QUINTA-FEIRA SANTA
“Dei-vos o exemplo”
Passaram-se dois mil anos e essas palavras ainda ressoam aos nossos
ouvidos: “dei-vos o exemplo”. A história da Igreja está cheia de santos, homens
e mulheres que souberam dar a sua vida por Cristo, seguindo fidelissimamente o
Senhor Jesus: desde são Pedro e os demais apóstolos, passando por santa Maria
Madalena, santa Inês, são Bento, são Francisco de Assis, são Tomás de Aquino,
santa Teresa D’Ávila, são João Maria Vianney, santa Teresa do Menino Jesus, até
os santos mais recentes como são Josemaría Escrivá e o futuro beato João Paulo
II, todos foram luzes acesas mostrando-nos em cada momento da história por onde
teríamos que ir, ou seja, pelo Caminho, por Cristo. Ao lado dos grandes
exemplos de caridade e de serviço ao próximo, houve aqueles que não quiseram
servir a exemplo do Senhor. Judas o traidor, Juliano o apóstata, tantos hereges
e tantos cismáticos; tanta gente que nós não podemos julgar, mas que deixaram
atrás de si a marca suja e nojenta de um contra testemunho que também perdurou.
Quanto se exige dos cristãos! Aqueles que nos olham desde fora, porque ainda
não pertencem a essa grande família de filhos de Deus por graça, gostariam de
ver que nós somos mais desapegados dos bens materiais do que os outros, mais
dados às obras de caridade; pedem de nós pureza de coração, castidade e uma
vida de oração que seja condizente com aquilo que nós pregamos. Enfim, querem
ver santidade em nós. Querem ver que vivemos unidos. Hoje, por exemplo,
quinta-feira santa: quão bonito ver o bispo e o clero, assim como tantos outros
fiéis, reunidos para celebrar um momento que expressa a comunhão eclesial na
missa do Crisma! Essa unidade é tão somente para essa manhã ou é algo
permanente entre nós? Quantas palavras bonitas: diálogo, comunhão,
fraternidade, serviço, caridade, solidariedade! Mas… dentro dos grupos da
igreja, quanta rivalidade! Entre os movimentos, quantos desejos de ocupar o
primeiro lugar para assemelhar-se às estrelas! Entre tendências legítimas,
todas católicas, quanta falta de respeito à opinião dos irmãos! Em relação aos
êxitos dos outros que trabalham por Cristo como nós, quanta inveja! Há muito
que purificar, há muito que melhorar, há muito por amar. Jesus pede a cada um
de nós o esforço por lavar os pés dos outros, segundo o exemplo que ele nos
deixou. Quanto custa! Especialmente quando os pés a serem lavados são ásperos,
fedem, têm chulé e calos. Suportar a carga não é fácil! Conviver com um irmão
chato, demasiado calado ou demasiado loquaz, é sempre mais difícil que conviver
com um santo. Mas não podemos esperar que somente os outros sejam santos devido
à nossa colaboração, mas também aproveitar as debilidades dos outros para
santificar-nos. O exemplo de Cristo é um serviço materializado, não em geral ou
em abstrato. De fato, viver a caridade com o Papa ou com o Presidente da
República é sempre mais fácil que com aqueles que temos perto de nós. É somente
quando se vive lado a lado que se percebe as qualidades do outro. Também nos
damos conta dos defeitos: o mau olor de uma pessoa, o mau hálito da outra, a
pouca ou nula boa educação de um terceiro. É nessas circunstâncias que fica
mais difícil viver a caridade e o espírito de serviço. Caso se queira servir
bem e promover a unidade, será preciso evitar as atitudes de três senhores, a
do Sr. Perfeito, a do Sr. Tranquilo e a do Sr. Tragédia. De momento, basta com
caracterizá-los um pouco. O Sr. Perfeito é muito exigente com os outros, ainda
que frequentemente seja pouco consigo mesmo. A sua atitude geralmente é
orgulhosa; tem uma visão de águia, não pela amplidão, mas porque olha a todos
por encima do ombro e vive ignorando as pessoas. O Sr. Perfeito pensa de si
para si, sobre si e consigo mesmo. Ele acha que todos sabem muito, mas muito
menos que ele; que muitos podem até ser bons, mas ele é o melhor; que muitos
podem até ir à Missa e fazer umas quantas obras de caridade, mas ele vai a
todas e vive gastando dinheiro em boas obras. O Sr. Perfeito amiúde é capaz de
ficar verdadeiramente irado se alguém faz uma coisa melhor do que ele ou quando
um “fulaninho” ousa contradizer as opiniões dele. Ao fim e ao cabo, o Sr.
Perfeito sempre tem a razão. Quase canonizável, o Sr. Perfeito sabe muito bem
para que servem os outros… para admirá-lo. Já o Sr. Tranquilo, a diferença do
seu vizinho, o Sr. Perfeito, é de uma indiferença que impressiona: não se
preocupa com ninguém, isso não é da sua conta, aquilo não lhe compete, aquele
problema já se resolverá; quanto às necessidades dos outros que são meramente
temporais, tudo se solucionará com o tempo, pensa ele. A crise econômica é,
segundo ele, somente coisa dos políticos. Que estranho há em tudo isso? Nada. O
Sr. Tranquilo é… tranquilo. Ele simplesmente não se preocupa! Para que servem
os outros? Para fazer aquelas coisas que ele, para não fatigar-se, não ousa
desafiar a própria preguiça e a indiferença em relação aos seus semelhantes. Há
um terceiro indivíduo, o Sr. Tragédia. Que coisa tão horrível! Não me diga!
Isso aconteceu de verdade! Eu sabia! Eu tinha avisado para ele não se juntar
com aquele indivíduo! Socorro! Alguém pode me tirar desses apuros! Essas e
outras exclamações são comuns na boca do Sr. Tragédia. Ele sabe muito bem
chamar a atenção e é consciente de que os outros servem para manifestar
admiração diante do que ele conta e para sentir compaixão da situação tão complicada
pela qual ele está passando quase eternamente. Sem dúvida, ninguém o entende,
alguns o esquecem, todos são indiferentes às dores dele. No fundo, ele queria
que o mundo se prostrasse aos seus pés para servi-lo e visse quão necessitado
ele se encontra do serviço de todos e de todas. Ele, no entanto, permanece
sempre como a vítima única e absoluta. Fico até a imaginar se um dia o Sr.
Perfeito, o Sr. Tranquilo e Sr. Tragédia se encontram. No entanto, como essa
homilia já está ficando muito larga, deixemos para contar a história dos nossos
amigos sui generis talvez num romance ou numa comédia. Seria um livro
interessantíssimo que talvez eu nunca escreverei. Uma coisa está clara, nenhum
desses senhores gostam de servir segundo o exemplo de Jesus. Eles desejam ser
servidos. Nós, ao contrário, queremos evitar que na nossa vida entre a triste
caricatura desses senhores que, de alguma maneira, já estão presentes na nossa
vida. Queremos dizer a Cristo todos os dias: “Senhor Jesus, eu te servirei,
hoje e sempre, concretamente, em tudo o que Senhor me pedir e em cada ocasião.
Senhor, ajuda-me!” Assim a nossa comunhão fraterna será cada vez mais real e
tangível.
padre Françoá Costa
O Tríduo Pascal é inaugurado com a celebração desta noite. Celebramos
nesta noite um “adeus”: a despedida de alguém que vai voltar para o Pai, mas
que concomitantemente, deixa uma profunda nostalgia, sobretudo por causa do
modo como essa despedida será levada a efeito, na noite seguinte. Assim,
esta celebração está envolvida de um mistério de alegria, de júbilo, de
encantamento, principalmente quando cantamos o Glória, o Hino de Louvor, ao som
dos sinos manifestando a grandeza da misericórdia de Deus. Mas é uma alegria em
tom menor, misturada com lágrimas e lamentos, uma alegria reticente, uma
alegria inibida. É a única celebração litúrgica do ano em que se entoa o glória
e não se canta o Aleluia! Isso porque esta liturgia reflete bem o espírito dos
fiéis diante dos últimos acontecimentos de Jesus. Eles sabem o que os Apóstolos
naquele noite não sabiam: que Jesus está trilhando o horizonte, o seu caminho
até a glória. Ao mesmo tempo, porém, sentem profundamente a dor desta noite de
traição e de aflição.
Estamos diante do Testamento que Jesus nos legou: a Eucaristia, o Sacerdócio
e o Amor Fraterno. Celebramos a última Ceia do Senhor, porque nessa noite Jesus
foi traído por Judas Iscariotes. Nesta noite Jesus foi preso no Jardim das
Oliveiras. Nesta noite Jesus foi levado, amarrado, à casa de Caifaz, e acusado
de se fazer Filho de Deus. Aquele que assumira a condição humana por amor,
sofre o ódio e a perseguição. Aquele que passou pelo mundo fazendo o bem; é
preso e é açoitado como criminoso. Essa é à noite da traição. Essa é à noite do
beijo de Judas. Noite do não da parte da criatura humana à verdade de Deus.
Mas não viemos aqui para celebrar a maldade. Viemos aqui para celebrar o
amor e a fidelidade. Vamos atualizar o mistério da instituição da Eucaristia,
como dom de Deus para cada um de nós. Queremos celebrar, viver o amor e a
fidelidade de Deus, encarnados na pessoa santíssima de Jesus de Nazaré,
manifestados em três grandes gestos que podem ser o seu testamento: a
instituição da Eucaristia, a instituição do Sacerdócio Ministerial e o anúncio
do seu Evangelho que consiste no amor fraterno. Tudo isso foi legado na sala do
Cenáculo, uma casa particular, para ser anunciado e vivificado por todos os
seus Seguidores. Instituídos no interior de uma residência estes tesouros são
levados para o mundo, como sinais da nova aliança de Deus com a humanidade.
Nova aliança que gera e transforma esta noite, de noite da traição em noite do
amor e da fraternidade, em noite da misericórdia e da acolhida, em noite da
santidade e da graça.
Vamos refletir um pouco sobre o mistério que celebramos com fé: a Santa
Eucaristia. Com a instituição da Eucaristia Jesus permanece em nosso meio, em
forma de alimento, de comida, na fração do pão que se transforma no corpo e na
espécie do vinho que se transforma no sangue do Redentor. Jesus está em nosso
meio como família, como alimento pascal, como alimento eterno. O próprio Cristo
instituiu a Eucaristia ao afirmar: “Tomai todos e comei. Isto é meu Corpo;
Tomei e bebei, Isto é o meu Sangue!” Jesus é o próprio Pão Vivo que desceu do
céu para nos salvar. Quem comer deste pão viverá eternamente. Promessa feita
por Jesus que foi realizada na última Ceia e que nós atualizamos diariamente
nas Igrejas do mundo inteiro, fazendo memória do mesmo sacrifico do Cristo. Na
forma visível, palpável do pão, mas numa presença misteriosa, real e
verdadeira, que encanta nossa existência nos tornando filhos do Senhor presente
em nosso meio.
Eucaristia mistério que nossa inteligência não pode explicar, mas que
devemos com candura de coração e de alma acreditar. Este inaudito mistério, o
mistério inefável, isto é, que não pode ser expresso por palavras, mas vivido e
acreditado, porque a Eucaristia é “o fundamento, o centro e o ponto mais alto
da vida cristã”.
A segunda reflexão desta noite é sobre o Sacerdócio. O Sacerdócio foi
instituído para que a Eucaristia fosse celebrada como dimensão maior da
expressão do amor divino pela humanidade. Ao celebramos a Santa Missa,
celebramos o amor, o Sacramento da Vizinhança de Deus, o Sacramento da presença
de Deus, o Sacramento da Comunhão. Assim Jesus instituiu os Sacerdotes, o seu
segundo gesto grandioso como divindade, misterioso como a Eucaristia, mas cem
por cento humano: instituiu o sacerdócio, fez o padre e o ligou para sempre à
origem e à finalidade da Eucaristia. A partir da última Ceia, é o sacerdote – e
exclusivamente o sacerdote de Cristo – que faz a Eucaristia, que a celebra. Ela
é a principal e central razão do ser do sacerdócio. Sacerdote, dom divino que o
Cristo, sumo e eterno sacerdote do Pai, quis repartir com o homem; e significa
também aquele que faz as coisas sagradas, o dispensador dos mistérios divinos e
o santificador do povo de Deus.
Sobre a vida sacerdotal, na missa do Crisma dom Eurico dos Santos
Veloso, assim vaticinou: “queridos padres, meus irmãos, vamos fazer a nossa reflexão
sobre o único aspecto de são José: Pai de Jesus Cristo, é a sua paternidade que
tem certa analogia com a nossa fraternidade, Padre = pai.
Por isso podemos cantar: Vinde alegres cantemos, a Deus demos louvor.
A um Pai exaltemos sempre com mais fervor. São José a vós nosso amor,
sede nosso bom protetor. Aumentai em nós o fervor.
Será que a nossa paternidade sacerdotal tem afinidades com a de São
José?
Será que a nossa vida sacerdotal comporta a fidelidade às virtudes das
quais José nos deu o exemplo? Vejamos...
A paternidade de José e a nossa.
Pedindo-nos a renúncia de ser pais segundo a carne, o Senhor nos
ofereceu uma outra paternidade, de origem infinitamente superior: uma
paternidade que eu diria virginal, sim virginal, em relação a Ele, em seu Ser
Eucarístico, e uma, não menos virginal, para com as Pessoas nas quais
misticamente, Ele quer nascer e crescer. (eucaristia - batismo).
Ainda ressoa em nossos ouvidos as palavras daquele que nos fez
presbíteros: “Recebe o poder de oferecer o Sacrifício a Deus.” (accipe
potestatem oferre sacrificium Deo”)... e nas admoestações: “Ainda que todo
o povo de Deus seja em Cristo um sacerdócio régio, Jesus Cristo escolheu alguns
discípulos, escolheu você, a mim, para exercermos, em Seu nome e publicamente
na Igreja, o ofício sacerdotal, em favor da humanidade.”
A nos cabe continuar a sua função de Mestre, Sacerdote e Pastor e assim
fomos constituídos para servir ao Cristo Mestre, para servir ao Cristo
Sacerdote e para servir ao Cristo Pastor, edificando e fazendo crescer o Seu
Corpo que é a Igreja, Novo Povo de Deus, Templo do Espírito Santo. Meus caros
padres, fomos constituídos para celebrar o Culto Divino, principalmente no
Sacrifício do Senhor, que pelas nossas mãos é oferecido sobre o altar.
E isto, meu caro padre, cada vez que celebramos a Santa Missa, fazemos
eucaristicamente nascer Jesus para o mundo. E não é também sem um gemido
interior, onde a ação de graças se mistura às dores do parto, que fazemos
nossas, as palavras de Paulo, resumindo admiravelmente a nossa missão referente
às pessoas: “Meus filhinhos, que de novo estou dando a luz na dor, até que
Cristo seja formado em vós.” (Gal. 4,19)”
O amor deve ser sempre o sinônimo da acolhida que, por conseguinte gera
a paz. Amor, perdão que gera comum união com o Cristo, que é a terceira lição
que Jesus nos dá na noite de hoje. Jesus levanta-se da mesa, coloca um pano
sobre a sua cintura, pega um pouco de água, se ajoelha e começa a lavar os pés
dos apóstolos, dos seus discípulos, um por um. Lavar os pés para o povo hebreu
era o maior gesto de humildade e até de humilhação. Mas Jesus quis ensinar os
seus sacerdotes que este deveria ser o gesto de todos os seus seguidores: estar
a serviço do outro, especialmente daqueles que passam necessidades especiais.
Lavar os pés, amar o irmão, perdoar, servir, fazer todos os gestos de justiça
de misericórdia e de amizade. E celebrando estes gestos presidir a Eucaristia
colocando em prática o que dá no testemunho.
Viver estas obras de caridade no quotidiano, assim a Eucaristia só se
torna verdadeira comunhão, verdadeira comum/união, se aprendermos a viver a
lição do Lava-pés: a lição do amor, a lição do perdão, a lição da amizade, que
nos permite seguir o nosso egoísmo, mas ensina a servir a todos; que não nos
permite a exploração de ninguém, mas nos ensina a conviver em volta da mesma
mesa, respeitando as diferenças e os carismas de cada um.
Celebremos com fé, com a Igreja, Comunidade de amor, alimentada e
expressa pela Eucaristia e animada pelos ministros ordenados, o mistério pascal
de Cristo. Nesta noite ele é entregue e entrega-se aos discípulos como Corpo
dado e Sangue derramado, antecipação de sua total entrega ao Pai.
Que possamos todos, fiéis e presbíteros, todos sacerdotes pelo mesmo
batismo, sair desta celebração vivendo intensamente o mistério do amor de
Cristo que nos chama a conversão e a vivência de uma fé misericordiosa e
participativa, gerando compromisso de autenticidade cristã.
padre Wagner
Augusto Portugal
"Ceia do Senhor"
A 1ª leitura fala da Instituição da Páscoa judaica. (Ex 12,1-8.11-14)
Deus ordena aos hebreus a imolarem um cordeiro perfeito, a tingirem com seu
sangue as portas das casas, para que fossem poupados do extermínio dos
primogênitos, e em seguida, comê-lo às pressas, como quem vai viajar. Naquela
noite, preservados pelo sangue do cordeiro e nutridos com a sua carne, deveriam
iniciar a marcha para a Terra Prometida. Teriam de repetir esse rito todos os
anos, em memória do fato. É a Páscoa dos judeus. memória da libertação e
anúncio de uma libertação futura (a Páscoa Cristã). Jesus escolhe a celebração
da Páscoa dos judeus para instituir a nova, em que ele é o verdadeiro cordeiro,
imolado na cruz e comido na ceia eucarística. Por isso a Páscoa cristã também
tem sentido de Libertação, de partilha, de preservação da vida, Memorial dos
feitos de Deus... Na 2ª leitura, temos uma narrativa da instituição da
Eucaristia: É o 1º escrito do Novo Testamento, que fala da Eucaristia. (1Cor
11,23-26) Jesus se entrega na Comunhão... Judas entrega o Cristo, na traição.
No Evangelho, Jesus mostra com o gesto concreto do "Lava-pés", o
espírito que devem ter os convidados à Ceia. (Jo 13,1-15) Jesus nos convida a
penetrar com um olhar mais profundo e amoroso o inefável Mistério que se
cumpriu pela primeira vez no Cenáculo... e que hoje se perpetua no Altar...
a) É aniversário da instituição da Eucaristia e Vigília da morte do
Senhor. "Tendo amado os seus... amou-os até o fim, até a
morte..." (S. João) ... "Na noite em que ia ser entregue..." (S.
Paulo) Tremendo contraste: da parte de Cristo: amor infinito, amou-os até o
fim, até a morte; da parte dos homens: traição, negação, abandono... A
Eucaristia é a resposta do Senhor à traição de suas criaturas. Mesmo que a
morte o arrebate desse mundo, dentro de poucas horas, ele perpetuará aqui a sua
presença real e viva até o fim dos tempos... b) dia do Sacerdócio: Para
perpetuar essa Eucaristia através dos tempos... através dos lugares: cria o
sacerdote: "Fazei isto em memória de mim.."Uma pessoa humana...(com
suas limitações...) mas com uma missão divina... a serviço do Povo de Deus:
Guiar (Rei, Pastor), Evangelizar (Profeta), Santificar (Sacerdote)...c) Seu
Testamento: O Mandamento Novo: "Amai-vos uns aos outros, como eu vos
amei..." Jesus não ficou só nas palavras. Quis mostrar seu amor com um
gesto concreto. O lava-pés e a instituição da eucaristia são sinais do mesmo
amor sem fronteiras de Cristo.no Cenáculo, durante a Ceia Pascal, Jesus como
Mestre e Senhor, despoja-se do manto, pega uma bacia e põe-se a lavar os pés
dos discípulos. Oferecer água para lavar os pés era sinal de hospitalidade e
acolhida. Na ação de Jesus, revela-se o rosto solidário e amoroso do Pai. O
lava-pés é um gesto profético, que antecipa o sentido da cruz: a entrega de
Jesus por amor até o fim. Todos somos convidados a participar desse gesto de
Cristo... Senhor do lava-pés, eu te peço: Tome novamente o jarro de água e a
bacia. Repita aquilo que fizeste, há 20 séculos; sai de tua mesa e vem lavar os
nossos pés... Deixar-se lavar por Jesus significa comungar com seu projeto de
amor, que o levou a entregar a sua vida pela nossa salvação. Vem, Senhor, lavar
os nossos pés para que possamos nos sentar para sempre em tua mesa, no eterno
convívio da alegria e do amor. A operação lava-pés não deve parar apenas em
palavras bonitas, mas em gestos concretos a serviço dos irmãos, o gesto de
lavar agora os pés de 12 pessoas de nossas comunidades, deveria nos animar a
iniciar também em nossa vida a operação lava-pés...
padre Antônio Geraldo Dalla Costa
A festa mais importante dos judeus era a Páscoa, que comemorava a
passagem da escravidão no Egito para a liberdade na Terra Prometida e a
revelação de Deus no Sinai. Celebrava-se, não no Templo nem nas sinagogas, mas
em cada casa, no contexto de uma ceia presidida pelo chefe de família. Os
discípulos, que se consideram uma família, perguntam a Jesus onde é que Ele
quer fazer a festa. (Mt. 26,17-19).
Jesus advinha que o Sinédrio resolveu prendê-lo e condená-lo à morte.
Manda preparar a ceia em casa de um seu conhecido, na véspera ou na
antevéspera, da data oficial. (A data oficial era a noite de sexta para sábado,
mas certos grupos tinham o costume de a antecipar. A escolha de Jesus não
parecia pois demasiado insólita). De resto, no pensamento de Jesus, esta ceia
transcende a festa dos judeus. Será a Ceia da Nova Aliança, a Ceia da sua
despedida, a Ceia da sua presença.
Os discípulos estavam habituados a sentar-se à mesa com Jesus. Conheciam
o seu gesto de abençoar o pão e o vinho da refeição. (Será nesse gesto que os
discípulos de Emaús o irão reconhecer). Mas, nessa tarde, Ele acrescentou um
elemento novo.
“Antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora de
passar deste mundo para o Pai, Ele, que tinha amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até ao fim. (…). Decorria a Ceia. Jesus, sabendo que o Pai tudo
pusera nas suas mãos, que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da
mesa, tirou o manto, (…) e começou a lavar os pés aos discípulos. (…). Depois
de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e
disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor, e
dizeis bem, porque o sou. Ora se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés,
também vós deveis lavar os pés uns aos outros. (…) Uma vez que sabeis isto,
felizes de vós, se o puserdes em prática»” (Jo 13,1-17). O Antigo Testamento
exigia que o homem se purificasse antes de se dirigir a Deus, S. Paulo vai
recomendar ao cristão que se examine a si próprio antes de comungar (1Cor.
11,28). Neste gesto do lava-pés, o Senhor ensina-nos que a purificação começa
com a disposição de “lavar os pés” aos irmãos.
Os judeus acreditavam que Deus tinha firmado com o seu povo uma Aliança,
inaugurada com a vocação de Abraão e confirmada no Sinai. Aguardavam o Messias,
que levaria a Aliança à perfeição. O Pai envia como Messias o seu próprio
Filho, Jesus. Mas os judeus não o aceitam. E Ele inaugura a Nova Aliança,
firmada no Sangue da cruz, aberta a todos os homens e nações. “Este cálice é a
Nova Aliança no meu Sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em
memória de Mim”. (1Cor. 11,25. cf. Mt. 26,26-29; Mc. 14,12-16; Lc. 22,7-13).
Muitas civilizações tinham oferecido a Deus sacrifícios. O sacrifício
era um dom simbólico, a exprimir a nossa gratidão e obediência. A vinda de
Cristo vem abolir esses sacrifícios. Ele próprio é o dom real e definitivo. O
dom de Cristo (a epístola aos Hebreus volta a chamar-lhe sacrifício, Hb.
5,1-10; 9,11-26) é o seu amor até ao fim, até ao extremo da cruz.
A Eucaristia será mais do que um simples cear na presença de Jesus. É
comunhão com Ele, no seu Corpo e Sangue, o Corpo que vai sofrer, o Sangue que
vai ser derramado na cruz. Será, por isso, participação real na sua vida, na
sua morte, na sua ressurreição. São Paulo vai escrever: “Sempre que comerdes
deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele
venha” (1Cor. 11,26).
Era a despedida: “Eu vos digo que não mais a comerei até que ela se
realize no reino de Deus” (Lc. 22,16). Era a presença, conosco, para sempre. Só
acessível à fé.
padre João Resina
“Jesus nosso alimento”
1. Evocamos, nesta celebração, a última Ceia do Senhor.
Tradicionalmente, baseando-nos na cronologia sugerida pelos Evangelhos
sinópticos, coincidiu com a Ceia Pascal do ritual judaico, a grande celebração
da Páscoa judaica. São João sugere outro encadeamento dos acontecimentos. Jesus
tem consciência da proximidade da sua morte, sabe que já não celebrará a Páscoa
desse ano e por isso se antecipa, comendo uma última refeição com os seus
discípulos, uma “última Ceia”, a que imprime toda a densidade do que está a
viver, o sentido da sua morte que se aproxima, o dom da sua vida, a certeza da
ressurreição, porque sabe que o Pai não O abandonará. Aquela sua “última Ceia”
é pascal, não porque é a Páscoa judaica, mas porque Ele celebra nela a sua
Páscoa, a nova Páscoa. Aí, a sua vida oferecida torna-se decisiva para a vida
dos homens. Seria pouco provável que o processo e a condenação de Jesus
acontecessem durante a festa da Páscoa judaica, nesse ano, celebrada, segundo o
calendário lunar, desde o pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de
sábado. São Marcos, referindo-se à decisão das autoridades de se apoderarem de
Jesus, põe na sua boca: “durante a festa não, para que o Povo não se revolte”
(Mc. 14,2). E São João, narrando o processo de Jesus, diz que as autoridades se
recusaram a entrar no pretório de Pilatos “para não se contaminarem e poderem
celebrar a Páscoa” (Jo. 18,28).
Jesus morreu antes de começar a Páscoa judaica, portanto antes do pôr do
sol de sexta-feira. São João confirma isto mesmo, quando narra a sepultura de
Jesus: “Por causa da preparação dos judeus, como o túmulo (de José de
Arimateia) estava perto, foi lá que depositaram Jesus” (Jo. 19,42). Portanto
Jesus morreu ainda durante a preparação judaica para a grande festa, de que
fazia parte a imolação dos cordeiros[1]. Naquele ano é imolado um outro
cordeiro, Jesus Cristo, o verdadeiro Cordeiro Pascal.
2. Este é o primeiro elemento significativo a indicar-nos que Jesus, na
sua Páscoa, se assume como alimento de todos quantos quiserem, com Ele, ratificar
a nova Aliança com Deus, e que Ele explicita na Ceia: “Isto é o meu Corpo,
tomai e comei” ou, na versão de Paulo, “isto é o meu Corpo, que é para vós”.
Ouvimos na primeira Leitura desta celebração, o sentido do cordeiro pascal na
Liturgia judaica. É, ao mesmo tempo, alimento e celebração. Alimento, comido à
pressa, de quem está para partir, encetar um caminho novo, em ordem à
libertação e à terra prometida. É celebração porque o seu sangue, aspergido
sobre as portas, é sinal da predileção de Deus pelo seu Povo, poupado no dia da
exterminação dos primogênitos. Nenhuma celebração da Páscoa é alimento, se não
for, simultaneamente, ação de graças e louvor.
Naquele ano, Jesus é, na totalidade da sua pessoa, o Cordeiro da nova
Páscoa, alimento indispensável para todos os que, acreditando n’Ele, se querem
pôr a caminho. No ritmo daquela última Ceia, Jesus alia o alimento ao louvor de
Deus. As quatro narrativas da instituição da Eucaristia referem que Jesus tomou
o Pão, pronunciou a oração de bênção e de agradecimento e depois partiu-o. A
“berakha”, a grande oração de agradecimento e bênção da tradição judaica, é
traduzida por “eucaristia”. Ao partir e distribuir o Pão, Cristo dá-se a Si
mesmo como alimento de quem o quer seguir e agradece a Deus o fato de não O abandonar,
mas de O ressuscitar dos mortos. Como afirma Bento XVI, “as palavras da
instituição situam-se neste contexto de oração; nelas, o agradecimento torna-se
bênção e transformação”[2]. A Eucaristia é bênção, isto é, força para a
caminhada e louvor pela certeza da fidelidade de Deus à nova Aliança com o seu
Povo.
Depois da oração de bênção, Jesus partiu o Pão. Partir, para distribuir,
para partilhar. É o gesto do pai de família. Este pão partilhado gera comunhão.
No caso da Eucaristia, relativizou-se a função deste Pão como alimento do
corpo, para valorizar o fortalecimento desta experiência de comunhão, com o
Senhor e com os irmãos. Bento XVI comenta: “Este gesto humano primordial de
dar, de partilhar e unir, adquire, na última Ceia de Jesus, uma profundidade
inteiramente nova: Ele dá-se a Si mesmo. A bondade de Deus, que se manifesta na
distribuição, torna-se totalmente radical no momento em que o Filho, no Pão, se
comunica e distribui a Si mesmo” [3].
3. O pão, alimento básico do homem, tem uma grande força simbólica. Já
no Antigo Testamento, durante a travessia do deserto, em que, se Deus não o
alimentasse, o Povo morreria à fome, surge o Pão vindo do Céu: “Deus disse a
Moisés: vou fazer chover Pão do alto dos Céus” (Ex. 16,4). Na disputa com os
fariseus, depois da multiplicação dos pães, Jesus anuncia que o verdadeiro Pão
que alimenta para a vida eterna é Ele próprio: “Eu sou o Pão da vida. Os vossos
pais comeram o maná no deserto e morreram; este Pão é o que desce do Céu, para
que O comamos e não morramos. Eu sou o Pão vivo descido do Céu. Quem comer
deste Pão viverá para sempre” (Jo. 6,49-51). Naquela sua Páscoa, a vida que
Jesus anuncia e quer comunicar, é a sua vida de ressuscitado. Cristo-Pão é
garantia para sempre. A sua ressurreição será a maior prova de amor de Deus,
seu Pai, para com o seu Filho feito Homem. Jesus ao partir e distribuir o Pão,
partilha o que de mais precioso Ele vai receber de seu Pai. No deserto, Deus,
ao alimentar o seu povo peregrino, dá-lhe pão e carne, ambos descidos do Céu
(cf. Ex. 16,8). Neste novo Pão, que é Cristo, Ele é pão e carne, isto é, o
alimento completo para a caminhada: “O Pão que Eu vos der é a minha Carne para
a vida do mundo” (Jo. 6,51). Naquela Ceia, Jesus sabe que só Ele é o alimento
que convém. Quem quiser caminhar, na fidelidade à nova Aliança, de que o seu
Sangue derramado é o sinal, tem de ter Cristo como alimento. “Isto é o meu
Corpo, tomai e comei”; “isto é o meu Corpo, que é para vós”. O alimento de que
precisamos é a força da comunhão.
4. Neste gesto e nestas palavras da sua última Ceia, Jesus assume que
toda a sua Pessoa é um ser para nós, para que nós, fortalecidos pelo alimento
que Ele é, sejamos seres para Ele. Ouçamos Bento XVI: “Toda a sua índole é
qualificada com a expressão «pró-existência», um existir não para Si mesmo, mas
para os outros; e isto não apenas como uma dimensão qualquer desta existência,
mas como aquilo que constitui o seu aspeto mais íntimo e abrangente. O seu ser
como tal é um «ser para». Se conseguirmos entender isto, ter-nos-emos então
aproximado verdadeiramente do mistério de Jesus, saberemos então também o que
significa seguimento” [4].
5. A experiência cristã confirmará esta força da Eucaristia como
alimento? Conhecem-se, na História da Igreja, casos extraordinários de pessoas
que se alimentaram, durante um tempo, só da Eucaristia que, nesses casos, foi
também pão para o corpo. São casos excepcionais cujo sentido é sublinhar
realisticamente que Cristo Eucarístico é mesmo alimento. Mas não é a fome do
corpo que a Eucaristia sacia. É o desejo de fazer da Páscoa de Jesus a nossa
Páscoa, de O conhecermos, de O amarmos, de experimentarmos na comunhão com Ele
a alegria da vida eterna. Que o digam aqueles que encontraram na Eucaristia a
força que os levou a dar sentido novo à vida, a dar sentido ao sofrimento, a
vencer tentações e a ser fiel em situações difíceis; que na Eucaristia
aprenderam a amar o Senhor.
d. José Policarpo
NOTAS
1 Para a cronologia da Páscoa de Jesus, ver Bento XVI, Jesus de Nazaré,
vol. II, pp. 94ss 2 Ibidem, p. 110
2 - Ibidem, p. 110
3 Ibidem, p. 111 4
4 Ibidem, p. 115
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