SENHOR DA PAZ E DA UNIDADE
Cristo é chamado a dirigir o povo de
Deus, a ser seu condutor (cf 1ª leitura); sua realeza é de origem divina e tem
o primado sobre tudo, porque nele o Pai pôs a plenitude de todas as coisas (2ª
leitura). No entanto, o evangelho de Lucas apresenta a realeza de Jesus
narrando a paródia da sua investidura como Rei dos Judeus na cruz, que lembra a
outra paródia que se deu no pretório de Pilatos e narrada pelos outros
evangelistas. A investidura real de Jesus se desenrola em torno da cruz, trono
improvisado do novo Messias. Para tornar mais evidente essa aproximação, Lucas
recorda a inscrição que encabeça a cruz (v. 38), mas sem dizer que se trata de
um motivo de condenação (cf Mt 27, 37). Assim, a inscrição tem o lugar da
palavra de investidura, como a do Pai que investe seu Filho no batismo (Lc
3,22). Além disso, Lucas introduz aqui um episódio que se refere a outro lugar
(v. 36a; cf Mt 27,48) e lhe acrescenta uma frase (v. 37b) com a qual a multidão
espera que Jesus se manifeste como rei; mas ele não quer que sua realeza lhe
advenha da fuga à sua sorte, e sim de sua fidelidade a ela!
*Cristo, rei de reconciliação*
Como em todas as coisas importantes na
lei mosaica, é necessário que a entronização seja reconhecida por duas
testemunhas. Mas, enquanto as testemunhas da investidura real da transfiguração
são dois entre as principais personagens do Antigo Testamento (Lc 9,28-36) e as
testemunhas da ressurreição são também misteriosas (Lc 24,4), as duas
testemunhas da entronização no Gólgota são apenas dois vulgares bandidos.
Investidura ridícula daquele que só será rei assumindo até o fim o escárnio!
Lucas coloca a seguir deste trecho o
episódio dos dois ladrões, como que a indicar que, para Cristo, o modo de
exercer sua realeza sobre todos os homens, inclusive sobre seus inimigos, é
oferecendo-lhes o perdão (vv. 34a.39-43). Lucas é muito sensível a esta idéia
em toda a narrativa da paixão, mas aqui ela chega ao máximo. Com esse perdão,
Cristo se apresenta como novo Adão, aquele que pode ajudar a humanidade a reintegrar
o paraíso perdido pelo primeiro homem (cf Lc 3,38). É preciso ainda que essa
humanidade nova aceite o perdão de Deus e não se volte orgulhosamente sobre si
mesma. Cristo chega ao momento de sua vida em que poderá inaugurar uma nova
humanidade, libertada das alienações do pecado; oferece ao bom ladrão
participar dela, porque a sua vontade de perdoar é sem limites. O reino de
Cristo se manifesta sobre convertidos.
*Cristo, rei de perdão*
Os termos Rei e Messias ressoam em torno
da cruz em fases zombeteiras e provocantes. Nesta situação, Jesus tem um gesto
verdadeiramente régio assegura ao malfeitor arrependido a entrada no
reino do Pai. Também diante dos adversários mais encarniçados, Jesus dirá
palavras de perdão: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem".
Jesus exerce, pois, e manifesta sua realeza não nas afirmações de um poder
despótico, mas no serviço de um perdão que busca a reconciliação.
Ele é o primogênito de toda a criatura
(2ª leitura), e como todas as coisas foram criadas nele, "foi do agrado de
Deus reconciliar consigo todas as coisas, por meio dele, estabelecendo a paz no
sangue da sua cruz".
Cristo é rei porque, perdoando e
morrendo para a remissão dos pecados, cria uma nova unidade entre os homens.
Quebrando a corrente do ódio, oferece a possibilidade de um novo futuro.
*Um rei que veio para servir*
Reconhecendo que Jesus é rei, cremos que
com ele Deus manifestou plenamente que a realização do homem só se pode dar
pela obediência à sua vontade. Não há ação do homem que não esteja sob o juízo
de Deus. Não pode haver lugar na historia sem relação com Deus por meio de
Jesus.
A doutrina do senhorio de Cristo nos
ensina ainda que a vida a que somos chamados é a mesma que viveu Jesus Cristo:
vida de serviço aos irmãos.
Vivendo-a, confessamos seu senhorio e
nos tornamos, como ele, homens de paz e de reconciliação.
Na Igreja de Cristo, como em toda
comunidade, o ministério (= serviço) da autoridade é dado não para a afirmação
pessoal, mas em função da unidade e da caridade. Cristo, bom pastor, veio não
para ser servido, mas para servir (Mt 20,28; Mc 10,45) e dar a vida pelas
ovelhas (Jo 10,11).
Essas afirmações ajudam a evitar as
ambiguidades inerentes ao conceito de realeza quando não compreendido no
sentido da realeza de Cristo
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