Domingo, 16 de fevereiro de 2014
6º Domingo do Tempo Comum
Santos do Dia:Agano de Airola (abade), Elias, Jeremias, Isaías, Samuel e Daniel
(mártires de Cesaréia Marítima), Faustino de Brescia (bispo), Gilberto de
Sempringham (fundador), Honesto de Nîmes (mártir), João de Santo Domingo
(mártir), Juliana de Nicomédia (virgem, mártir), Juliano do Egito e
Companheiros (mártires), Onésimo (bispo, mártir, amigo do Apóstolo Paulo,
citado por ele na Carta a Filêmon 1,18-19 e aos Colossenses 4,7-9), Porfírio e
Selêucio (mártires de Cesaréia).
Primeira leitura: Eclesiástico 15,16-21
A ninguém mandou agir como ímpio
Salmo responsorial: Salmo 118(119),1-2.4-5.17-18.33-34
Feliz o homem sem pecado em seu caminho, que na lei do Senhor Deus vai progredindo
Segunda leitura: 1 Corintios 2,6-10
Deus destinou, desde a eternidade, uma sabedoria para nossa glória
Evangelho: Mateus 5,17-37
Assim foi dito aos antigos; eu, porém, vos digo
A ninguém mandou agir como ímpio
Salmo responsorial: Salmo 118(119),1-2.4-5.17-18.33-34
Feliz o homem sem pecado em seu caminho, que na lei do Senhor Deus vai progredindo
Segunda leitura: 1 Corintios 2,6-10
Deus destinou, desde a eternidade, uma sabedoria para nossa glória
Evangelho: Mateus 5,17-37
Assim foi dito aos antigos; eu, porém, vos digo
As leituras deste domingo tem como
finalidade fazer-nos ver como Deus age no meio da humanidade, permitem-nos
compreender a lógica de Deus, nos revelam a maneira de Deus salvar o ser humano
do pecado, entendendo o pecado como essa tendência presente no interior da
pessoa que a leva a encerrar-se em si mesma, em seus próprios limites humanos,
sem poder abrir-se à experiência infinita de salvação trazida pelo próprio
Deus.
A primeira leitura, do livro do
Eclesiástico, desenvolve o tema da liberdade que o ser humano possui para
escolher entre o bem e o mal, a vida e a morte. Somos livre e “condenados a ser
livres” de alguma forma. Não podemos abdicar de nossa responsabilidade. Diante
de nós temos as grandes opções, as grandes causas, esperando que nos decidamos.
“More e vida” estão diante de nós, ao alcance de nossa Mao, pela via de uma
opção firme.
Se em nossa vida dominam o mal e a
morte, e com isso a falta de sentido e a desesperança, já fomos advertidos:
podemos fazer de nossa vida uma coisa ou outra, graças ao poder da liberdade
que nos foi dada, a capacidade de escolher a morte e a vida e com isso a
capacidade de converter-nos em vida ou em morte. A capacidade de fazer-nos a
nós mesmo. É um dos mistérios maiores de nossa existência, o mistério da
liberdade.
No fragmento da carta aos Coríntios,
Paulo fala, mesmo que de passagem, de “uma sabedoria que não é deste mundo”,
que procede de outro mundo, que está em outro mundo, o mundo de Deus, que é um
mundo “superior”, situado literalmente acima de nós. É o mundo superior que os
filósofos e sábios do mundo cultural helenista “imaginaram” (não deixa de ser
uma “imagem”) para explicar a realidade e que acabou se tornando uma imagem
genial, que parece expressar uma explicação natural e óbvia do mundo, que será
acolhida por quase todas as culturas subseqüentes (até a época moderna).
E é um conhecimento escondido,
inalcançável, que nada tem que ver com os saberes deste mundo e que pertence
somente a Deus e a quem ele queira revelar... É a visão “gnóstica”, da “gnose”
ou “conhecimento”, um conhecimento divino que passa a ser como que um símbolo
do principal bem salvífico: participar desse conhecimento divino que salva é o
objetivo da vida humana, porque esse conhecimento é o que salva a pessoa e a
faz tomar as decisões adequadas em sua vida, as decisões que a fazem caminhar o
caminho de Deus.
É a mesma tradição da “sabedoria”, já
presente no Primeiro Testamento também por influxo helenista. Paulo se move
nesse âmbito de pensamento e nessa mesma cosmovisão grega dos dois mundos, ou
de dois pisos, um de cima (o de Deus e dos seus, ou das idéias, segundo Platão)
e outro abaixo (o dos humanos, ou da matéria corruptível, segundo Platão).
Hoje continuamos lendo o evangelho de
Mateus, em sequência consecutiva com os fragmentos proclamados nos domingos
anteriores. É o sermão da Montanha, que começou com as Bem aventuranças e que
continua com a exposição das exigências da Lei de Moisés (Torá), explicadas por
Mateus, que está escrevendo para uma comunidade composta por judeus, que se
tornou cristã, obviamente sem deixar de as pessoas serem de origem judaica,
como ocorreu com os demais cristãos.
É preciso atenção, pois, para o fato de
que a representação da Lei no evangelho de Mateus está escrita para essa
comunidade concreta, que difere muito das nossas leis. Obviamente, tem também
um valor universal, porém deve-se ter noção da peculiaridade dessa comunidade,
para não “judaizar” desnecessariamente a todos os demais.
Porém, além dessa peculiaridade do
evangelho de Mateus, todo o evangelho tem outra característica significativa
neste campo da moral, da Lei, que é semelhante a que fazíamos notar a respeito
da leitura anterior, a de Paulo, sobre o conhecimento salvífico ou gnose. A
moral viria a ser também uma espécie de conhecimento gnóstico: é uma vontade,
divina, superior, vinda de fora, desde cima, desde “o segundo piso”, que temos
que tratar de escutar nessa direção. É uma moral “hetero-norma”, um norma
alheia, vinda de fora, de cima, à qual temos que nos submeter. Submeter-se a
essa lei é o sentido da vida humana.
A moral, os preceitos, os mandamentos...
com sua constrição sobre a vida humana, e a conseqüente ameaça de pecado e de
condenação, foram uma das fontes clássicas de fricção da religião com o mundo
moderno. Durante todo o mundo antigo, configurado com os padrões do
autoritarismo, dos impérios e do feudalismo, das monarquias absolutas... o ser
humano aceitava “como o mais natural do mundo” que o “mundo de cima” era
estruturalmente como o daqui de baixo, isto é, um mundo onde Deus está sentado
em seu trono (como o imperador ou o rei ou o senhor feudal aqui embaixo), com
seu séquito de cortesãos da “corte celestial” (como a Corte de qualquer rei
humano), vigiando o mundo para que se cumpram as ordens que desde cima eram
ditadas.
Santo Inácio de Loyola, como homem de
cosmovisão medieval, reflete belamente em sua explicação global a respeito do
sentido da vida humana, em sua meditação central, a do Princípio e fundamento: “o homem é
criado para louvar, para fazer reverencia e servir a Deus nosso Senhor e,
mediante isso, salvar sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são
criadas para o homem e para que o ajudem a conseguir o fim para o qual foi
criado.
De onde se segue que o homem pode usar
das coisas para alcançar o seu fim, e deve deixar as coisas que o impedem de
alcançá-lo. Por isso é necessário manifestar indiferença perante todas as
coisas criadas, o tanto quanto possível ao nosso livre arbítrio, contanto que
não sejam coisas proibidas; dessa maneira que não queiramos de nossa parte mais
saúde que enfermidade, mais riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa
que curta, e, cosequentemente, em tudo o mais; somente desejando e escolhendo o
que mais nos conduz ao fim a que somos criados” (Exercicios Espirituais, 23).
Santo Inácio não inventou nada de novo.
Expressava, antologicamente, isso sim, a visão medieval e pré-moderna de uma
cosmovisão salvadora estruturada em dois pisos, um superior (não somente porque
está em cima, mas porque é absolutamente superior em sua natureza), e outro
inferior (temporal, passageiro, corruptível, perigoso...). Do piso de cima vem
tudo: o Ser, o Amor, a Verdade, a Beleza... e a moral. Uma moral, pois,
absolutamente heterônoma, indiscutível, absolutamente inapelável e, nesse
sentido, facilmente, perceptível como constringente e cegamente obrigatória,
alheia a toda explicação justificativa e, nesse sentido, opressiva.
O mundo moderno mudou radicalmente. O Ancien Regime do autoritarismo, imperialismo, da
obediência cega, do submetimento omnímodo e a-racional acabou. Os impérios,
reinos e monarquias acabaram, e apareceram as repúblicas e as democracias, e os
direitos dos cidadãos (já não súditos). Uma moral exterior, pré-estabelecida,
superior, sem justificação, inapelável... é sentida agora como sufocadoramente
opressora.
Com a vinda da modernidade, em todos os
campos, o mundo de cima, o segundo piso, que genialmente configuraram os
helenistas, com Platão à frente, desaparece como que evapora. Não faz falta que
seja negado, mas que a ciência, com seus avanços, cada dia o deixa para trás,
em favor da descoberta de tudo que funciona “como se Deus não existisse”. O
cristão moderno, o que não vive com sua cabeça no mundo pré-moderno medieval,
não pode aceitar aquela visão dividida em dois mundos, por muito espiritual que
se apresente, senão que passa a viver em um mundo novo, um mundo único, uma
única realidade, sem dois pisos superpostos.
Essa transformação é uma realidade na
cultura moderna, por mais que muitos cristãos e não poucas religiões continuem
vivendo separadamente entre a vida real e a pública, por um lado, e a vida
espiritual dualista de suas representações religiosas, de outro. Por isso,
muitos cristãos se sentem retraídos ao mundo de seus avós quando escutam este
tipo de discurso de uma moral “heterônoma”, como se continuassem existindo
preceitos caídos do alto, revelados, e por isso mesmo, indiscutíveis,
inquestionáveis, aos quais somente caberia submeter-se acriticamente como
súditos do Rei do céu (de um segundo piso).
Oração: Deus nosso, que em nossa tradição judaico cristã nos deste antigamente
uma lei revelada, escrita em tábuas de pedra e referendada com a ameaça de castigo
depois da morte. Ajuda-nos a passar a descobrir um novo sentido moral, não
baseado no temor do castigo, nem na promessa de premio, mas no valor mesmo da
Verdade e do Bem. Isto te pedimos, inspirados em Jesus, Tua Palavra para nós.
Amém.
Que visão teológica abrangente e esclarecedora principalmente para um leigo como eu, agora um privilegiado por ter acesso a tantas informações, obrigado a todos os que nos ajudam a esclarecer entendendo melhor o que nos revela A PALAVRA.
ResponderExcluirNelson Sergio Pereira