06º Domingo do Tempo Comum - Ano B
14 Fevereiro 2021
Ano B
6º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 6º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum
apresenta-nos um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que convida todos
os homens e todas as mulheres a integrar a comunidade dos filhos amados de
Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas
de discriminação ou de marginalização dos irmãos.
A primeira leitura apresenta-nos a legislação que definia a forma de tratar com
os leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, os
homens são capazes de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em
nome de Deus.
O Evangelho diz-nos que, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos
vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a
mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a
comunidade do "Reino". Deus não pactua com a discriminação e denuncia
como contrários aos seus projectos todos os mecanismos de opressão dos irmãos.
A segunda leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus
e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na
obediência incondicional aos projectos do Pai e fez da sua vida um dom de amor,
ao serviço da libertação dos homens.
LEITURA I - Lev 13, 1-2.44-46
Leitura do Livro do Levítico
O Senhor falou a Moisés e a Aarão,
dizendo:
«Quando um homem tiver na sua pele
algum tumor, impigem ou mancha esbranquiçada,
que possa transformar-se em chaga de lepra,
devem levá-lo ao sacerdote Aarão
ou a algum dos sacerdotes, seus filhos.
O leproso com a doença declarada
usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho,
cobrirá o rosto até ao bigode e gritará:
'Impuro, impuro!'
Todo o tempo que lhe durar a lepra,
deve considerar-se impuro
e, sendo impuro, deverá morar à parte,
fora do acampamento».
AMBIENTE
O Livro do Levítico trata, sobretudo, de
questões relacionadas com o culto (que era incumbência dos sacerdotes,
considerados membros da tribo de Levi). Literariamente, o livro apresenta-se
como um conjunto de discursos que Jahwéh teria feito a Moisés no Sinai e nos
quais teria explicado ao Povo o que este deveria fazer para viver sempre em
comunhão com Deus, no âmbito da Aliança.
Na realidade, o livro apresenta um conjunto de leis, de preceitos, de ritos de
épocas e proveniências diversas, reunidos ao longo de vários séculos e
reelaborados pelos teólogos da "escola sacerdotal". A grande maioria
dessas leis, ritos e preceitos dizem respeito à vida cultual e pretendem
ensinar os israelitas a viver como Povo de Deus e a responder, de forma
adequada, ao amor e à solicitude do Deus da Aliança. Fundamentalmente, o
Levítico preocupa-se em instilar na consciência dos fiéis que a comunhão com o
Deus vivo é a verdadeira vocação do homem.
O texto que nos é proposto pertence à terceira parte do Livro do Levítico (cf.
Lv 11-16), conhecida como "lei da pureza". Aí, apresentam-se os
vários géneros de "impureza" que impedem o homem de se aproximar do
santuário, bem como os ritos destinados a "purificar" o homem.
A noção de pureza ou de impureza que aparece no Livro do Levítico está muito
próxima da noção de "tabu" que os especialistas da história das
religiões conhecem bem. Supõe-se que o homem deseja a sua vida balizada por
regras bem definidas, que o protejam da angústia e do risco do desconhecido.
Tudo o que é excepcional, anormal, insólito, misterioso, destrói a harmonia e o
equilíbrio e pode libertar forças incontroláveis que o homem não domina.
Desde tempos imemoriais, certos "tabus" interditavam aos israelitas o
contacto com determinadas realidades (o sangue, um cadáver, certos tipos de
alimentos, etc.). Se o homem entrava em contacto com essas realidades, ficava
"impuro". O contacto com a "impureza" não era pecado; mas o
homem devia "limpar" a "impureza" contraída, logo que
possível. Só depois de purificado (isto é, de eliminado o estado de indignidade
em que se encontrava), podia voltar a aproximar-se do Deus santo e a
estabelecer comunhão com Ele.
O caso mais grave de "impureza" era causado por uma doença - a lepra.
É a essa realidade que o nosso texto se refere.
MENSAGEM
O nosso texto estabelece o procedimento
a adoptar, no caso de alguém contrair a "lepra"... A palavra
"lepra" designa, aqui, um conjunto variado de afecções da pele, e não
somente a doença que nós conhecemos, actualmente, com esse nome. No geral,
utiliza-se a palavra "lepra" para designar vários tipos de
enfermidade da pele, que deformam a aparência do homem.
Esse leque de afecções aqui catalogado sob o nome geral de "lepra" é
visto como um estado insólito e anormal, uma manifestação de forças
misteriosas, inquietantes e ameaçadoras que ameaçam a harmonia e o equilíbrio
da existência do homem.
O "leproso" era, em consequência, segregado e afastado da convivência
diária com as outras pessoas. Tal medida tinha, naturalmente, uma intenção
higiénica e pretendia evitar o contágio. Significava, também, a dificuldade da
comunidade em lidar com o insólito, o estranho, as forças misteriosas e
inquietantes da doença (e, aqui, de uma doença particularmente repugnante).
Mas, sobretudo, a exclusão dos "leprosos" da comunidade tinha razões
religiosas... Para a mentalidade tradicional do povo bíblico, Deus distribuía
as suas recompensas e os seus castigos de acordo com o comportamento do homem.
A doença era sempre um castigo de Deus para os pecados e infidelidades do
homem. Ora, uma doença tão assustadora e repugnante como a "lepra"
era tida como um castigo terrível para um pecado especialmente grave. O
"leproso" era considerado, portanto, um pecador, especialmente amaldiçoado
por Deus, indigno de pertencer à comunidade do Povo de Deus e que em nenhum
caso podia ser admitido às assembleias onde Israel celebrava o culto na
presença do Deus santo.
Porque é que o "leproso" devia apresentar-se ao sacerdote? Quando
alguém exteriorizava sinais de pecado e de indignidade, devia ser banido pelas
autoridades competentes (os sacerdotes) da comunidade santa. O sacerdote não
aplica remédios nem tem funções terapêuticas (embora a sua função devesse
ajudar a controlar o mal e a impedir o contágio). A sua acção destina-se,
sobretudo, a decidir da capacidade ou da incapacidade de alguém para integrar a
comunidade do Povo de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo.
O que é aqui especialmente grave e assustador é como, em nome de Deus e da
santidade do Povo de Deus, se criam mecanismos de rejeição, de exclusão, de
marginalização.
ACTUALIZAÇÃO
• A primeira leitura do 6º Domingo do
Tempo Comum não contém propriamente um ensinamento claro e directo acerca de
Deus ou acerca do comportamento do homem face a Deus. No entanto, ela tem o seu
valor e a sua importância: prepara-nos para entender a novidade de Jesus, essa
novidade que o Evangelho de hoje nos apresenta. Jesus virá demonstrar que Deus
não marginaliza nem exclui ninguém e que todos os homens são chamados a
integrar a família dos filhos de Deus.
• Indirectamente, o nosso texto denuncia
a atitude daqueles que, instalados nas suas certezas e seguranças, constroem um
Deus à medida do homem e que actua segundo uma lógica humana, injusta,
prepotente, criadora de exclusão e de marginalização. Não temos que criar um
Deus que actue de acordo com os nossos esquemas mentais, com as nossas lógicas
e preconceitos; o que temos é de tentar perceber e acolher a lógica de Deus.
• Indirectamente, o nosso texto
convida-nos a repensar as nossas atitudes e comportamentos face aos nossos
irmãos. Não será possível que os nossos preconceitos, a nossa preocupação com o
legalismo, a nossa obsessão pelo politicamente correcto estejam a criar
marginalização e exclusão para os nossos irmãos? Não pode acontecer que, em
nome de Deus, dos "sãos princípios", da "verdadeira
doutrina", das exigências de radicalidade, estejamos a afastar as pessoas,
a condená-las, a catalogá-las, a impedi-las de fazer uma verdadeira experiência
de Deus e de comunidade?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 31 (32)
Refrão: Sois o meu refúgio, Senhor;
dai-me a alegria da vossa salvação.
Feliz daquele a quem foi perdoada a
culpa
e absolvido o pecado.
Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de iniquidade
e em cujo espírito não há engano.
Confessei-vos o meu pecado
e não escondi a minha culpa.
Disse: Vou confessar ao Senhor a minha falta
e logo me perdoastes a culpa do pecado.
Vós sois o meu refúgio, defendei-me dos
perigos,
fazei que à minha volta só haja hinos de vitória.
Alegrai-vos, justos, e regozijai-vos no Senhor,
exultai, vós todos os que sois rectos de coração.
LEITURA II - 1 Cor 10, 31-11,1
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo
São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer coisa,
fazei tudo para glória de Deus.
Portai-vos de modo que não deis escândalo
nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus.
Fazei como eu, que em tudo procuro agradar a toda a gente,
não buscando o próprio interesse, mas o de todos,
para que possam salvar-se.
Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo.
AMBIENTE
O texto que hoje nos é proposto é a
conclusão do ensinamento sobre a atitude a tomar face ao problema de comer ou
não comer a carne dos animais imolados aos ídolos (cf. 1 Cor 8-10). Já vimos, a
propósito da segunda leitura do passado domingo, os dados da questão... Uma
parte da carne dos animais imolados nos templos pagãos era comercializada. Os
cristãos, naturalmente, compravam essa carne e usavam-na na alimentação do dia
a dia. No entanto, tal situação não deixava de suscitar algumas questões:
comprar essas carnes e comê-las - como toda a gente fazia - era, de alguma
forma, comprometer-se com os cultos idolátricos. Isso era lícito?
Vimos também a resposta de Paulo: dado que os ídolos não são nada, comer dessa
carne é indiferente; contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis na fé:
se houver esse perigo, evite-se comer da carne sacrificada nos santuários
pagãos, a fim de não faltar à caridade.
Na conclusão da sua reflexão sobre o tema, Paulo retoma e enuncia os dados
fundamentais que apresentou anteriormente.
MENSAGEM
Na questão do comer as carnes dos
animais imolados nos templos pagãos, como em todas as outras questões, há um
duplo critério que os cristãos devem ter sempre presente: em qualquer
actividade, mesmo nas mais neutras, os crentes devem ter em conta a
"glória de Deus"; e devem ter em conta, também, o bem dos irmãos. O
cristão é livre em tudo aquilo que não atenta contra a sua fé e contra os
valores do Evangelho; mas pode, por vezes, ser convidado a prescindir dos seus
direitos e da sua liberdade em função de um bem maior e que é o amor dos
irmãos. A lei do amor deve sobrepor-se a tudo o resto, inclusive aos
"direitos" de cada um; e o amor pode exigir que não sejamos, em
nenhum caso, um obstáculo nem para a glória de Deus, nem para a salvação dos
irmãos.
De resto, os cristãos de Corinto têm o exemplo do próprio Paulo. Ele não
procura o seu próprio interesse, a realização dos seus projectos pessoais ou a
salvaguarda dos seus direitos, mas o bem de todos os irmãos. Nisto, Paulo imita
Cristo, que não procurou cumprir a sua vontade, mas a vontade do Pai e que
morreu na cruz por amor aos homens, a fim de lhes apontar um caminho de
salvação. Cristo renunciou aos seus direitos e prerrogativas divinas por amor e
para que se concretizasse o projecto de salvação que Deus tinha para os homens.
Para Paulo, o exemplo de Cristo é a fonte inspiradora que tem condicionado as
suas atitudes e comportamentos para com os irmãos... E os crentes de Corinto (e
das comunidades cristãs de todas as épocas e lugares) são convidados a viver do
mesmo jeito.
ACTUALIZAÇÃO
• A liberdade é um valor absoluto?
Devemos defender e afirmar intransigentemente os nossos direitos em todas as
circunstâncias? A realização dos nossos projectos pessoais deve ser a nossa
principal prioridade? Paulo deixa claro que, para o cristão, o valor absoluto e
ao qual tudo o resto se deve subordinar é o amor. O cristão sabe que, em certas
circunstâncias, pode ser convidado a renunciar aos próprios direitos, à própria
liberdade, aos próprios projectos porque a caridade ou o bem dos irmãos assim o
exigem. Mesmo que um determinado comportamento seja legítimo, o cristão deve
evitá-lo se esse comportamento faz mal a alguém.
• A propósito, Paulo refere o exemplo de
Cristo, a quem todo o cristão - a começar pelo próprio Paulo - deve imitar. Na
verdade, Cristo colocou sempre como prioridade absoluta os planos de Deus
("Abbá, Pai, tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se
faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres" - Mc 14,36); e, apesar de ser
"mestre" e "Senhor", multiplicou os gestos de serviço e fez
da sua vida uma entrega total aos homens, até à morte. É este mesmo caminho que
nos é proposto... Cada cristão deve ser capaz de prescindir dos seus interesses
e esquemas pessoais, a fim de dar prioridade aos projectos de Deus; cada
cristão deve ser capaz de ultrapassar o egoísmo e o comodismo, a fim de fazer
da sua própria vida um serviço e um dom de amor aos irmãos.
ALELUIA - Lc 7,16
Aleluia. Aleluia.
Apareceu entre nós um grande profeta:
Deus visitou o seu povo.
EVANGELHO - Mc 1 ,40-45
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
Naquele tempo,
veio ter com Jesus um leproso.
Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe:
«Se quiseres, podes curar-me».
Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse:
«Quero: fica limpo».
No mesmo instante o deixou a lepra
e ele ficou limpo.
Advertindo-o severamente, despediu-o com esta ordem:
«Não digas nada a ninguém,
mas vai mostrar-te ao sacerdote
e oferece pela tua cura o que Moisés ordenou,
para lhes servir de testemunho».
Ele, porém, logo que partiu,
começou a apregoar e a divulgar o que acontecera,
e assim, Jesus já não podia entrar abertamente
em nenhuma cidade.
Ficava fora, em lugares desertos,
e vinham ter com Ele de toda a parte.
AMBIENTE
No episódio que o Evangelho de hoje nos
propõe, Jesus continua a cumprir a missão que o Pai lhe confiou e a anunciar o
"Reino". A proposta do "Reino" torna-se uma realidade no
mundo e na vida dos homens, não só nas palavras, mas também nos gestos de
Jesus.
A cena coloca Jesus frente a um leproso, num sítio e num lugar não nomeado. A
primeira leitura deste domingo deu-nos conta da situação social e religiosa do
leproso... Para a ideologia oficial, o leproso era um pecador e um maldito,
vítima de um particularmente doloroso castigo de Deus. A sua condição excluía-o
da comunidade e impedia-o de frequentar a assembleia do Povo de Deus. Tinha que
viver isolado, apresentar-se andrajoso e avisar, aos gritos, o seu estado de
impureza, a fim de que ninguém se aproximasse dele. Não tinha acesso ao Templo,
nem sequer à cidade santa de Jerusalém, a fim de não conspurcar, com a sua
impureza, o lugar sagrado. O leproso era o protótipo do marginalizado, do
excluído, do segregado. A sua condição afastava-o, não só da comunidade dos
homens, mas também do próprio Deus.
MENSAGEM
Um leproso - isto é, um homem doente,
marginalizado da comunidade santa do Povo de Deus, considerado pecador e
maldito - vem "ter com Jesus". Provavelmente tinham chegado até ele
ecos do anúncio do "Reino" e a pregação de Jesus tinha-lhe aberto um
horizonte de esperança. O desejo de sair da situação de miséria e de
marginalidade em que estava mergulhado vence o medo de infringir a Lei e ele
aproxima-se de Jesus, sem respeitar as distâncias que um leproso devia manter
das pessoas sãs. O pormenor dá conta do seu desespero e mostra a sua decisão em
mudar a sua triste situação. Uma vez diante de Jesus, o leproso é humilde, mas
insistente ("prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe" - vers. 40), pois
o encontro com Jesus é uma oportunidade de libertação que ele não pode
desperdiçar. O que ele pretende de Jesus não é apenas ser curado, mas ser
"purificado" dessa enfermidade que o torna impuro e indigno de
pertencer à comunidade de Deus e à comunidade dos homens («se quiseres podes
"purificar-me"» - vers. 40; o verbo grego "katharidzô" aqui
utilizado não deve traduzir-se como "curar", mas sim como
"purificar" ou "limpar"). Ele confia no poder de Jesus,
sabe que só Jesus pode ajudá-lo a superar a sua triste situação de miséria, de
isolamento e de indignidade.
A reacção de Jesus é estranha, pelo menos de acordo com os padrões judaicos. Em
lugar de se afastar do leproso e de o acusar de infringir a Lei, Jesus olha-o
"compadecido", estende a mão e toca-lhe (vers. 41).
O verbo "compadecer-se" é aplicado, na literatura neo-testamentária,
só a Deus e a Jesus. Habitualmente, é usado em contextos onde se refere a
ternura de Deus pelos homens... Jesus é apresentado, assim, como o Deus com um
coração cheio de amor pelos seus filhos, que Se "compadece" face à
miséria e sofrimento dos homens.
Depois, o amor de Deus tornado presente em Jesus vai manifestar-se num gesto
concreto para com o leproso... Jesus estende a mão e toca-o. É, evidentemente,
um gesto "humano", que manifesta a bondade e a solidariedade de Jesus
para com o homem; mas o gesto de estender a mão tem um profundo significado
teológico, pois é o gesto que acompanha, na história do Êxodo, as acções
libertadoras de Deus em favor do seu Povo (cf. Ex
3,20;6,8;8,1;9,22;10,12;14,16.21.26-27; etc.). O amor de Deus manifesta-se como
gesto libertador, que salva o homem leproso da escravidão em que a doença o
havia lançado.
Por outro lado, ao tocar o leproso, Jesus está a infringir a Lei. Dessa forma,
Ele denuncia uma Lei que criava marginalização e exclusão. Jesus, com a
autoridade que Lhe vem de Deus, mostra que a marginalização imposta pela Lei
não expressa a vontade de Deus. O gesto de tocar o leproso mostra que a
distinção entre puro e impuro consagrada pela Lei não vem de Deus e não
transmite a lógica de Deus; mostra que Deus não discrimina ninguém, que Ele
quer amar e oferecer a liberdade a todos os seus filhos e que a todos Ele
convida a integrar a família do "Reino", a nova humanidade.
A resposta verbal de Jesus ("quero: fica limpo" - vers. 41) não
acrescenta mais nada; apenas confirma o seu gesto. Mostra, por palavras, que,
do ponto de vista de Deus, o leproso não é um marginal, um pecador condenado,
um homem indigno, mas um filho amado a quem Deus quer oferecer a salvação e a
vida plena.
A purificação do leproso significa, em primeiro lugar, que o "Reino de
Deus" chegou ao meio dos homens e anuncia a irrupção desse mundo novo do
qual Deus quer banir o sofrimento, a marginalização, a exclusão.
A purificação do leproso significa, também, a desmontagem da teologia oficial
que considerava o leproso um maldito. Não é verdade - parece dizer o gesto de
Jesus - que o leproso seja um impuro, um abandonado pela misericórdia de Deus,
um prisioneiro do pecado, abandonado por Deus nas mãos das forças demoníacas. A
misericórdia, a bondade, a ternura de Deus derramam-se sobre o leproso no gesto
salvador de Jesus e dizem-lhe: "Deus ama-te e quer salvar-te".
A purificação do leproso significa, finalmente, que o Reino de Deus não pactua
com racismos de qualquer espécie: não há bons e maus, doentes e sãos, filhos e
enjeitados, incluídos e excluídos; há apenas pessoas com dignidade e que não
devem, em caso algum, ser privados dos seus direitos mais elementares, muito
menos em nome de Deus.
Consumada a purificação do leproso, Jesus recomenda-lhe veementemente que não
diga nada a ninguém (vers. 44). Esta recomendação de Jesus aparece várias vezes
no Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,34;5,43;7,36;7,36; etc.). Provavelmente,
é um dado histórico, que resulta do facto de Jesus não querer gerar equívocos
ou ser aceite pelas razões erradas. De acordo com Mt 11,5, a cura dos leprosos
era uma obra do Messias; assim, o gesto de Jesus define-O como o Messias esperado.
No entanto, numa Palestina em plena febre messiânica, Jesus pretende evitar um
título que tem algo de ambíguo, por estar ligado a perspectivas nacionalistas e
a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quer deitar mais
lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois tem consciência de que o
seu messianismo não passa por um trono político (como sonhavam as multidões),
mas pela cruz. Jesus é o Messias, mas o Messias-servo, que veio ao encontro dos
homens para lhes transmitir o projecto salvador do Pai e para os libertar das
cadeias da opressão. O seu caminho passa pelo sofrimento e pela morte. O seu
trono é a cruz, expressão máxima de uma vida feita amor e entrega.
Ao leproso purificado, Jesus diz para ir mostrar-se aos sacerdotes (vers. 44).
Segundo a Lei, o leproso só podia ser reintegrado na comunidade religiosa
depois de a sua cura ter sido homologada pelo sacerdote em funções no Templo.
No entanto, Jesus acrescenta: "para lhes servir de testemunho". Dado
que a cura de um leproso só podia ser operada por Deus e era, por isso, um
sinal messiânico, o facto devia servir aos líderes do Povo para concluírem que
o Messias tinha chegado e que o "Reino de Deus" estava já presente no
meio do mundo. O leproso purificado devia, portanto, ser um
"testemunho" da presença de Deus no meio do seu Povo e um sinal de
que os novos tempos tinham chegado. Apesar das evidências, os líderes judaicos
estavam demasiado entrincheirados nas suas certezas, preconceitos e privilégios
e recusaram-se sempre a acolher a novidade de Deus, a novidade do Reino.
O texto termina com a indicação de que o leproso purificado "começou a
apregoar e a divulgar o que acontecera", apesar do silêncio que Jesus lhe
impusera. Marcos quer, provavelmente, sugerir que quem experimenta o poder
integrador e salvador de Jesus converte-se necessariamente em profeta e em
testemunha do amor e da bondade de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
• O nosso texto fala-nos de um Deus
cheio de amor, de bondade e de ternura, que Se faz pessoa e que desce ao encontro
dos seus filhos, que lhes apresenta propostas de vida nova e que os convida a
viver em comunhão com Ele e a integrar a sua família. É um Deus que não exclui
ninguém e que não aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de
discriminação ou de marginalização dos irmãos. Às vezes há pessoas (quase
sempre bem intencionadas) que inventam mecanismos de exclusão, de segregação,
de sofrimento, em nome de um Deus severo, intolerante, distante, incapaz de
compreender os limites e as fragilidades do homem. Trata-se de um atentado
contra Deus. O Deus que somos convidados a descobrir, a amar, a testemunhar no
mundo, é o Deus de Jesus Cristo - isto é, esse Deus que vem ao encontro de cada
homem, que Se compadece do seu sofrimento, que lhe estende a mão com ternura,
que o purifica, que lhe oferece uma nova vida e que o integra na comunidade do
"Reino" (nessa família onde todos têm lugar e onde todos são filhos
amados de Deus).
• A atitude de Jesus em relação ao
leproso (bem como aos outros excluídos da sociedade do seu tempo) é uma atitude
de proximidade, de solidariedade, de aceitação. Jesus não está preocupado com o
que é política ou religiosamente correcto, ou com a indignidade da pessoa, ou
com o perigo que ela representa para uma certa ordem social... Ele apenas vê em
cada pessoa um irmão que Deus ama e a quem é preciso estender a mão e amar,
também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade ou da Igreja?
Procuramos integrar e acolher (os estrangeiros, os marginais, os pecadores, os
"diferentes") ou ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e de
discriminação?
• O gesto de Jesus de estender a mão e
tocar o leproso é um gesto provocador, que denuncia uma Lei iníqua, geradora de
discriminação, de exclusão e de sofrimento. Com a autoridade de Deus, Ele retira
qualquer valor a essa Lei e sugere que, do ponto de vista de Deus, essa Lei não
tem qualquer significado. Hoje temos leis (umas escritas nos nossos códigos
legais civis ou religiosos, outras que não estão escritas mas que são
consagradas pela moda e pelo politicamente correcto) que são geradoras de
marginalização e de sofrimento. Como Jesus, não podemos conformarmo-nos com
essas leis e muito menos pautar por elas os nossos comportamentos para com os
nossos irmãos.
• Mais uma vez, o Evangelho deste domingo
propõe à nossa consideração a atitude dos líderes judaicos. Comodamente
instalados no alto das suas certezas e preconceitos, eles perpetuam, em nome de
Deus, um sistema religioso que gera sofrimento e miséria e não se deixam
questionar nem desafiar pela novidade de Deus. Estão tão seguros e convictos
das suas verdades particulares que fecham totalmente o coração a Jesus e não se
revêem nas suas propostas. O sem sentido desta atitude deve alertar-nos para a
necessidade de nos desinstalarmos e de abrirmos o coração aos desafios de Deus.
• O leproso, apesar da proibição de
Jesus, "começou a apregoar e a divulgar o que acontecera". Marcos
sugere, desta forma, que o encontro com Jesus transforma de tal forma a vida do
homem que ele não pode calar a alegria pela novidade que Cristo introduziu na
sua vida e tem de dar testemunho. Somos capazes de testemunhar, no meio dos
nossos irmãos, a libertação que Cristo nos trouxe?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 6º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PALAVRA DE VIDA.
"A Deus nada é impossível", diz o anjo a Maria. É verdade, Deus pode
criar, pode salvar, pode santificar... Jesus pode curar os doentes que
encontra, mas espera uma palavra de confiança: "Se queres!" O homem
submete-se, então, à sua vontade. Diante desta confiança do doente, Jesus tem
piedade, porque vê que ele se abandona nas suas mãos para ser re-criado,
levantado, salvo, purificado. Deus deixa-Se tocar pelo homem, sua criatura,
quando esta se deixa re-modelar por Ele, do mesmo modo que se deixa modelar na
manhã da criação. Jesus recomenda para não dizer nada a ninguém, porque não
quer aparecer como um taumaturgo que manifesta o sensacional, mas como Aquele
que é sinal da parte de Deus. Um único grito toca-O: "Se Tu queres,
podes!" Oxalá que as nossas orações de pedido começassem todas com a
expressão da nossa submissão à vontade de Deus!...
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Ele toma o nosso lugar... A maldição que atingia os leprosos era total: mortos
vivos, excluídos dos lugares habitados, proibidos do Templo e da sinagoga,
impuros aos olhos dos homens mas, sobretudo, de Deus. Um deles quebra os
interditos e aproxima-se de Jesus que, perturbado até às entranhas, ousa um
gesto impensável: estende a mão e toca o infeliz, tornando-se Ele mesmo,
imediatamente, impuro. Passa-se, então, algo de extraordinário. Realiza-se a
palavra do salmista: "Senhor, viste o mal e o sofrimento, toma-os na tua
mão". Jesus toma nas suas mãos o mal e o sofrimento deste homem. Tira-o da
sua lepra, liberta-o da sua exclusão, de toda a impureza. O leproso pode
reencontrar a companhia dos outros e de Deus. Mas então, é Jesus que "não
podia entrar abertamente numa cidade. Era obrigado a evitar os lugares
habitados". Certamente que era para se proteger da multidão... Mas, de
facto, é como se Jesus tivesse tomado o lugar do leproso. Jesus, o bem amado do
Pai, toma sobre Ele as nossas faltas e os nossos sofrimentos, Ele toma o nosso
lugar para absorver na sua pessoa e no amor do Pai todas as nossas misérias. E,
ao mesmo tempo, encontramos toda a nossa dignidade de homens e de mulheres
livres, de pé, capazes de entrar de novo em relação uns com os outros e,
sobretudo, de nos aproximarmos de novo de Deus, sem qualquer medo.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
Para a glória de Deus... em família. Que tudo sirva para a glória de Deus! E
se, em família, tirássemos tempo para dar glória a Deus? Por exemplo, sobretudo
se há filhos jovens, pode-se fazer um "poster para a glória de Deus":
um poster bonito (desenhos, fotos...) que mostre tudo o que, juntos em família,
vemos de belo e que é motivo para dar glória a Deus.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário