanente, não só para todos os anos, mas
para todos os dias do ano. Esta é a lei do novo Povo de Deus, a Igreja.
Esse permanente ano da graça do Senhor, custou a morte de Jesus,
como oferta total dele por nós. Amar não é dar coisas ao próximo, mas buscar a
sua felicidade, mesmo que para isso precisemos sacrificar a nossa vida.
“Ninguém tem maior amor do que aquele dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
O amor só é verdadeiro se inclui, desde o começo, uma doação da
vida. O amor, ou é total, ou não é amor. Amor parcial não existe, é apenas
caricatura de amor. Quando vemos um mendigo na rua e lhe damos um trocado, ou
apenas um sorriso, não lhe estamos dando apenas um trocado ou um sorriso, mas a
nossa vida toda a ele, se necessário for. Na hora, lhe damos apenas um trocado
ou um sorriso, porque é só disso que ele precisa no momento.
O Evangelho mostra também o protagonismo do Espírito Santo na vida,
obra e missão de Jesus. É o Espírito que intervém desde o seu nascimento e
batismo. Nós também fomos ungidos pelo Espírito Santo no Batismo e na Crisma, a
fim de atuar como Cristo atuou, vencendo o mal do mundo e sendo mensageiros da
Boa Nova.
Nós sabemos que na Amazônia existem poucos padres, e por isso as
paróquias são enormes, com Comunidades muito distantes e sem estrada. Anos
atrás, havia um pároco que gravava a homilia dominical em um disquinho, o qual
ia passando de Comunidade em Comunidade, para ser tocado na hora do culto
dominical.
Um dia, aconteceu que o disquinho furou. Quando o encarregado ligou
a vitrola, o padre começou a dizer: “Meus irmãos e minhas irmãs; meus irmãos e
minhas irmãs; meus irmãos e minhas irmãs...” e não parava
mais. Então o encarregado desligou a vitrola e disse: “Por
favor, as mulheres saiam todas da capela, porque o padre está querendo falar só
para os homens”. Coitado! Mal sabia ele que era o disco que estava furando!
Mas a repetição estava certa. Todos nós podemos dizer para os
membros da nossa Comunidade: “Meus irmãos e minhas irmãs”, porque de fato
somos. O importante é sermos irmãos de todos, especialmente dos oprimidos, como
fez Jesus.
Maria Santíssima, a discípula fiel do Senhor, viveu de forma plena
esse programa do seu Filho. Que ela nos ajude a vivê-lo também.
Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura.
Padre Queiroz
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