Domingo
Fonte: Revista Vida Pastoral – Paulus
A ressurreição de Lázaro é o sétimo sinal do quarto evangelho. A função
dos sinais é levar as pessoas a tomar partido: a favor de Jesus e da vida ou
contra ele e a favor da morte. De fato, Marta crê que Jesus é a Ressurreição e
a Vida (vv. 25-27), ao passo que as autoridades político-religiosas dos judeus
declaram a morte de Jesus (v. 45ss). A ressurreição de Lázaro é também o ponto
alto da catequese batismal das primeiras comunidades cristãs. Esse episódio
pretende conduzir as pessoas à profissão de fé em Jesus-Vida.
O episódio é o sétimo sinal, o mais importante, e situa-se no contexto
da festa da Dedicação, na qual eram lidos textos do AT que falavam da ação de
Javé-Pastor. Nesse sentido, o defunto Lázaro é a ovelha que ouve a voz do
Pastor e sai para fora, para a vida. A ressurreição de Lázaro é apenas um sinal
que aponta para uma realidade maior e mais profunda: a vitória de Jesus sobre a
morte e sua glorificação. Este é o sentido do v. 4: “Esta doença não é para a
morte, mas para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por
ela”.Lázaro, Marta e Maria são a própria humanidade envolta em situações de
morte. A doença dele é a doença do mundo; suas amarras (v. 44) são as amarras
de todas as pessoas impossibilitadas de andar e viver (perda da liberdade que
gera opressão política). E para todos eles Jesus dá a mesma ordem:
“Desamarrem-no e deixem que ele ande”. Marta e Maria recordam o sofrimento,
esperança e fé dos sofredores de ontem e de hoje. E Betânia é toda comunidade
com suas esperanças e temores de que a morte tenha a última palavra sobre
nossas vidas.
a. Amor gera confiança… (vv. 1-16)
Entre Jesus, Lázaro, Marta e Maria, isto é, entre Jesus e a comunidade
cristã, e entre os membros da comunidade, vigoram relações de amor e fraternidade.
Maria era aquela que ungiu o Senhor com perfume e que tinha enxugado os pés
dele com seus cabelos (v. 2). Ungir com perfume é gesto de amor. Além disso, o
texto sublinha que Lázaro é amigo de Jesus (v. 3) e vice-versa. Amor gera
confiança e solidariedade em situações difíceis. (Notar como nesses versículos
iniciais se insiste nas palavras amor, amizade, irmão/irmã.)
A doença que provocou a morte de Lázaro não é sinal de que Jesus não ame
a humanidade. Para ele, a doença que conduz à morte é de outro tipo: trata-se
do pecado, da adesão a um arranjo social injusto (cf. 5,14: “Não peque de novo,
para que não lhe aconteça alguma coisa pior”). Jesus não livra somente da morte
física. Ao contrário, dá-lhe novo sentido. Assim, os que crêem não têm motivos para
temer a morte.
A relação de amor culmina na Hora de Jesus. Nesse sentido, a
ressurreição de Lázaro é apenas um sinal que aponta para a realidade profunda
do evangelho, isto é, para a revelação de que a morte-ressurreição de Jesus é a
prova maior do amor que Deus tem pelos seus. É por isso que Jesus tem coragem
de voltar à Judéia, fato ao qual os discípulos se opõem, com medo de que ele
seja morto. Jesus vai à Judéia a fim de ressuscitar seu amigo. Isso acarretará
a morte de Jesus, a expressão máxima de sua solidariedade com os sofrimentos
humanos. Mas o Pai o ressuscitará, e sua ressurreição é a prova definitiva de
que a vida vence a morte.
À coragem de Jesus opõe-se o medo dos discípulos (v. 8), que relutam em
aceitar o projeto de Deus. Na pessoa de Tomé, decidem ir ao encontro da morte
(v. 16), pois não entendem que, para o Mestre, a morte é apenas sono (vv.
11-12).
Jesus é a luz. Se alguém caminha de dia, não tropeça. Mas quem caminha
de noite tropeça, porque não há luz nele (v. 9). Essa afirmação de Jesus
recorda toda sua atividade libertadora iniciada em Caná da Galiléia (cap. 2),
onde realizou o primeiro de seus sinais. O dia de Jesus inicia-se em Caná e
termina com a ressurreição de Lázaro. Depois disso começa a “noite”, isto é, o
tempo dos tropeços: os discípulos caem, as autoridades matam Jesus… O dia
recomeça definitivamente na manhã da ressurreição… Jesus se alegra por causa
disso, pois o contraste entre morte e alegria já prenuncia a vitória do
Ressuscitado.
b. …que gera fé em Jesus, Ressurreição e Vida… (vv. 17-27)
Jesus chegou a Betânia quatro dias após a morte do amigo. Para o povo da
Bíblia, o quarto dia após a morte significa a perda total de esperança. O
diálogo de Jesus com Marta manifesta a precariedade da esperança, pois ela crê
apenas que seu irmão vai ressuscitar no último dia, de acordo com a crença
daquele tempo. Contudo, Marta é mais forte que a irmã, pois esta fica sentada
em casa (v. 20), ao passo que a outra sai de casa (do ambiente de desespero) e
toma a iniciativa de dialogar com Jesus.
Jesus convida Marta a crescer na fé. Para ela, teria sido necessária a
presença física de Jesus para evitar a morte do irmão (v. 21), e ela interpreta
as palavras do Mestre em termos de ressurreição no final dos tempos (v. 24).
O texto apresenta duas formas contrastantes de se solidarizar diante da
morte. Em primeiro lugar, a solidariedade dos amigos e vizinhos (v. 19), que
vão à casa das irmãs para dar pêsames e fazer lamentações em altos brados,
símbolo do desespero. Em segundo lugar, a solidariedade de Jesus. Ele não entra
nesse ambiente dominado pelo desespero. Fica fora e chama para fora, porque
traz do Pai a forma perfeita de solidariedade: “Eu sou a Ressurreição e a Vida.
Quem crê em mim, mesmo que esteja morto, vai viver! E todo aquele que vive e
crê em mim não ficará morto para sempre” (vv. 25-26). Marta é convidada à fé
madura, passando da presença física à adesão à pessoa de Jesus. Esse processo,
contudo, é gradual e lento (cf. v. 40).
c. …que faz passar da morte à vida (vv. 28-44)
Marta deu provas de que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus que veio ao
mundo (v. 27), e testemunha isso à irmã sem esperança. Os que são dominados
pelo desespero crêem que Maria estivesse indo ao túmulo para chorar (v. 31),
mas ela foi para o lugar onde estava Jesus (v. 32a). Maria ainda pensa à
semelhança de sua irmã, antes que esta declarasse sua fé em Jesus Ressurreição
e Vida (v. 32b). Maria chora, e seu choro é acompanhado pelos judeus que com
ela estavam (note-se que não se fala do choro de Marta!). Jesus também se
comove (vv. 33.38), mas seu choro não é marcado pelo desespero. É um choro de
solidariedade com os sofrimentos humanos. A casa do luto e desespero ficou
vazia. O que virá?
Jesus manda tirar a pedra do túmulo, apesar de Marta lhe recordar que não
há mais esperança (v. 39). Ela e todos os que aderem a Jesus são chamados a ler
os sinais em profundidade: “Eu digo isso por causa do povo que me rodeia, para
que creia que tu me enviaste” (v. 42; cf. v. 45 e leia 20,31).
Lázaro, ao apelo de Jesus, sai do túmulo de braços e pernas amarrados
(v. 44a). São as amarras que impedem as pessoas de ser livres e viver. Jesus
ordena que os presentes o desamarrem e o deixem ir (v. 44b). Para onde terá
ido? Só descobriremos o rumo que ele tomou se lermos o fato na profundidade da
fé.
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