Transfiguração do
Senho
A
festa da Transfiguração do Senhor, celebrada no Oriente desde o século V,
celebra-se no Ocidente desde 1457. Situada antes do anúncio da Paixão e da
Morte, a Transfiguração prepara os Apóstolos para a compreensão desse mistério.
Quase com o mesmo objetivo, a Igreja celebra esta festa quarenta dias antes da
Exaltação da Cruz, a 14 de Setembro. A Transfiguração, manifestação da vida
divina, que está em Jesus, é uma antecipação do esplendor, que encherá a noite
da Páscoa. Os Apóstolos, quando virem Jesus na sua condição de Servo, não
poderão esquecer a sua condição divina.
Lectio
Primeira
leitura: Daniel 7, 9-10.13-14.
«Continuava eu a
olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como
a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o
trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo
que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades
lhe assistiam.O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 13Contemplando sempre a visão
nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho
de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as
soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes
de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não
passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.»
Daniel, em visão
noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os
opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juíz, que avaliará
as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos
contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso “filho de homem” que
vem sobre as núvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina.
No nosso texto já não
se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da
sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que,
embora se insira no tempo, “não é deste mundo” (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre
as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica.
Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e
particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.
Segunda
leitura: 2 Pedro 1, 16-19
Caríssimos: Demo-vos a
conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, não por havermos ido
atrás de fábulas engenhosas, mas por termos sido testemunhas oculares da sua
majestade. 17Com
efeito, Ele foi honrado e glorificado por Deus Pai, quando a excelsa Glória lhe
dirigiu esta voz:Este é o meu Filho, o meu muito Amado,
em quem Eu pus o meu
encanto. 18E
esta voz, vinda do Céu, nós mesmos a ouvimos quando estávamos com Ele na
montanha santa. 19E
temos assim mais confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em
prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que o dia
desponte e a estrela da manhã nasça nos vossos corações.
Pedro e os seus
companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas,
porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus,
seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser “uma lâmpada que
brilha num lugar escuro” (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua
glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da
esperança nesta caminhada. A “estrela da manhã” já brilha no coração de quem
espera vigilante.
Evangelho:
Lucas 9, 28b-36
Naquele tempo, Jesus,
levando consigo Pedro, João e Tiago, subiu ao monte para orar. 29Enquanto orava, o
aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura
fulgurante. 30E
dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, 31os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da
sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas,
despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. 33Quando eles iam
separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos
três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que
estava a dizer.34Enquanto
dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram
atemorizados. 35E
da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto.
Escutai-o.» 36Quando
a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e,
naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.
A Transfiguração
confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e
ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por
Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt
16, 21-27. A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho,
chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus
transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias
são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico
na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica
interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar,
Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros
pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela
permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais
resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo
sofredor (cf Is 42, 1).
Meditatio
Jesus manda os seus
discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João,
para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam
particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição.
Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde
pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas
noites do Oriente. A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça
extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças
extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a
isso. Engana-se. Queria ficar lá: «Façamos três tendas», diz. Não sabia o que
dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos
à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se
vierem, não nos agarremos a elas. Os frutos desta festa são, em primeiro lugar,
o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do
Salvador. «Não são fábulas que vos contamos, diz S. Pedro (2Pd 1, 16), fomos
testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a
montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho
bem-amado, escutai-o». S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a
lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão:
«Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança»
(2Cor 3, 18). – Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará
o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso» (Fil 3,
21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por
Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto
era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração,
estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. «Que bom é estar aqui»,
dizia S. Pedro. «Façamos aqui a nossa tenda». A beleza de Cristo transfigurado,
contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso
Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por
nós. O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos
sacrifícios que quer fazer por nós. Lições também de penitência, de reparação,
de compaixão pelo Salvador. Porque teve de sofrer tanto para nos resgatar,
choremos os nossos pecados, amemos o nosso Redentor, consolemo-lo.
Este é o meu Filho
muito amado: Escutai-o. – A voz do Pai celeste diz-nos: “Escutai-o”, palavra
cheia de sentido, como todas as palavras divinas. Deus dá-nos o seu divino
Filho por guia, por chefe, por mestre. Escutai-o, fala-nos nas leis santas do
Evangelho e nos conselhos de perfeição. Fala-vos nas vossas santas regras, se
sois religiosos; no vosso regulamento de vida, se sois do mundo. Fala-vos pelos
vossos superiores, pelo vosso diretor. Têm a missão para vos dizer a vontade
divina. Fala-vos pela sua graça, na oração, na união habitual com ele. A
palavra de Deus nunca vos falta, é a vossa docilidade que falta habitualmente.
Esta palavra divina - «Escutai-o» - espera de vós uma resposta. Não basta
apenas uma promessa vaga: «hei-de escutar». É preciso uma disposição habitual:
«escuto, escuto sempre; falai, Senhor, o vosso servo escuta». Escutarei no começo
de cada ação, para saber o que devo fazer e como devo fazê-lo. (Leão
Dehon, OSP 4, p. 132s.).
Oratio
Sim, Senhor, quero
doravante escutar-vos. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Senhor, que
quereis que eu faça? A vossa vontade será a minha lei, como a vontade do vosso
Pai era a lei do vosso coração. Para cada uma das minhas ações, farei o que vós
quiserdes. Consultar-vos-ei antes de agir. Falai, Senhor. (Leão Dehon, OSP
4, p. 252).
Contemplatio
Pedro e os seus dois
companheiros, fatigados da caminhada, tinham caído no sono, quando, acordando
de repente, viram Jesus na sua glória, entre dois homens, Moisés e Elias, que
conversavam com Ele. Moisés e Elias, representando a lei e os profetas, vinham
prestar homenagem a Jesus Cristo, no qual se realizavam todas as figuras e
todas as promessas do Antigo Testamento. Vinham reconhecer nele o Messias que
tinham anunciado e esperado. E de que é que juntos conversavam? Falavam, diz S.
Lucas, da sua saída do mundo, que devia cumprir-se em Jerusalém. Falavam do
grande mistério da redenção dos homens pelo sacrifício de Jesus Cristo. Jesus
explicava a Moisés e a Elias todo o sentido das figuras da antiga lei: a
libertação do Egipto, símbolo da redenção; a imolação do cordeiro, figura da
morte de Jesus; a salvação dos filhos de Israel pelo sangue do cordeiro,
símbolo da redenção dos homens pelo sangue do Coração de Jesus. Jesus dizia aos
dois profetas a sua alegria de ver chegar o dia do sacrifício. Oh! Como o seu
amor por nós se manifesta sem cessar! Os apóstolos, à vista deste espetáculo,
são mergulhados numa espécie de êxtase. Julgam-se transportados ao céu. S.
Pedro, sempre ardente, é o primeiro que manifesta o seu sentimento: Senhor,
diz, que bom é estar aqui; façamos aqui três tendas, uma para vós, uma para
Moisés, uma para Elias. S. Pedro é humilde e desinteressado; esquece-se, e não
pensa em montar uma tenda para si. Ele não quer ser senão o servidor de Jesus.
Mas isso é ainda muito. Ele não compreendeu que é preciso comprar a recompensa
através das provações. A glória definitiva não virá senão depois da cruz e do
sacrifício. Trabalhemos, sejamos generosos. A recompensa virá quando agradar a
Deus. S. Pedro reconheceu mais tarde que não sabia o que dizia naquele dia, e
fê-lo notar pelo seu evangelista, S. Marcos. (Leão Dehon, OSP 3, p.
250s.).
Actio
Repete muitas vezes e
vive hoje a palavra:
“Este é o meu Filho
predilecto. Escutai-o.” (Lc 9, 35).
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