8 Dezembro 2020
Solenidade da Imaculada Conceição - Ano
B
ANO B
SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA
VIRGEM SANTA MARIA
Tema da Solenidade da Imaculada
Conceição
Na Solenidade da Imaculada Conceição
somos convidados a equacionar o tipo de resposta que damos aos desafios de
Deus. Ao propor-nos o exemplo de Maria de Nazaré, a liturgia convida-nos a
acolher, com um coração aberto e disponível, os planos de Deus para nós e para
o mundo.
A segunda leitura garante-nos que Deus tem um projecto de vida plena,
verdadeira e total para cada homem e para cada mulher - um projecto que desde
sempre esteve na mente do próprio Deus. Esse projecto, apresentado aos homens
através de Jesus Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e
sem subterfúgios.
A primeira leitura mostra (recorrendo à história mítica de Adão e Eva) o que
acontece quando rejeitamos as propostas de Deus e preferimos caminhos de
egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência... Viver à margem de Deus leva,
inevitavelmente, a trilhar caminhos de sofrimento, de destruição, de
infelicidade e de morte.
O Evangelho apresenta a resposta de Maria ao plano de Deus. Ao contrário de
Adão e Eva, Maria rejeitou o orgulho, o egoísmo e a auto-suficiência e preferiu
conformar a sua vida, de forma total e radical, com os planos de Deus. Do seu
"sim" total, resultou salvação e vida plena para ela e para o mundo.
LEITURA I - Gen 3,9-15.20
Leitura do Livro do Génesis
Depois de Adão ter comido da árvore,
o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?»
Ele respondeu:
«Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
Disse Deus:
«Quem te deu a conhecer que estavas nu?
Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
Adão respondeu:
«A mulher que me destes por companheira
deu-me do fruto da árvore e eu comi».
O Senhor Deus perguntou à mulher:
«Que fizeste?»
E a mulher respondeu:
«A serpente enganou-me e eu comi».
Disse então o Senhor à serpente:
«Por teres feito semelhante coisa,
maldita sejas entre todos os animais domésticos
e entre todos os animais selvagens.
Hás-de rastejar e comer do pó da terra
todos os dias da tua vida.
Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a descendência dela.
Esta te esmagará a cabeça
e tu a atingirás no calcanhar».
O homem deu à mulher o nome de 'Eva',
porque ela foi a mãe de todos os viventes.
AMBIENTE
O relato jahwista de Gn 2,4b-3,24 sobre as origens da vida e do pecado (ao qual
pertence o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura) é, de acordo
com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido
em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante e vivo e
parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens
sugestivas, coloridas e fortes.
Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de
acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é
científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o
homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está
Jahwéh e que na origem do mal e do pecado estão as opções erradas do homem.
Trata-se, portanto, de uma página de catequese.
Esta longa reflexão sobre as origens da vida e do mal que desfeia o mundo está
estruturada num esquema tripartido, com duas situações claramente opostas e uma
realidade central que aparece como charneira e ao redor da qual giram a
primeira e a terceira parte... Na primeira parte (cf. Gn 2,4b-25), o autor
descreve a criação do paraíso e do homem; apresenta a criação de Deus como um
espaço ideal de felicidade, onde tudo é bom e o homem vive em comunhão total
com o criador e com as outras criaturas. Na segunda parte (cf. Gn 3,1-7), o
autor descreve o pecado do homem e da mulher; mostra como as opções erradas do
homem introduziram na comunhão do homem com Deus e com o resto da criação
factores de desequilíbrio e de morte. Na terceira parte (cf. Gn 3,8-24), o
autor apresenta o homem e a mulher confrontados com o resultado das suas opções
erradas e as consequências que daí advieram, quer para o homem, quer para o
resto da criação.
Na perspectiva do catequista jahwista, Deus criou o homem para a felicidade...
Então, pergunta Ele: como é que hoje conhecemos o egoísmo, a injustiça, a
violência que desfeiam o mundo? A resposta é: algures na história humana, o
homem que Deus criou livre e feliz fez escolhas erradas e introduziu na criação
boa de Deus dinamismos de sofrimento e de morte.
O nosso texto pertence à terceira parte do tríptico. As personagens
intervenientes são Deus (que "passeia no jardim à brisa do dia" -
vers. 8a), Adão e Eva (que se esconderam de Deus por entre o arvoredo do jardim
- vers. 8b).
MENSAGEM
A nossa leitura começa com a
"investigação" de Deus... Antes de proferir a sua acusação, Deus - o
acusador e juiz - investiga, descobre e estabelece os factos.
Primeira pergunta feita por Deus ao homem: "onde estás?" A resposta
do homem é já uma confissão da sua culpabilidade: "ouvi o rumor dos vossos
passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me" (vers. 9-10).
A vergonha e o medo são sinal de uma perturbação interior, de uma ruptura com a
anterior situação de inocência, de harmonia, de serenidade e de paz. Como é que
o homem chegou a esta situação? Evidentemente, desobedecendo a Deus e
percorrendo caminhos contrários àqueles que Deus lhe havia proposto. A resposta
do homem trai, portanto, o seu segredo e a sua culpa.
Depois desta constatação, a segunda pergunta feita por Deus ao homem é
meramente retórica: "terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira de
comer?" (vers. 11). A árvore em causa - a "árvore do conhecimento do
bem e do mal" - significa o orgulho, a auto-suficiência, o prescindir de
Deus e das suas propostas, o querer decidir por si só o que é bem e o que é
mal, o pôr-se a si próprio em lugar de Deus, o reivindicar autonomia total em
relação ao criador. A situação do homem, perturbado e em ruptura, é já uma
resposta clara à pergunta de Deus... É evidente que o homem "comeu da
árvore proibida" - isto é, escolheu um caminho de orgulho e de
auto-suficiência em relação a Deus. Daí a vergonha e o medo.
Ao defender-se, o homem acusa a mulher e, ao mesmo tempo, acusa veladamente o
próprio Deus pela situação em que está ("a mulher que me deste por
companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi" - vers. 12). Adão
representa essa humanidade que, mergulhada no egoísmo e na auto-suficiência, esqueceu
os dons de Deus e vê em Deus um adversário; por outro lado, a resposta de Adão
mostra, igualmente, uma humanidade que quebrou a sua unidade e se instalou na
cobardia, na falta de solidariedade, no ódio. Escolher caminhos contrários aos
de Deus não pode senão conduzir a uma vida de ruptura com Deus e com os outros
irmãos.
Vem, depois, a "defesa" da mulher: "a serpente enganou-me e eu
comi" (vers. 13). Entre os povos cananeus, a serpente estava ligada aos
rituais de fertilidade e de fecundidade. Os israelitas deixavam-se fascinar por
esses cultos e, com frequência, abandonavam Jahwéh para seguir os rituais
religiosos dos cananeus e assegurar, assim, a fecundidade dos campos e dos
rebanhos. Na época em que o autor jahwista escreve, a serpente era, pois, o
"fruto proibido", que seduzia os crentes e os levava a abandonar a
Lei de Deus. A "serpente" é, neste contexto, um símbolo literário de
tudo aquilo que afastava os israelitas de Jahwéh. A resposta da
"mulher" confirma tudo aquilo que até agora estava sugerido: é
verdade, a humanidade que Deus criou prescindiu de Deus, ignorou as suas
propostas e enveredou por outros caminhos. Achou, no seu egoísmo e
auto-suficiência, que podia encontrar a verdadeira vida à margem de Deus,
prescindindo das propostas de Deus.
Diante disto, não são precisas mais perguntas. Está claramente definida a culpa
de uma humanidade que pensou poder ser feliz em caminhos de egoísmo e de
auto-suficiência, totalmente à margem dos caminhos que foram propostos por
Deus.
Que tem Deus a acrescentar? Pouco mais, a não ser condenar como falsos e
enganosos esses cultos e essas tentações que seduziam os israelitas e os
colocavam fora da dinâmica da Aliança e dos mandamentos (vers. 14-15). O nosso
catequista jahwista sabe que a serpente é um animal miserável, que passa toda a
sua existência mordendo o pó da terra. O autor vai servir-se deste dado para
pintar, plasticamente, a condenação radical de tudo aquilo que leva os homens a
afastar-se dos caminhos de Deus e a enveredar por caminhos de egoísmo e de
auto-suficiência.
O que é que significa a inimizade e a luta entre a "descendência" da
mulher e a "descendência" da serpente? Provavelmente, o autor
jahwista está, apenas, a dar uma explicação etiológica (uma
"etiologia" é uma tentativa de explicar o porquê de uma determinada
realidade que o autor conhece no seu tempo, a partir de um pretenso
acontecimento primordial, que seria o responsável pela situação actual) para o
facto de a serpente inspirar horror aos humanos e de toda a gente lhe procurar "esmagar
a cabeça"; mas a interpretação judaica e cristã viu nestas palavras uma
profecia messiânica: Deus anuncia que um "filho da mulher" (o
Messias) acabará com as consequências do pecado e inserirá a humanidade numa
dinâmica de graça.
Atenção: o autor sagrado não está a falar de um pecado cometido nos primórdios
da humanidade pelo primeiro homem e pela primeira mulher; mas está a falar do
pecado cometido por todos os homens e mulheres de todos os tempos... Ele está
apenas a ensinar que a raiz de todos os males está no facto de o homem
prescindir de Deus e construir o mundo a partir de critérios de egoísmo e de
auto-suficiência. Não conhecemos bem este quadro?
ACTUALIZAÇÃO
·
Um dos mistérios que
mais questiona os nossos contemporâneos é o mistério do mal... Esse mal que
vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa "casa" que é o
mundo, vem de Deus, ou vem do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca
vem de Deus... Deus criou-nos para a vida e para a felicidade e deu-nos todas
as condições para imprimirmos à nossa existência uma dinâmica de vida, de
felicidade, de realização plena.
·
O mal resulta das
nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e auto-suficiência.
Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus
e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de
prepotência, de sofrimento, de pecado... Quais os caminhos que eu escolho? As
propostas de Deus fazem sentido e são, para mim, indicações seguras para a
felicidade, ou prefiro ser eu próprio a fazer as minhas escolhas, à margem das
propostas de Deus?
·
O nosso texto deixa
também claro que prescindir de Deus e caminhar longe d'Ele, leva o homem ao
confronto e à hostilidade com os outros homens e mulheres. Nasce, então, a
injustiça, a exploração, a violência. Os outros homens e mulheres deixam de ser
irmãos, para passarem a ser ameaças ao próprio bem-estar, à própria segurança,
aos próprios interesses. Como é que eu me situo face aos meus irmãos? Como é
que eu me relaciono com aqueles que são diferentes, que invadem o meu espaço e
interesses, que me questionam e interpelam?
·
O nosso texto ensina,
ainda, que prescindir de Deus e dos seus caminhos significa construir uma
história de inimizade com o resto da criação. A natureza deixa de ser, então, a
casa comum que Deus ofereceu a todos os homens como espaço de vida e de
felicidade, para se tornar algo que eu uso e exploro em meu proveito próprio,
sem considerar a sua dignidade, beleza e grandeza. O que é que a criação de
Deus significa para mim: algo que eu posso explorar de forma egoísta, ou algo
que Deus ofereceu a todos os homens e mulheres e que eu devo respeitar e
guardar com amor?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 97 (98)
Refrão: Cantai ao Senhor um cântico
novo:
o Senhor fez maravilhas.
Cantai ao Senhor um cântico novo,
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.
O Senhor deu a conhecer a salvação
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.
Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.
LEITURA II - Ef 1,3-6.11-12
Leitura da Epístola do apóstolo São
Paulo aos Efésios
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N'Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade,
a fim de sermos seus filhos adoptivos, por Jesus Cristo,
para louvor da sua glória
e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios d'Aquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para sermos um hino de louvor da sua glória,
nós que desde o começo esperámos em Cristo.
AMBIENTE
A cidade de Éfeso, capital da Província
romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor. O seu
importante porto e a sua numerosa população faziam dela uma cidade florescente.
Paulo passou em Éfeso na sua segunda viagem missionária (cf. Act 18,19-21) e,
durante a sua terceira viagem missionária, fez de Éfeso o quartel-general, a
partir do qual evangelizou toda a zona ocidental da Ásia Menor.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma
"carta circular" enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura
em que Paulo está na prisão (em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico.
Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura
em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente. O tema mais
importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama "o
mistério": trata-se do projecto salvador de Deus, definido e elaborado
desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em
Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos "últimos tempos", tornado
presente no mundo pela Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É parte de um hino
litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado
aqui por Paulo. Este hino dá graças pela acção do Pai (cf. Ef 1,3-6), do Filho
(cf. Ef 1,7-12) e do Espírito Santo (cf. Ef 1,13-14), no sentido de oferecer
aos homens a salvação.
MENSAGEM
A acção de graças dirige-se a Deus, pois
Ele é a fonte última de todas as graças concedidas aos homens. Essas graças
atingiram os homens através do Filho, Jesus Cristo.
Qual é então, segundo este hino, a acção do Pai?
O Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre ("antes da criação do
mundo"). Elegeu-nos para quê? A resposta é: "para sermos santos e
irrepreensíveis". A palavra "santo" indica a situação de alguém
que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a
palavra "irrepreensível" era usada para falar das vítimas oferecidas
em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito... Significa,
pois, uma santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical.
Além de nos eleger, o Pai predestinou-nos "para sermos seus filhos
adoptivos". Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e
integrou-nos na sua família na qualidade de filhos. O fim desta acção de Deus é
o louvor da sua glória.
"Eleição" e "adopção como filhos" resultam do imenso amor
de Deus pelos homens - um amor que é gratuito, incondicional e radical.
E Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
Nos vers. 7-10 (que, no entanto, a liturgia deste dia não conservou), o autor
do hino refere-se ao sangue derramado de Cristo e ao seu significado redentor.
A morte de Jesus na cruz é o sinal evidente do espantoso amor de Deus pelos
homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a viver no amor, no amor total e
radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós a sua graça, tornando-nos
pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor. Assim, Deus
manifestou-nos o seu projecto de salvação (que o hino chama "o
mistério") e que consiste em levar-nos a uma identificação plena com Jesus
(na sua ilimitada capacidade de amar e de dar vida), a uma unidade e harmonia
totais com Jesus. Identificando-nos com Cristo e ensinando-nos a viver no amor
total e radical, Deus reconciliou-nos consigo, com todos os outros e com a
própria natureza. Da acção redentora de Cristo nasceu, pois, um Homem Novo,
capaz de um novo tipo de relacionamento (não marcado pelo egoísmo, pelo
orgulho, pela auto-suficiência, mas marcado pelo amor e pelo dom da vida) com
Deus, com os outros homens e mulheres e com toda a criação.
Dessa forma (e voltamos agora a retomar o texto que a liturgia deste dia nos
propõe), em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e herdeiros da salvação,
conforme o projecto de Deus preparado desde toda a eternidade em nosso favor
(vers. 11-12).
ACTUALIZAÇÃO
·
O nosso texto afirma,
de forma clara, que Deus tem um projecto de vida plena e total para os homens,
um projecto que desde sempre esteve na mente de Deus. É muito importante termos
isto em conta: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos,
mas somos actores principais de uma história de amor que o nosso Deus sempre
sonhou e que Ele quis escrever e viver connosco... No meio das nossas
desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos
nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de
Deus, a quem Ele oferece continuamente a vida definitiva, a verdadeira
felicidade.
·
De acordo com o nosso
texto, Deus "elegeu-nos... para sermos santos e irrepreensíveis". Já
vimos que "ser santo" significa ser consagrado para o serviço de
Deus. O que é que isto implica em termos concretos? Entre outras coisas,
implica tentar descobrir o plano de Deus, o projecto que Ele tem para cada um
de nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e radicalidade. No
meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional,
social e familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar
perceber os seus projectos e propostas? E temos disponibilidade e vontade de
concretizar as suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com os
nossos interesses pessoais?
·
O nosso texto afirma,
ainda, a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver
connosco... Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com radicalidade a vontade
do Pai e oferecendo-Se até à morte para nos ensinar a viver no amor. Como é que
assumimos e vivemos essa proposta de amor que Jesus nos apresentou? Aprendemos
com Ele a amar sem excepção e com radicalidade?
ALELUIA - cf. Lc 1,28
Aleluia. Aleluia.
Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco,
bendita sois Vós entre as mulheres.
EVANGELHO - Lc 1,26-38
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Lucas
Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo:
«Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».
AMBIENTE
O texto que nos é hoje proposto pertence
ao "Evangelho da Infância" na versão de Lucas. De acordo com os
biblistas actuais, os textos do "Evangelho da Infância" pertencem a
um género literário especial, chamado homologese. Este género não pretende ser
um relato jornalístico e histórico de acontecimentos; mas é, sobretudo, uma
catequese destinada a proclamar certas realidades salvíficas (que Jesus é o
Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o "Deus connosco").
Desenvolve-se em forma de narração e recorre às técnicas do midrash haggádico
(uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabbis
judeus da época de Jesus). A homologese utiliza e mistura tipologias (factos e
pessoas do Antigo Testamento, encontram a sua correspondência em factos e
pessoas do Novo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos, aparições,
sonhos) para fazer avançar a narração e para explicitar determinada catequese
sobre Jesus. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz:
não interessa, pois, estar aqui à procura de factos históricos; interessa,
sobretudo, perceber o que é que a catequese cristã primitiva nos ensina,
através destas narrações, sobre Jesus.
A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a
norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus
uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs
e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e
pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que
"da Galileia não pode vir nada de bom". Quanto a Nazaré, era uma
aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e,
portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos
caminhos de Deus e da salvação.
Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era "uma
virgem desposada com um homem chamado José". O casamento hebraico
considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase,
na qual os noivos se prometiam um ao outro (os "esponsais"); só numa
segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio
propriamente dito)... Entre os "esponsais" e o rito do matrimónio,
passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes
podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os
"esponsais", os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os
dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um
filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés
considerava a infidelidade da "prometida" como uma ofensa semelhante
à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27)... E a união entre os dois
"prometidos" só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do
divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de
"prometidos": ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham
celebrado os "esponsais".
MENSAGEM
Depois da apresentação do
"ambiente" do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.
A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e
expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de
eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo "ave" (em grego,
"kaire") com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação:
é o eco dos anúncios de salvação à "filha de Sião" - uma figura fraca
e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e
representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar
diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof
3,14-17). A expressão "cheia de graça" significa que Maria é objecto
da predilecção e do amor de Deus. A outra expressão "o Senhor está
contigo" é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de
vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 - vocação de Moisés; Jz 6,12 -
vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 - vocação de Jeremias) e que serve para assegurar
ao "chamado" a assistência de Deus na missão que lhe é pedida.
Estamos, portanto, diante do "relato de vocação" de Maria: a visita
do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa
proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.
Qual é, então, o papel proposto a Maria no projecto de Deus?
A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um "filho" especial...
Desse "filho" diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará
"Jesus". O nome significa "Deus salva". Além disso, esse
"filho" é apresentado pelo anjo como o "Filho do
Altíssimo", que herdará "o trono de seu pai David" e cujo
reinado "não terá fim". As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à
promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Nathan.
Esse "filho" é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel
descrevia o "messias" libertador. O que é proposto a Maria é, pois,
que ela aceite ser a mãe desse "messias" que Israel esperava, o
libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação
definitivas.
Como é que Maria responde ao projecto de Deus?
A resposta de Maria começa com uma objecção... A objecção faz sempre parte dos
relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11; 6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É
uma reacção natural de um "chamado", assustado com a perspectiva do
compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a
grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos
"chamados", faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens
e do mundo.
Diante da "objecção", o anjo garante a Maria que o Espírito Santo
virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi
derramado sobre os juízes (Oteniel - cf. Jz 3,10; Gedeão - cf. Jz 6,34; Jefté -
cf. Jz 11,29; Sansão - cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul - cf. 1 Sm 11,6; David
- cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão -
cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel - cf. Nm 11,25-26; Ezequiel - cf. Ez 2,1;
3,12; o Trito-Isaías - cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma
presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A "sombra" ou
"nuvem" leva-nos também à "coluna de nuvem" (cf. Ex 13,21)
que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o
caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a
seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-Se
presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
O relato termina com a resposta final de Maria: "eis a serva do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra". Afirmar-se como "serva"
significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e
aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica - pois, no Antigo Testamento,
ser "servo do Senhor" é um título de glória, reservado àqueles que
Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo
com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías - cf.
Is 42,1; 49,3; 50,10; 52,13; 53,2.11 - em referência à figura enigmática do
"servo de Jahwéh"). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu,
aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de
cumprir, com fidelidade, o projecto de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
·
A liturgia deste dia
afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e tem um projecto
de vida plena para lhes oferecer. Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus
filhos intervém na história humana e concretiza, dia a dia, essa oferta de
salvação? A história de Maria de Nazaré (bem como a de tantos outros
"chamados") responde, de forma clara, a esta questão: é através de
homens e mulheres atentos aos projectos de Deus e de coração disponível para o
serviço dos irmãos que Deus actua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu
amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da
realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor, de
partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e transforma o mundo?
·
Outra questão é a dos
instrumentos de que Deus Se serve para realizar os seus planos... Maria era uma
jovem mulher de uma aldeia obscura dessa "Galileia dos pagãos" de
onde não podia "vir nada de bom". Não consta que tivesse uma
significativa preparação intelectual, extraordinários conhecimentos teológicos,
ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de
então... Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel
primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história
vocacional de Maria deixa claro que, na perspectiva de Deus, não são o poder, a
riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade
para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres,
independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a
disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus.
·
Diante dos apelos de
Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos
colocados diante do exemplo de Maria... Confrontada com os planos de Deus,
Maria responde com um "sim" total e incondicional. Naturalmente, ela
tinha o seu programa de vida e os seus projectos pessoais; mas, diante do apelo
de Deus, esses projectos pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano
secundário. Na atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo,
de orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical
dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho questionante, que
nos interpela fortemente... Que atitude assumimos diante dos projectos de Deus:
acolhemo-los sem reservas, com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega
total a Deus, ou assumimos uma atitude egoísta de defesa intransigente dos
nossos projectos pessoais e dos nossos interesses egoístas?
·
É possível alguém
entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras?
Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus
projectos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus
planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de
Nazaré foi, certamente, uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e
era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi, certamente, uma pessoa de
oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar
totalmente n'Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e
disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar
perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá dia a dia?
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt
DEUS te abençoe e te ilumine. Obrigado pela reflexão.
ResponderExcluirSanta Maria, Rio Grande do Sul.
Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo, Adélio Francisco) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
ResponderExcluirObrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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