21º Domingo do Tempo Comum - Ano A
23 Agosto 2020
ANO A
21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 21º Domingo do Tempo Comum
No centro da reflexão que a liturgia do
21º Domingo do Tempo Comum nos propõe, estão dois temas à volta dos quais se
constrói e se estrutura toda a existência cristã: Cristo e a Igreja.
O Evangelho convida os discípulos a aderirem a Jesus e a acolherem-n'O como
"o Messias, Filho de Deus". Dessa adesão, nasce a Igreja - a
comunidade dos discípulos de Jesus, convocada e organizada à volta de Pedro. A
missão da Igreja é dar testemunho da proposta de salvação que Jesus veio
trazer. À Igreja e a Pedro é confiado o poder das chaves - isto é, de
interpretar as palavras de Jesus, de adaptar os ensinamentos de Jesus aos
desafios do mundo e de acolher na comunidade todos aqueles que aderem à
proposta de salvação que Jesus oferece.
A primeira leitura mostra como se deve concretizar o poder "das
chaves". Aquele que detém "as chaves" não pode usar a sua
autoridade para concretizar interesses pessoais e para impedir aos seus irmãos
o acesso aos bens eternos; mas deve exercer o seu serviço como um pai que
procura o bem dos seus filhos, com solicitude, com amor e com justiça.
A segunda leitura é um convite a contemplar a riqueza, a sabedoria e a ciência
de Deus que, de forma misteriosa e às vezes desconcertante, realiza os seus
projectos de salvação do homem. Ao homem resta entregar-se confiadamente nas
mãos de Deus e deixar que o seu espanto, reconhecimento e adoração se
transformem num hino de amor e de louvor ao Deus salvador e libertador.
LEITURA I - Is 22,19-23
Leitura do Livro de Isaías
Eis o que diz o Senhor a Chebna,
administrador do palácio:
«Vou expulsar-te do teu cargo, remover-te-ei do teu posto.
E nesse mesmo dia chamarei o meu servo Eliacim,
filho de Elcias.
Hei-de revesti-lo com a tua túnica,
hei-de pôr-lhe à cintura a tua faixa,
entregar-lhe nas mãos os teus poderes.
E ele será um pai para os habitantes de Jerusalém
e para a casa de Judá.
Porei aos seus ombros a chave da casa de David:
há-de abrir, sem que ninguém possa fechar;
há-de fechar, sem que ninguém possa abrir.
Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme
e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».
AMBIENTE
O profeta Isaías nasceu por de 760 a.C.,
muito provavelmente em Jerusalém. Bastante jovem, sentiu-se chamado por Deus
para ser profeta ("no ano da morte do rei Ozias" - Is 6,1 - o que nos
coloca por volta de 740-739 a.C.); e vai desempenhar essa missão durante um
longo espaço de tempo (os seus últimos oráculos são de finais do séc. VIII ou
princípios do séc. VII a.C.), sendo uma espécie de consciência crítica dos
vários reis que, nessa fase, presidiram aos destinos do Povo de Deus. De
família nobre, Isaías é um homem culto, decidido, enérgico, que frequenta os
círculos de poder e faz parte dos notáveis do reino de Judá. Participa nas
decisões relativas à condução do reino, fala com autoridade aos altos
funcionários (cf. Is 22,15) e mesmo aos reis (cf. Is 7,10). No entanto, isso
não significa que apoie as classes altas: os seus maiores ataques são dirigidos
aos grupos dominantes - autoridades, juízes, latifundiários, políticos,
mulheres da classe alta que vivem num luxo escandaloso (cf. Is 3,16-25)...
Defende com paixão os oprimidos, os órfãos, as viúvas (cf. Is 1,17), o povo
explorado e desencaminhado pelos governantes (Is 3,12-15). Convida
continuamente o seu povo à conversão, pedindo-lhe que se volte para Jahwéh, que
respeite os compromissos assumidos, que reaprenda a viver no âmbito da Aliança,
que coloque outra vez Deus e os seus mandamentos no centro da vida e da
história.
O oráculo de Isaías que nos é hoje proposto leva-nos à época do rei Ezequias.
Em 714 a.C., Ezequias atinge a maioridade e toma conta dos destinos de Judá.
Movido pelo desejo de reforma religiosa e de independência política, Ezequias
manifestará uma certa propensão para alinhar em alianças políticas contra os
assírios (que, desde o reinado de Acaz, mantêm Judá sob a sua autoridade). Em resposta,
Senaquerib volta-se contra Judá e devasta-a... Em 701 a.C., Jerusalém é cercada
pelos assírios e Ezequias tem de aceitar uma submissão ainda mais onerosa do
que a anterior.
O episódio que nos é narrado, contudo, não se refere aos grandes acontecimentos
políticos em que Judá, por esta altura, se vê envolvido. Refere-se, antes, a um
episódio doméstico da vida do palácio. Quer Shebna, quer Elyaqîm, aqui
referenciados, são altos funcionários de Ezequias, que o segundo livro dos Reis
cita a propósito de um episódio relacionado com a invasão de Senaquerib (cf. 2
Re 18,18.26.37).
MENSAGEM
O nosso oráculo dirige-se, inicialmente,
a Shebna, "administrador do palácio". Anuncia-lhe a expulsão do cargo
e a sua substituição por Elyaqîm. Porquê? A razão aparece antes (num versículo
que, contudo, o texto que nos é hoje proposto não conservou): Shebna talhou
"para si um sepulcro no alto e cavou para si na rocha um mausoléu"
(Is 22,16). Porque é que o erigir um monumento funerário é condenado? Talvez
porque é sinal do orgulho de Shebna; ou talvez porque Shebna utilizou o
dinheiro do povo ou despendeu dinheiro em futilidades num momento difícil para
o povo.
De qualquer forma, Shebna será substituído nas suas funções. Irá ser despojado
das insígnias do seu poder (a túnica, o cinto, a chave do palácio), as quais
serão revestidas por Elyaqîm.
Elyaqîm receberá, pois, o "poder das chaves" do palácio. O simbolismo
das chaves é particularmente sugestivo: o mordomo do palácio, entre outras
coisas, conservava em seu poder as chaves do palácio real, administrava os bens
do soberano, fixava a abertura e o fechamento das portas e definia quais os
visitantes a introduzir junto do soberano.
Isaías deposita grande esperança em Elyaqîm e na forma como ele desempenhará as
suas funções. A expressão usada pelo profeta a propósito de Elyaqîm - "ele
será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá" (vers.
21) - indica que Elyaqîm irá exercer o serviço da autoridade com solicitude,
com amor, com justiça... A referência à "estaca" ("fixá-lo-ei
como uma estaca num lugar firme" - vers. 23), revela que, na perspectiva
de Isaías, Elyaqîm desempenhará as suas funções com grande firmeza.
Num outro desenvolvimento que a leitura que nos é proposta não conservou,
contudo, sugere-se que o "serviço" de Elyaqîm terminou mal... Um
comentarista que conheceu a actividade ulterior
de Elyaqîm retomou a imagem da "estaca" para construir uma crítica à
sua venalidade: nessa "estaca" penduraram-se e apoiaram-se todos os
familiares de Elyaqîm (os nobres que pertenciam à família, os filhos e os
netos) e a "estaca" acabou por cair, arrastando na queda todos
aqueles que a ela se seguravam (cf. Is 22,24-25).
Porque é que esta história privada, este "fait divers" doméstico, nos
é hoje proposto como Palavra de Deus? Uma dupla história de corrupção e de
venalidade é assim tão importante?
Ela prepara-nos para entender melhor o Evangelho que nos é hoje proposto.
Define em que consiste o verdadeiro serviço "das chaves", o serviço
da autoridade: ser um pai para aqueles sobre quem se tem responsabilidade e
procurar o bem de todos com solicitude, com amor, com justiça.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir das seguintes
questões:
• O texto convida-nos a uma reflexão
sobre a lógica e o sentido do poder... Sugere que o poder é um serviço à
comunidade. Quem exerce o poder, deverá fazê-lo com a solicitude, o cuidado, a
bondade, a compreensão, a tolerância, a misericórdia, e também com a firmeza
com que um pai conduz e orienta os seus filhos. Nessa perspectiva, o serviço da
autoridade não é uma questão de poder, mas é uma questão de amor. Será
impensável considerar que alguém pode desempenhar com êxito cargos de
responsabilidade, se não for guiado pelo amor. É esta mesma lógica que os
cristãos devem exigir, seja no exercício do poder civil, seja no exercício do
poder no âmbito da comunidade cristã.
• O exercício do poder, quer para
Shebna, quer para Elyaqîm, aparece associado à corrupção, à venalidade, ao
aproveitamento do serviço da autoridade para a concretização de finalidades
egoístas, interesseiras, pessoais. A Palavra de Deus que nos é proposta vai em
sentido contrário: o exercício do poder só faz sentido enquanto está ao serviço
do bem comunitário... O exercício de um cargo público supõe, precisamente, a
secundarização dos interesses próprios em benefício do bem comum.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 137 (138)
Refrão 1: Senhor, a vossa misericórdia é
eterna:
não abandoneis a obra das vossas mãos.
Refrão 2: Pela vossa misericórdia,
não nos abandoneis, Senhor.
De todo o coração, senhor, eu Vos dou
graças
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos Vos hei-de cantar
e Vos adorarei, voltado para o vosso templo santo.
Hei-de louvar o vosso nome pela vossa
bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.
O Senhor é excelso e olha para o
humilde,
ao soberbo conhece-o de longe.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.
LEITURA II - Rom 11,33-36
Leitura da Epístola do apóstolo São
Paulo aos Romanos
Como é profunda a riqueza, a sabedoria e
a ciência de Deus!
Como são insondáveis os seus desígnios
e incompreensíveis os seus caminhos!
Quem conheceu o pensamento do Senhor?
Quem foi o seu conselheiro?
Quem Lhe deu primeiro,
para que tenha de receber retribuição?
D'Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas.
Glória a Deus para sempre. Amen.
AMBIENTE
Nos capítulos 9-11 da Carta aos Romanos,
Paulo reflecte sobre a questão do acesso de Israel à salvação. A questão aí
abordada é a seguinte: Israel rejeitou oferta da salvação que Deus fez aos
homens, através de Jesus Cristo; isso significa que Israel está,
definitivamente, arredado da salvação?
Paulo não concorda. Ele acha que Deus - esse Deus que prometeu a salvação a
Israel - não pode ser infiel às suas promessas. Talvez Ele tenha deixado que
Israel, num primeiro momento, recusasse a salvação, para que os gentios
pudessem beneficiar dos dons de Deus... Deus "escreve direito por linhas
tortas" e pode ter permitido algo de aparentemente mau, para daí tirar um
bem maior.
De resto, Israel foi, desde os primeiros instantes da sua existência, chamado a
ser o Povo de Deus; e esse chamamento é irrevogável. O Povo eleito, chamado por
Deus desde os seus inícios, não pode deixar de ser objecto especial da
misericórdia de Deus.
O texto que nos é hoje proposto é a conclusão da reflexão de Paulo. Trata-se de
um belíssimo hino de louvor, de reconhecimento e de adoração que exalta o
desígnio salvador de Deus.
MENSAGEM
Depois de reflectir sobre o projecto
salvífico de Deus e de ter tentado perceber o lugar de Israel nesse projecto
Paulo, abismado, contempla a riqueza de Deus, a sabedoria de Deus e a ciência
de Deus (vers. 33). Estas três qualidades de Deus conduzem, depois, às
exclamações e interrogações que preenchem o resto do hino (vers. 34-36).
Fundamentalmente, Paulo reconhece que os desígnios de Deus são misteriosos e
ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento do
homem. Deus é sempre "mais" do que aquilo que o homem possa imaginar:
mais sábio, mais poderoso, mais misericordioso... Ao homem resta reconhecer a
sua própria pequenez, os seus próprios limites, a sua própria finitude, a sua
própria incapacidade de compreender totalmente esse Deus desconcertante e
incompreensível. Mesmo quando as coisas parecem não fazer sentido (porque a
lógica de Deus é completamente diferente da lógica dos homens), ao homem resta
atirar-se com confiança para os braços de Deus, acolher humildemente a sua
Palavra e procurar seguir, com simplicidade e amor os seus caminhos...
O verdadeiro crente é aquele que, mesmo sem entender o alcance total dos
projectos de Deus, se entrega confiadamente nas suas mãos e deixa que o seu
espanto, reconhecimento e adoração se transformem num hino de louvor:
"glória a Deus para sempre. Amén".
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar as seguintes
questões:
• Antes de mais, o nosso texto
convida-nos a reflectir sobre Deus... Convida-nos a mergulhar no seu mistério,
a reconhecer a sua riqueza, sabedoria e ciência; convida-nos a reconhecer a
nossa incapacidade de entender cabalmente os seus projectos; convida-nos a
perceber que Deus, na sua infinita sabedoria, nos ultrapassa completamente. Por
isso, precisamos de ter cuidado com as imagens de Deus que criamos e que
apresentamos... O nosso Deus não é um Deus "domesticado" pelo homem,
previsível, fantoche, lógico pelos padrões humanos, que se encaixa nas teorias
de uma qualquer igreja ou catequese... O verdadeiro crente n&a
tilde;o é aquele que "sabe" tudo sobre Deus, que tem respostas feitas
sobre Ele, que pretende conhecê-l'O perfeitamente e dominá-l'O; mas é aquele
que, com honestidade e verdade, mergulha na infinita grandeza de Deus,
abisma-se na contemplação do seu mistério, entrega-se confiadamente nas suas
mãos... e deixa que o seu espanto e admiração se transformem num cântico de
adoração e de louvor.
• Esse Deus omnipotente, que nunca
conseguiremos definir, controlar e explicar não é um concorrente ou um
adversário do homem, preocupado em afirmar a sua grandeza e omnipotência à
custa da humilhação do homem... Mas é um pai, preocupado com a felicidade dos
seus filhos e com um projecto de salvação que Ele pretende que os homens
acolham. É verdade que muitas vezes não percebemos o alcance desse projecto;
mas se virmos em Deus, não um concorrente mas um pai cheio de amor,
aprenderemos a não nos fecharmos no orgulho e na auto-suficiência e a
acolhermos, com gratidão, os seus dons - como um menino que recebe do pai a
vida, o alimento, o afecto, o amor.
ALELUIA - Mt 16,18
Aleluia. Aleluia.
Tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Evangelho: Mt 16,13-20
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Mateus
Naquele tempo,
Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe
e perguntou aos seus discípulos:
«Quem dizem os homens que é o Filho do homem?»
Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista,
outros que é Elias,
outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse:
«Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
Jesus respondeu-lhe:
«Feliz de ti, Simão, filho de Jonas,
porque não foram a carne e o sangue que to revelaram,
mas sim meu Pai que está nos Céus.
Também Eu te digo: Tu és Pedro;
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus:
tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus,
e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
Então, Jesus ordenou aos discípulos
que não dissessem a ninguém
que Ele era o Messias.
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo situa-nos no
Norte da Galileia, perto das nascentes do rio Jordão, em Cesareia de Filipe (na
zona da actual Bânias). A cidade tinha sido construída por Herodes Filipe (filho
de Herodes o Grande) no ano 2 ou 3 a.C., em honra do imperador Augusto.
O episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus.
Aparece num momento de viragem, quando começa a perfilar-se no horizonte de
Jesus um destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus
experimenta a oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A
sua proposta do Reino não é acolhida, senão por um pequeno grupo - o grupo dos
discípulos.
É, então, que Jesus dirige aos discípulos uma série de perguntas sobre si
próprio. Não se trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se,
sobretudo, de tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na
sua opção de seguir Jesus e de apostar no Reino.
O relato de Mateus é um pouco diferente do relato do mesmo episódio feito por
outros evangelistas (nomeadamente Marcos - cf. Mc 8,27-30). Mateus remodelou e
ampliou o texto de Marcos, acrescentando a afirmação de que Jesus é o Filho de
Deus e a missão confiada a Pedro.
MENSAGEM
O nosso texto pode dividir-se em duas
partes. A primeira, de carácter mais cristológico, centra-se em Jesus e na
definição da sua identidade. A segunda, de carácter mais eclesiológico,
centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro.
Na primeira parte (vers. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos:
acerca do que as pessoas dizem dele e acerca do que os próprios discípulos
pensam.
A opinião dos "homens" vê Jesus em continuidade com o passado
("João Baptista", "Elias", "Jeremias" ou
"algum dos profetas"). Não captam a condição única de Jesus, a sua
novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um homem
convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão - como os profetas do
Antigo Testamento... Mas não vão além disso. Na perspectiva dos
"homens", Jesus é, apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou
os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos
outros homens antes d'Ele (vers. 13-14). É muito, mas não é o suficiente:
significa que os "homens" não entenderam a novidade do Messias, nem a
profundidade do mistério de Jesus.
A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum.
Pedro, porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do
Reino na expressão: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (vers.
16). Nestes dois títulos resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí
feita sobre Jesus. Dizer que Jesus é "o Cristo" (Messias) significa
dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para
libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. No entanto, para
os membros da comunidade do Reino, Jesus não é apenas o Messias: é também o
"Filho de Deus". No Antigo Testamento, a expressão "Filho de
Deus" é aplicada aos anjos (cf. Dt 32,8; Sal 29,1; 89,7; Job 1,6), ao Povo
eleito (cf. Ex 4,22; Os 11,1; Jer 3,19), aos vários membros do Povo de Deus
(cf. Dt 14,1-2; Is 1,2; 30,1.9; Jer 3,14), ao rei (cf. 2 Sm 7,14) e ao
Messias/rei da linhagem de David (cf. Sal 2,7; 89,27). Designa a condição de
alguém que tem uma relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem
Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o "Filho de Deus"
significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total comunhão
com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e que Deus
Lhe confiou uma missão única para a salvação dos homens; significa reconhecer a
profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza
os projectos do Pai no meio dos homens. Os discípulos são convidados a entender
dessa forma o mistério de Jesus.
Na segunda parte (vers. 17-20), temos a resposta de Jesus à confissão de fé da
comunidade dos discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por
felicitar Pedro (isto é, a comunidade) pela clareza da fé que o anima. No
entanto, essa fé não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus ("não foram a
carne e o sangue q
ue to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus" - vers. 17). Pedro
(os discípulos) pertence a essa categoria dos "pobres", dos
"simples", abertos à novidade de Deus, que têm um coração disponível
para acolher os dons e as propostas de Deus (esses "pobres" e
"simples" estão em contraposição com os líderes - fariseus, doutores
da Lei, escribas - instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos,
incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus).
O que é que significa Jesus dizer a Pedro que ele é "a rocha" (o nome
"Pedro" é a tradução grega do hebraico "Kephâ" -
"rocha") sobre a qual a Igreja de Jesus vai ser construída? As
palavras de Jesus têm de ser vistas no contexto da confissão de fé precedente.
Mateus está, portanto, a afirmar que a base firme e inamovível sobre a qual vai
assentar a Ekklesia de Jesus é a fé que Pedro e a comunidade dos discípulos
professam: a fé em Jesus como o Messias, Filho de Deus vivo.
Para que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus
e edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe "as chaves do Reino
dos céus" e o poder de "ligar e desligar". A entrega das chaves
equivale à nomeação do "administrador do palácio" de que falava a
primeira leitura: o "administrador do palácio", entre outras coisas,
administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do fechamento
das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir junto do
soberano... Por outro lado, a expressão "atar e desatar" designava,
entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para
declarar o que era ou não permitido, para excluir ou reintroduzir alguém na
comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para
"administrador" e supervisor da Igreja, com autoridade para
interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas
necessidades e situações, e para acolher ou não novos membros na comunidade dos
discípulos do Reino (atenção: todos são chamados por Deus a integrar a
comunidade do Reino; mas aqueles que não estão dispostos a aderir às propostas
de Jesus não podem aí ser admitidos).
Trata-se, aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança
absoluta (o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos
discípulos? Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que
acreditam em Jesus e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a
partir deste texto, fazer afirmações concludentes e definitivas. O poder de
"ligar e desligar", por exemplo, aparece noutro contexto, confiado à
totalidade da comunidade e não a Pedro em exclusivo (cf. Mt 18,18). Provavelmente,
o mais correcto é ver em Pedro o protótipo do discípulo; nele, está
representada essa comunidade que se reúne à volta de Jesus e que proclama a sua
fé em Jesus como o "Messias" e o "Filho de Deus". É a essa
comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia as chaves do Reino e o
poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro fosse uma figura de
referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse um papel de primeiro
plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas comunidades da Síria (as
comunidades a que o Evangelho de Mateus se destina).
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes
dados:
• Quem é Jesus? O que é que "os
homens" dizem de Jesus? Muitos dos nossos conterrâneos vêem em Jesus um
homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo
diferente; outros vêem em Jesus um admirável "mestre" de moral, que
tinha uma proposta de vida "interessante", mas que não conseguiu
impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável condutor de massas,
que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que
passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenómeno;
outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingénuo e inconsequente,
preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou
promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados
em manter o "status quo". Estas visões apresentam Jesus como "um
homem" - embora "um homem" excepcional, que marcou a história e
deixou uma recordação imorredoira. Jesus foi, apenas, um "homem" que
deixou a sua pegada na história, como tantos outros que a história absorveu e
digeriu?
• Para os discípulos, Jesus foi bem mais
do que "um homem". Ele foi e é "o Messias, o Filho de Deus
vivo". Defini-l'O dessa forma significa reconhecer em Jesus o Deus que o
Pai enviou ao mundo com uma proposta de salvação e de vida plena, destinada a
todos os homens. A proposta que Ele apresentou não é apenas uma proposta de
"um homem" bom, generoso, clarividente, que podemos admirar de longe
e aceitar ou não; mas é uma proposta de Deus, destinada a tornar cada homem ou
cada mulher uma pessoa nova, capaz de caminhar ao encontro de Deus e de chegar
à vida plena da felicidade sem fim. A diferença entre o "homem bom" e
o "Messias, Filho de Deus", é a diferença entre alguém a quem
admiramos e que é igual a nós, e alguém que nos transforma, que nos renova e
que nos encaminha para a vida eterna e verdadeira.
• "E vós, quem dizeis que Eu
sou?" É uma pergunta que deve, de forma constante, ecoar nos nossos
ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão não significa papaguear
lições de catequese ou tratados de teologia, mas sim interrogar o nosso coração
e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na nossa existência...
Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na
nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus
valores assumem nas nossas opções, no esforço que fazemos ou que não fazemos
para o seguir... Quem é Cristo para mim?
• É sobre a fé dos discípulos (isto é,
sobre a sua adesão ao Cristo libertador e salvador, que veio do Pai ao encontro
dos homens com uma proposta de vida eterna e verdadeira) que se constrói a
Igreja de Jesus. O que é a Igreja? O nosso texto responde de forma clara: é a
comunidade dos discípulos que reconhecem Jesus como "o Messias, o Filho de
Deus". Que lugar ocupa Jesus na nossa experiência de caminhada em Igreja?
Porque é que estamos na Igreja: é por causa de Jesus Cristo, ou é por outras
causas (tradição, inércia, promoção pessoal...)?
• A Igreja de Jesus não existe, no
entanto, para ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e
inconsequente do "Messias, Filho de Deus"; mas existe para O
testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a proposta de salvação
que Cristo veio oferecer. Temos consciência desta dimensão "profética"
e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem contactamos no dia a
dia - em casa, no emprego, na escola, na rua, no prédio, nos acontecimentos
sociais - recebem de nós este anúncio e este convite a integrar a comunidade da
salvação?
• A comunidade dos discípulos é uma
comunidade organizada e estruturada, onde existem pessoas que presidem e que
desempenham o serviço da autoridade. Essa autoridade não é, no entanto,
absoluta; mas é uma autoridade que deve, constantemente, ser amor e serviço.
Sobretudo, é uma autoridade que deve procurar discernir, em cada momento, as
propostas de Cristo e a interpelação que Ele lança aos discípulos e a todos os
homens.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. ACLAMAR O FILHO DE DEUS VIVO.
A Boa Nova deste domingo convida a dar uma atenção particular à profissão de
fé. Poder-se-ia dar um maior destaque à aclamação ao Evangelho. O presidente
apresenta o Evangeliário aberto à assembleia, dizendo: "Senhor Jesus,
cremos que tens palavras de vida eterna!" A assembleia retoma o refrão,
cantando: "Louvor e glória a Ti, Senhor Jesus" (ou outro refrão).
Depois: "Senhor Jesus, cremos que és o Salvador de todos os homens" e
refrão. E finalmente: "Senhor Jesus, cremos que és o Caminho, a Verdade e
a Vida" e refrão.
3. INSISTIR NA PROFISSÃO DE FÉ.
Como eco ao texto do Evangelho (confissão de fé de Pedro), pode-se insistir
particularmente na profissão de fé. Poder-se-á tomar a do tipo
pergunta/resposta: profissão de fé baptismal ou uma das propostas no ritual da
confirmação. Recorde-se que a resposta é sempre "CREIO" e não
"cremos".
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Mestre do universo, nós Te louvamos porque em todo o tempo enviaste profetas.
Iluminados pelo teu Espírito, eles perceberam os sinais dos tempos. Tornados
fortes pelo teu Espírito, denunciaram o mal com coragem.
Nós Te pedimos: torna-nos receptivos aos profetas do nosso tempo, suscita
pastores para as nossas comunidades e para o nosso mundo.
No final da segunda leitura:
Deus, que ultrapassas infinitamente tudo o que possamos imaginar, com o
apóstolo Paulo proclamamos a profundidade e a riqueza da tua sabedoria e da tua
ciência. A Ti, glória eterna!
Nós Te pedimos pelos pregadores, catequistas, teólogos e mensageiros da tua
Palavra. Que o teu Espírito nos eduque para a acção de graças.
No final do Evangelho:
Jesus, nosso irmão, com o apóstolo Pedro proclamamos os títulos que revelam a
tua natureza e a tua missão: Filho do homem, novo Elias, grande Profeta,
Messias, Filho do Deus vivo. Nós Te bendizemos!
Nós Te pedimos pela tua Igreja, pelo sucessor de Pedro e por todos os bispos a
quem confias as chaves do teu Reino.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística I, que nomeia os Apóstolos e em
particular Pedro, de quem o Evangelho de hoje fala da confissão de fé.
6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
«Para vós, quem sou Eu?» Tomemos tempo para colocar esta questão a nós mesmos,
no real muito concreto das nossas existências. Quem é Jesus para nós? E que
"dizemos" d'Ele - ou não dizemos - quando se apresenta ocasião para
testemunhar a nossa fé?
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org
Obrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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