Neste Evangelho, Jesus usa dois sentidos
contrários da palavra paz: a do mundo e a de Cristo. Se a nossa convivência com
o mundo pecador é só “de paz”, é de se perguntar que paz é essa?
“Vós pensais que eu vim trazer a paz
sobre a terra?” Jesus usa a palavra “paz” no sentido que o mundo pecador dá,
que é uma aparente tranqüilidade da ordem, mas em cima da injustiça e baseada
na força. Essa paz ele veio destruir. Como disse um padre, no final da Missa:
“Ide em paz e que a paz de Cristo nunca vos deixe em paz”. O mundo vive em
tensão, fruto do conflito entre os dois senhores que querem dominá-lo: Deus e o
capeta. E nós somos embaixadores de Cristo no nosso ambiente. “Vim trazer a
divisão: pai contra filho, mãe contra filha, sogra contra nora...” A afirmação é
chocante, mas é real, e a vemos todos os dias ao nosso redor. Queremos a união
dentro de casa, mas não podemos abrir mão do testemunho, e é este que causa a
divisão. A nossa firmeza na fé gera, muitas vezes, perseguição. A prática do
Evangelho não nos conduz a um paraíso terrestre.
“Devo receber um batismo, e como estou
ansioso até que isto se cumpra!” Jesus se refere à sua paixão e morte, em que
foi mergulhado (batizado) na dor, e venceu, nos salvando a todos. Um metal
incandescente, quando é mergulhado na água fria, faz barulho e espirra água
para todo lado. É o choque causado pelo encontro do Reino de Deus com o reino
da Besta Fera (Apocalipse). Jesus será o primeiro a ser batizado, isto é,
mergulhado nesse fogo. A parte dele foi bem feita. Resta a nossa.
“Eu vim para lançar fogo sobre a terra,
e como gostaria que já estivesse aceso.” Jesus compara a Vida Nova trazida por
ele com o fogo. É o fogo que queima o que é “velho” ou errado em nós; é o fogo
do Amor, derramado em nossos corações. Esse fogo vai aos poucos incendiando o
mundo e fazendo nascer o Reino de Deus. Ele suscita perseguição, divisões e faz
até derramar sangue. Mas o incêndio é implacável. Somos portadores do seu fogo.
Ao ver a nossa lentidão, Jesus fica inquieto: “como gostaria que (esse fogo) já
estivesse aceso!”
Após o fogo, surgem das cinzas plantas
vicejantes. É o que acontece quando nos deixamos incendiar pelo fogo de Deus.
Antes de batizar Jesus, João Batista
falou para o povo: “Eu vos batizo com água. Mas virá aquele que é mais forte do
que eu... Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3,16). No dia
de Pentecostes, o Espírito Santo veio sobre Maria e os Apóstolos em forma de
chamas de fogo (At 2,3). O Espírito Santo nos dá, no batismo, o dom do amor,
que é semelhante ao fogo.
O que nos impulsiona a evitar o mal e
fazer o bem não é, em primeiro lugar, um mandamento, o medo de castigo, ou
busca da glória no Céu. O cristão é estimulado pelo Espírito Santo que age
dentro dele ou dela como um fogo.
O amor arde no peito, queima e não deixa
a pessoa parada. Impulsiona-a fortemente para a ação e para o testemunho. O
Profeta Jeremias dizia: “Tenho de gritar, tenho de arriscar. Ai de mim se não o
faço! Como escapar de ti? Como calar, se tua voz arde em meu peito?”
Os inimigos de Deus logo percebem e
tentam apagar esse fogo, mas não conseguem. Como diz Jo 1,5: As trevas tentaram
apagar a luz, mas não conseguiram.
Na morte de Jesus, os inimigos dele
pensaram: “Agora apagamos”. Mas que nada! O fogo estava aceso no coração dos
discípulos, e agora era impossível apagá-lo. Apagam aqui, ele brota ali.
Os antigos perseguidores dos cristãos
perceberam que, quanto mais os matavam, mais eles cresciam em número. Este fogo
que Jesus trouxe é muito especial. Quando tentam apagá-lo, aí que ele cresce.
Por isso que Jesus falou: “Não tenhas
medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc
12,32).
Agora, uma coisa é certa: Ninguém
consegue acender fogo apenas falando de fogo. Imagine se alguém pega um punhado
de palhas bem sequinhas, coloca-as no sol quente e ainda joga gasolina. Depois
começa a falar, com todos os recursos da oratória, sobre fogo. Não adianta
nada. Mas se a pessoa chega com uma pequena chama, tipo palito de fósforo, já é
o suficiente para incendiar tudo.
O mesmo acontece com o fogo do amor que
Jesus veio trazer. Precisamos tê-lo, ao menos um pouquinho dentro de nós, a fim
de que ele possa passar para os outros, multiplicar-se e incendiar o mundo.
Quem participa da Comunidade cristã, já
tem esse fogo. Por isso que a ação das Comunidades é implacável.
“O zelo por tua casa me devora” (Sl
69,10). Esse zelo é como fogo dentro de nós.
Jesus, quando estava pregado na cruz,
disse: “Tenho sede”. Ofereceram-lhe um líquido mas ele não quis. Não era sede
de água, mas de ver esse fogo incendiando e transformando.
Os santos eram inflamados por esse fogo.
Queriam, a todo custo, incendiar o mundo. Alguns deram a vida por essa causa. É
preciso muita garra para atear fogo. É o fogo que nos tira de casa no domingo e
nos leva para a Missa. É o fogo que sustenta os casais unidos. O amor de Cristo
é maior que o amor humano.
Jesus não tinha nem onde reclinar a
cabeça, mas passou a vida fazendo o bem e era feliz. E antes de subir para o
Céu ele disse: “Como o Pai me enviou, eu vos envio. Recebei o Espírito Santo”.
O padre, a freira, todos os batizados
são incendiados por esse fogo, e querem passá-lo para os outros.
Certa vez, um grupo de jovens resolveram
botar fogo numa cidade. Eles se espalharam, cada um com uma chama e começaram a
incendiar. Logo que o fogo se alastrou, vieram os bombeiros. Mas estava difícil
porque os bombeiros recebiam telefonema de todos os cantos da cidade. E mais:
quando apagavam o fogo em um lugar, logo que saíam o fogo reacendia. Assim, não
houve jeito, e a cidade foi incendiada. Esses jovens estão convidando você para
fazer parte do grupo deles.
“Simeão os abençoou e disse a Maria, a
mãe: Este menino será causa de queda e de re-erguimento para muitos em Israel.
Ele será um sinal de contradição – e a ti, uma espada traspassará tua alma! – e
assim serão revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2,34-35). Maria
carregava em seu coração o fogo trazido por seu Filho. Esposa do Espírito
Santo, rogai por nós!
Não vim trazer a paz, mas a divisão.
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