Quinta-feira, 17 de abril de 2014
Ceia do Senhor
Santos do Dia: Aniceto (papa, mártir), Elias, Paulo e Isidoro (mártires de Córdova),
Estêvão Harding (abade de Cister), Fortunato e Marciano (mártires de
Antioquia), Inocêncio de Tortona (bispo), Landrício de Soignies (monge, bispo),
Mapálico e Companheiros (mártires de Cartago, na África), Pantagato de Viena
(bispo), Potenciana (virgem da Espanha), Roberto de Chaise-Dieu (abade), Vando
de Fontenelle (abade).
Primeira leitura: Êxodo 12,
1-8.11-14.
Ritual da ceia pascal.
Salmo responsorial: 115, 12-13.15-18.
O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.
Segunda leitura: 1 Coríntios 11, 23-26.
Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, proclamais a morte do Senhor.
Evangelho: João 13, 1-15.
Ritual da ceia pascal.
Salmo responsorial: 115, 12-13.15-18.
O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.
Segunda leitura: 1 Coríntios 11, 23-26.
Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, proclamais a morte do Senhor.
Evangelho: João 13, 1-15.
Jesus passou a última tarde de sua vida
em Jerusalém, junto com seus discípulos, provavelmente também em companhia das
mulheres que haviam subido à cidade santa com ele. Foi essa a tarde de uma
festa pascal? Parece supérflua a pergunta. Contudo, há razões para acreditar
que foi assim. E da relação que se estabeleça entre o ambiente pascal e a cena
de Jesus depende em grande parte a interpretação que se deva fazer do
acontecimento histórico da morte e ressurreição do Senhor.
Se aceitamos que Jesus e seus
discípulos se reuniram para celebrar uma ceia pascal, então convém que
recordemos os pormenores desta celebração. No livro de Números 9,13, deixa-se
entrever a seriedade da celebração para o povo judeu: não celebrá-la é
como não pertencer ao povo. Segundo Êxodo 12,3, a festa devia ser familiar.
A imolação e o oferecimento do
cordeiro, que devia ser realizada por alguns membros da família em
representação da comunidade, devia ter lugar no átrio dos sacerdotes “entre as
tardes”, isto é, no tempo que precedia ao começo da descida do sol (cf. Ex
12,6). A celebração do Haggadá pascal orientava a celebração, no sentido da
memória da libertação da escravidão do Egito (Ex 12, 26s). Comer as carnes do
cordeiro, beber o vinho, partilhar o pão sem fermento, que devia recordar, com
as ervas amargas, a miséria vivida no Egito, constituíam o ritual que
acompanhava as bênçãos e a recitação dos salmos do Hallel.
Na ceia festiva, o ambiente estava
impregnado pela lembrança alegre e confiante da libertação, que teve sempre uma
eficácia esperançadora em épocas difíceis. Nessas circunstancias Jesus tinha
consciência de sua morte e falou dela. Os textos de Mc 14,25 e Lc 22,18
constituem uma profecia da morte. Jesus expressa, ante a probabilidade de sua
morte, a confiança e a confirmação e sua mensagem do Reino. Não é necessário
assinalar que esta sentença de Jesus tivesse outras intenções. É suficiente e
fundamental pensar, ao ler os textos, a intenção escatológica de Jesus, que ele
relaciona estreitamente com a convicção da possibilidade de sua morte.
Nestas circunstancias, Jesus realizou
uma verdadeira interpretação teológica de sua própria morte, em um sentido
salvífico, indissoluvelmente ligada com seu projeto do Reino de Deus. E, de
novo, com este contexto, tem uma importância muito grande a relação que Jesus
estabelece entre sua morte, assim interpretada, e os elementos da ceia: o pão e
o cálice de vinho.
Comer o pão e beber o cálice constituem
algo completamente compreensível no contexto de uma ceia judaica, porém agora esta
ação tem a ver com a interpretação da morte de Jesus, que ele mesmo oferece.
Jesus deve ter dito outras coisas e deve ter partilhado outros sentimentos com
seus discípulos. Porém, a tradição conservou seus sentimentos ligados
principalmente com a ação do pão e do cálice.
Quanto à última, não sabemos com
segurança se na ceia pascal nos tempos de Jesus, se utilizava ou não somente um
cálice, em um momento determinado, pois todos tinham seus próprios cálices. A
tradição cristã lembra, em todo caso, a utilização de somente um cálicee como
característica da ceia do Senhor (cf. 1Cor 10,16).
As palavras de Jesus que foram
conservadas para compreender o sentido do pão e do cálice partilhados, implicam
pois uma interpretação salvífica de sua morte, tanto no sentido da expiação e
da representação (“morrer por”, “para o perdão dos pecados”), como no sentido
de uma nova aliança.
Jesus, que interpretou assim sua morte
e a relacionou intrinsecamente com os dons da ceia, deixou à comunidade de seus
discípulos a possibilidade de viver sempre a realidade de uma nova aliança com
Deus salvador, no sentido do Reino definitivo que havia anunciado. A relação
entre aliança e Reino já tinha uma tradição importante, porém na ação de Jesus
adquiriu uma importância transcendental e original para seus seguidores.
Fazei isto em memória de mim: este mandamento do Senhor é verdadeiramente sagrado para os seguidores
de Jesus. A experiência comunitária vivida originariamente pelos discípulos se
converte em algo possível em todos os tempos para os cristãos. Trata-se de
entrar no destino histórico de Jesus, que é a historia mesma de Deus, seu
Reino, que acontece definitivamente na manifestação suprema do amor.
Participar assim no destino do Mestre
significa fazer, de maneira insuperável, a fraternidade humana. A ceia do
Senhor é a assunção, por parte dos cristãos, do que nos une mais profundamente:
a própria vida do Mestre, a historia do Filho do Pai na qual participamos todos
como filhos também e como irmãos uns dos outros.
A ceia pascal cristã foi originalmente
uma páscoa judaica. Para os cristãos é um modelo da celebração eucarística, o
modelo da celebração do mistério da Páscoa. E quando celebramos hoje uma
refeição juntos, temos que fazê-lo com a mentalidade de Jesus, uma refeição que
antecipa o reino de Deus, uma comunidade disposta ao serviço que a fortalece e
enriquece, porém sobretudo uma comunidade de todos os homens unidos pelo laço
mais forte: o amor.
Primeira Leitura: Êxodo
12,1-8.11-14: Da
escravidão à liberdade
A Pácoa sempre foi uma festa e
libertação, cujas origens remontam a costumes anteriores à Páscoa do povo
judaico. Efetivamente, os pastores nômades antes de empreender sua viagem, em
busca de melhores pastos para os seus rebanhos, na noite de lua cheia mais
próxima ao equinócio da primavera, sacrificavam um cordeiro ou um cabrito, nascido
no ano anterior, macho, sem defeito; para que não perdesse sua energia vital,
ao comê-lo não podiam romper nenhum de seus ossos.
Além disso, com estavam em uma região
desértica, sem água, o animal não era cozido em água, mas assado ao fogo. Com
seu sangue aspergiam as entradas de suas tendas de campanha para evitar a
entrada dos espíritos malignos portadores de enfermidades e desgraças. Como
deviam partir antes do sol nascer, comiam às pressas, com sandálias nos pés, o
bastão na mão e prontos para partir. O sacrifício e o alimento tinham como
finalidade assegurar a proteção de seus deuses no caminho que iam empreender,
onde podiam encontrar salteadores e outros perigos.
Estes mesmos ritos forma adotados pelos
israelitas quando celebraram a Páscoa; porém, para eles mudaram de significado.
Com o sangue do cordeiro marcam suas portas para evitar a entrada do anjo
exterminador; o cordeiro não somente era imolado, mas também consumido; desta
maneira os comensais se comprometiam mais ainda com o mistério da festa. A
Páscoa entre os judeus, unida indissoluvelmente à libertação do Egito, se
realizava na liturgia, isto é, se fazia presente como se eles fossem os
protagonistas e desta maneira o passado se mantinha vivo e os projetava para o
futuro.
A menção do sangue nos introduz em
pleno sacramentalismo do Antigo Testamento e por ele se opera a continuidade
entre a Páscoa judaica e a Páscoa cristã. Páscoa é a grande festa da libertação
da servidão e da morte, onde o sangue do cordeiro exerce uma função redentora;
mais ainda, como Egito no Antigo Testamento é a terra do pecado, a saída do
Egito é uma libertação da escravidão material e do pecado. A bíblia concebe a
salvação à media que se desenvolve a revelação como uma salvação do peado. São
Pedro, desenvolvendo esta idéia nos diz: Tendes sido resgatados de vosso vão
viver segundo a tradição de nossos pais, não com prata e ouro, mas com o sangue
precioso de Cristo, como cordeiro sem defeito nem mancha (1Pe 1,18b-19).
Salmo 115 (116):Senhor, eu sou teu
servo, filho de tua escrava, porém rompeste minhas cadeias.
Este salmo é um cântico de ação de
graças e de confiança no Senhor que libertou das cadeias da escravidão. Este
salmo pode ser lido em três níveis: a canto do povo de Israel, que na liberdade
sabe que o Senhor o libertou da escravidão em que vivia no Egito. Também é o
canato do Cristo ressuscitado, que sabe que seu Pai o libertou das cadeias da
morte.
Porém, também é o santo de toda a
Igreja cristã, libertada das cadeias do pecado pela Páscoa de seu Salvador. A
resposta do orante à libertação com o voto de louvor e sacrifício de ação de
graças, parece privilegiar a alegria e o agradecimento do povo cristão
libertado definitivamente do pecado, da morte e da lei, que celebra esta
reconciliação na eucaristia em presença de seu Senhor, morto e ressuscitado por
ele.
Segunda leitura: 1Cor 11,23-26: Toda vez que comem deste pão e bebem deste cálice, proclamam a morte
do Senhor.
Encontramos aqui o testemunho mais
antigo da celebração eucarística. Paulo transmite a tradição que ele recebeu
dos discípulos de Jesus, ao mesmo tempo que mostra que a eucaristia não é uma
celebração que lembra um fato do passado, mas que está aberta ao futuro, a
todos os tempos, porque nela anunciamos a morte do Senhor, a obra salvífica de
Deus que oferece a todos, em todas as épocas.
A Páscoa judaica tem para os cristão um
novo sentido; como o texto do êxodo narrava a celebração litúrgica judaica,
Paulo mostra a celebração litúrgica cristã como uma nova páscoa, com o anuncio
da libertação sob o sinal do sangue que agora se transformou em pão e vinho. É
o mesmo rito da aliança e da reconciliação, com paralelos que permitem
compreender a celebração cristã a partido do sentido da Páscoa judaica: a noite
da saída do Egito/a noite da Paixão, o cordeiro do êxodo/cordeiro pascal –
memorial das provas do deserto/memorial do sacrifício de Jesus.
Paulo dirige sua atenção sobretudo à
assembléia e mostra como uma celebração indigna da Eucaristia desemboca no
menosprezo do Corpo místico de Cristo, constituído pela assembléia e como esta
é o símbolo da reunião de todos os homens e mulheres no reino e no Corpo de
Cristo. Uma comunidade dividida pelo ódio e pelo desprezo aos demais não pode
dar testemunho dessa união, é antes um escândalo.
Evangelho: João 13,1-15:
Compreendeis o que vos fiz?
Jesus, antes de partir desta vida, quer
que seus discípulos compreendam, com um gesto simbólico o que significa sua
missão: o lava-pés é a expressão do compromisso pelo serviço à comunidade. É
muito significativo que no lugar em que os evangelhos sinóticos colocam a
última ceia, João, sem dizer uma palavra sobre a ceia, descreve o sinal mais
expressivo do amor e do serviço, porque quando havia chegado a hora, no momento
em que sua missão termina, Jesus quer demonstrar seu compromisso definitivo com
a humanidade por meio do serviço.
O lava-pés era um gesto que na
antiguidade mostrava acolhida e hospitalidade; era comum um escravo u uma
mulher, a esposa a seu marido, os filhos a seu pai, um gesto de deferência ou
de consideração excepcional para com os hóspedes. Jesus rompe com a tradição:
não pede ajuda.
Ele, que preside a ceia e dentro dela,
realiza o lava-pés, demonstrando que não há alguém maior que pudesse ser o
primeiro; a comunidade de seus discípulos se conforma na igualdade e na
liberdade como fruto do amor; e o Senhor se converte em servidor, porque a
verdadeira grandeza não está na honra humana, mas no amor que transforma os
homens e mulheres na presença de Deus no mundo.
Tal gesto é compreensível dentro da
teologia da encarnação de João e também no sentido dado por Paulo em Filipenses
2,5-8. Porém, o gesto não aponta simplesmente à apresentação de uma teologia
própria de João, posto que não é difícil encontrar em outra tradição
evangélica, a dos sinóticos, a mesma inspiração naturalmente não dramatizada:
por exemplo em Lucas 22,27, no contexto da ceia, são transmitidas palavras
muito significativas de Jesus no mesmo sentido: Eu estou no meio de vós como
aquele que serve.
Por outra parte, o mesmo relto indica
que o lava-pés é um meio pelo qual os discípulos “tem parte com” seu Mestre (Terás
parte comigo: 13,8), o
que nos faz compreender que tal gesto pertenço ao corpo geral dos preceitos
destinados aos discípulos como uma comunidade cristã, ainda que não seja
difícil referi-lo à atitude de quem é associado à missão do Mestre enquanto
tal.
Estava ceando com seus discípulos, nos
diz o evangelista João. Levantou-se da mesa, deixou o manto e, tomando um pano,
atou-o à cintura. Minuciosamente nos descreve a ceia porque cada um destes
detalhes revelam o verdadeiro sentido da ação que Jesus vai executar: o
verdadeiro amor se traduz em ações concretas de serviço. Quando se diz que
Jesus deixou o manto é como se deixasse de lado sua vida, a vida que ele dá por
seus amigos. Logo depois toma um pano, como o que usavam os serventes que é,
portanto, símbolo do serviço.
Jesus nega a validade dos valores que o
mundo criou; ao colocar-se de joelhos diante dos discípulos, Jesus, Deus entre
os homens, destrói a imagem de Deus criada pela religião: Deus recupera seu
verdadeiro rosto com o serviço. Deus não age como um soberano celeste, mas como
um servidor do homem porque o Pai não exerce domínio, mas que comunica vida e
amor, não legitima nenhum poder nem domínio.
O que Deus faz é levantar os homens ao
seu próprio nível; Jesus é o Senhor, porém ao lavar os pés dos seus fazendo-se
seu servidor, lhes dá também a eles a categoria de senhores. Seu serviço,
portanto, elimina toda diferença, porque na comunidade que ele funda cada um é
livre; por isso são todos senhores por ser todos servidores e o amor produz
liberdade.
Seus discípulos terão a mesma missão:
criar uma comunidade de homens e mulheres iguais e livres porque o poder que se
coloca acima do homem, se coloca acima de Deus. Jesus destrói toda pretensão de
poder, já que a grandeza e o poderio humanos não são valores aos quais ele
renuncia por humildade, mas uma injustiça que não pode aceitar.
Pedro rejeita que o Senhor lhe lave os
pés, o que indica que este não entendeu a ação de Jesus. Ele pensa em um
Messias glorioso, cheio de poder e de riqueza e não admite igualdade. Ainda não
sabe o que significa amor, pois não deixa que Jesus lhe manifesta a grandeza de
seu amor e sua media: assim
como eu vos fiz, fazei-o também vós. A medida de nosso amor aos demais é a
medida em que Jesus nos amou e isto que parece impossível, pode se tornar
realidade se nos identificamos com ele. Deveríamos poder dizer como Paulo: Não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim
(Gl 2,20).
Quanto à sua significação, cada vez
temos que repetir com o mesmo entusiasmo que este relato do evangelho de São
João nos transmite uma mensagem verdadeiramente central da existência em Jesus
Cristo: a vida do Mestre foi um testemunho constante da inversão de valores que
deve estabelecer para poder fazer parte do Reino de Deus. Não é o poder, nem a
dignidade acidental, nenhum outro motivo e dominação o que constitui o segredo
da verdadeira sabedoria de Deus.
O grande valor que enobrece o homem é o
de ter a disposição permanente para servir. Jesus proclamou-o, segundo o
evangelho de João, por meio de uma parábola que tem força incomparável:o mestre
se converteu em escravo. O verdadeiro sentido profundo da existência do Mestre
é o de ser servidor. Uma lógica assim se converte no segredo para edificar um
mundo cuja ração de ser só é revelada pelo próprio Deus.
Não celebramos o lava-pés simplesmente
para recordar um episodio interessante e comovedor da vida de Jesus, mas para
reconhecer em uma expressão sacramental a única maneira possível de ser
discípulo do Mestre.
Também Jesus nos ensinou que há mais
alegria em dar do que em receber. R. Tagore o expressa assim: “Dormi e sonhava
que a vida era alegria. Despertei e vi que a vida era serviço. Servi e vi que o
serviço era alegria”.
Também hoje é a festa dos ministros na
Igreja. É o dia de lembrar o espírito do Senhor no serviço. Ele não veio para
ser servido mas para servir. Uma igreja pobre, que serve, estará sempre próxima
dos que aspiram a uma libertação material e espiritual, dos que empreenderam o
caminho do êxodo.
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