11 Agosto
2020
Tempo Comum - Anos Pares
XIX Semana - Terça-feira
Lectio
Primeira Leitura: Ezequiel, 2, 8-3,4
Eis o que diz o Senhor: 8«Tu, filho de homem,
escuta o que te digo. Não sejas rebelde como aquela gente rebelde. Abre a boca
e come o que te vou dar.» 9Olhei e vi uma espécie de mão que se dirigia para
mim, segurando um manuscrito enrolado. 10Abriu-o diante de mim: estava escrito
nas duas faces; e lia-se: «Lamentações, gemidos e choros.»
1Disse-me: «Filho de homem, come aquilo que te é apresentado, come este
manuscrito e vai falar à casa de Israel.» 2Abri então a boca e Ele deu-me o
manuscrito a comer. 3E disse-me: «Filho de homem, alimenta-te e sacia-te com
este manuscrito que agora te dou.» Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o
mel. 4Então, disse-me: «Filho de homem, dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes
as minhas palavras.
O sacerdote Ezequiel, que caíra de rosto por
terra, fulminado pela glória de Javé, ergue-se, agora, em virtude da força do
Espírito que nele entrou. De pé, consciente das suas faculdades, escuta três
palavras de Deus: «Filho de homem» (v. 8), «vai falar» (3, 1), «à casa de
Israel» (3, 1). O apelativo «Filho de homem» está cheio de sentido da
transcendência divina, que Ezequiel experimenta fortemente, na sua fragilidade.
O carisma profético é um dom absolutamente gratuito de Deus. Jesus usará o
mesmo apelativo, «Filho de homem», para indicar o modo de estar connosco e de
estar diante de Deus.
Como aconteceu com outros grandes profetas, uma acção simbólica mostra como a
palavra de Deus está na boca de um homem. Enquanto os lábios de Isaías foram
purificados com uma brasa (cf. Is 6, 3-7), enquanto Deus introduziu a sua
linguagem na garganta de Jeremias (cf. Jr 1, 9), agora dá-a num livro a
Ezequiel, que já vive na civilização da escrita. Ezequiel come essa palavra,
digere-a, assimila a vontade divina. Essa vontade revela-se na palavra divina,
mas também na visão que o profeta tem das realidades. Para comunicar a palavra
de Deus é preciso, primeiro, alimentar-se dela (3, 3).
Em Ezequiel, o profetismo dá um passo em frente: o profeta não é chamado a
"repetir" a palavra de Deus, mas a "repropor" o que recebeu
d´Ele, a "repensar" a "traduzir" por palavras suas, a
palavra de Deus. Só assim a mensagem divina pode chegar aos homens numa
linguagem que eles entendam.
A mensagem divina, que Ezequiel é chamado a comunicar, é muito vasta (cf. 2,
9b) e dolorosa: «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). Tira todas as ilusões
àqueles que pensavem que Jerusalém, apesar de enfraquecida, havia de resistir
aos invasores caldeus. Mas, para além da cólera de Deus, há-de manifestar-se a
sua imensa misericórdia.
Evangelho: Mateus 18, 1-5.10.12-14
1Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de
Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» 2Ele chamou um
menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não
voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu.
4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu.
5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.»
10«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus
anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 12Que vos
parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as
noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a
encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa
e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que
está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»
O c. 18 contém o quarto discurso, dos cinco à
volta dos quais gira o evangelho de Mateus. É o "Discurso eclesial",
no qual Jesus traça as características fundamentais da comunidade dos
discípulos. Estes revelam a mentalidade comum, a daqueles que vêem a vida em
sociedade como uma permanente tentativa de subir, mesmo à custa dos outros,
para ocupar os lugares cimeiros, os postos de comando. É nesse contesto que
interrogam Jesus: «Quem é o maior no Reino do Céu?» (v. 1). Jesus mostra-lhes o
que realmente tem mais valor diante de Deus e ensina uma nova forma de vivência
em comunidade. Como os antigos profetas, faz um gesto (o de colocar no centro
uma criança), cujo sentido depois revela. Jesus recolhe a ideia da inversão das
sortes no reino futuro, já amadurecida no rabinismo: põe no centro, não um
adulto, ou uma pessoa tida por importante, mas uma criança. A criança precisa
de tudo, depende dos grandes; é a «ovelhinha tresmalhada», que o pastor procura
e cuida «mais do que as noventa e nove que não se tresmalharam» (v. 13). O
discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se mudar de mentalidade e
de comportamento. Deve saber "abaixar-se" e não tentar empoleirar-se
nos primeiros lugares. O discípulo deve também acolher os pequeninos e não os
desprezar, porque têm a dignidade do Senhor, são seu sacramento (v. 5). Há que
procurá-los, para que nenhum se perca.
Meditatio
A primeira leitura sugere que, se queremos ser
válidas testemunhas de Deus, precisamos de nos alimentar da sua Palavra.
Ezequiel transmite-nos esta mensagem com uma espécie de parábola: Deus
«disse-me: «... come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai
falar à casa de Israel.» ... Deu-me o manuscrito a comer... Comi-o...Então,
disse-me: «... dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras» (cf.
3, 1-4). Para levar a mensagem divina ao coração das pessoas, não é suficiente
conhecê-la só com a inteligência. Precisamos de nos alimentar com ela, de a
meditar, de a rezar. Precisamos de mastigar, de ruminar, a Palavra de Deus.
Precisamos que ela passe da mente e do coração à nossa vida. Só então, está
plenamente assimilada. Só então podemos pregá-la, testemunhá-la com eficácia.
É um privilégio, uma graça, poder meditar a palavra, saboreá-la, contemplar a
sua beleza, a sua profundidade: «na minha boca, foi doce como o mel», escreve o
profeta (v. 3). O Apocalipse acrescente que a Palavra, doce como o mel na boca,
se torna amarga nas entranhas (10, 9), pois leva consigo exigências nem sempre
fáceis de cumprir, especialmente o testemunho, que exige esforço e, muitas
vezes, sofrimento. No rolo oferecido ao profeta, estavam escritos «Lamentações,
gemidos e choros» (v. 10). A Palavra de Deus, doce na boca, e amarga nas
entranhas, transmite a plenitude da alegria e da vida.
Na comunidade, o testemunho da Palavra há-de passar, sobretudo, pelo testemunho
de uma vida sem pretensões, uma vida semelhante à das crianças, que aceitam a
sua pequenez, a sua impotência perante a vida, a necessidade que t&eci
rc;m dos outros, particularmente dos pais. O melhor testemunho é o da
simplicidade e o do serviço humilde. Mas ambos são fruto da alegria de sermos,
e nos sentirmos, filhos de Deus (Mt 5, 3s.; 11, 25). A missão pode e deve ser
realizada já pela simples presença e pelo testemunho vivo da vida cristã, isto
é, de uma vida à imagem da de Cristo que sendo «o Primeiro» (Cl 1, 18), se fez
o último, o servo de todos.
Oratio
Senhor, como estou longe da simplicidade e da
humildade que recomendas aos teus discípulos! Gosto de mandar, de submeter os
outros à minha vontade, de ser o primeiro. Toma-me nos teus braços, no teu
Coração, para que aprenda a ser como as crianças na minha relação Contigo e com
os meus irmãos. Que eu saiba abandonar-me, entregar-me confiantemente a Ti; que
eu saiba colocar-me no meu lugar, para servir com simplicidade e com amor os
meus irmãos. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor amava também a simplicidade dos
seus discípulos. Não era eu próprio, pode Jesus dizer-nos, de uma grande
simplicidade com os meus apóstolos, para os encorajar a fazerem o mesmo. Vivia
com eles familiarmente, tomando parte em todos os pormenores da sua vida:
orações, refeições, conversas, repouso; interessando-me pelas suas alegrias e
pelas suas mágoas. Chamei-os meus amigos, e disse-lhes o motivo, é que um amigo
diz tudo aos seus amigos.
O que eu fui com eles, quero sê-lo com os meus discípulos de todos os tempos,
quero sê-lo convosco.
Examinai-vos agora sobre a vossa maneira de agir comigo. Viestes a mim
habitualmente com simplicidade? Tendes sido para mim o que um amigo é pelo seu
amigo?
Vós, sobretudo, que sois consagrados ao meu Coração, não deveis imitar mais
particularmente a simplicidade confiante dos meus amigos, de Madalena, que se
conservava sentada aos meus pés, de João que repousava a sua cabeça sobre o meu
peito? (Leão Dehon, OSP 3, p. 46).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra
«Come este manuscrito e vai falar à casa de Israel» (Ez 3, 1).
| Fernando Fonseca, scj |
DEUS te abençoe e te ilumine. Obrigado pela reflexão.
ResponderExcluirSanta Maria, Rio Grande do Sul.