DIA 12 QUARTA - Evangelho
- Mc 7,14-23
Muitas vezes costumamos usar frases como
“estou passando por uma tempestade” para falar que estamos passando por uma
situação difícil.
E quantas vezes também dizemos que nossa
comunidade esta navegando em “águas tranqüilas” ou de “vento em popa”. Com isso
queremos dizer que o momento não há dificuldades, que tudo vai bem, as pessoas
se entendem e de fora não há maiores ameaças que possam destruir o espírito
comunitário. Mas, é assim que sentimos normalmente a comunidade? Ou tem outras
figuras que explicam melhor o que se passa? Por exemplo: parece que o “barco
esta afundando” ou uma “tempestade” atingiu nossa comunidade, ou ainda, tem
muita “onda brava” querendo nos arrasar. Que significa isso? Que mar de nossa
sociedade está tão cheio de perigos, ameaças que a gente não consegue mais se
defender. Ou que os ventos do espírito de egoísmo e consumismo invadem tudo. E
nós, ficamos com medo ou resistimos com confiança e coragem? Como sentimos a
presença de Jesus que acalma a tempestade?
Marcos usa essa mesma linguagem para
mostrar como as suas comunidades estavam trinta e sete anos após a morte e
ressurreição de Jesus. Explico-me melhor.
Quando surgiu o Evangelho de Marcos, por
volta dos anos 70, suas comunidades estavam sendo perseguidas pelo Império
Romano. A situação de medo, pavor e intranqüilidades fez com que Marcos
comparasse suas comunidades com um barquinho perdido no mar da vida, açoitado
por ventos fortes o impedido de chegar ao porto.
Para os Judeus o mar era o lugar da
morada dos monstros e dos poderes da morte, onde a frágil vida do homem estava
em constante perigo. Para os membros das comunidades, Jesus parece estar
dormindo, pois não aparece nenhum poder divino para salvá-las das perseguições.
É em vista desta situação de desespero que Marcos na hora de escrever o seu
Evangelho, como resposta positiva para as comunidades se animarem, recolhe
vários episódios da vida que revelam qual o Jesus presente no meio das comunidades.
Com esse episódio Marcos procura abrir os olhos dos membros da sua comunidade
para mostrar-lhes que o contrário da fé não é a incredulidade, mas sim o medo.
E que o medo impede de compreender Jesus como o Senhor da vida, que triunfa
sobre a morte. Jesus é vencedor! Não há motivo para elas terem medo. Este é o
motivo do relato da tempestade acalmada.
Foi um dia pesado, de muito trabalho.
Terminado o discurso das parábolas, Jesus diz: “Vamos para o outro lado!”. Do
outro lado do mar da Galiléia ficava uma região de gente “pagã”, que não
pertencia ao povo israelita. Os discípulos sentiam medo de entrar em contato
com essa gente. Do jeito que Jesus estava, eles o levam no barco, de onde tinha
feito o discurso das parábolas. De tão cansado, Jesus deita e dorme. Este é o
quadro inicial que Marcos pinta. Quadro bonito, bem humano.
O mar era um lugar que dava medo. O povo
daquele tempo pensava que no mar moravam grandes monstros e onde o demônio
andava solto. Quem mandava no mar eram os demônios. Por isso, na Bíblia, muitas
vezes mar não tem só o sentido de grande extensão de água, mas também símbolo
de perigo e das forças do mal.
Só que muita gente não sabe que o “Mar
da Galiléia” na verdade não passava e não de um grande lago cercado de altas
montanhas. Às vezes, por entre as fendas das rochas, o vento cai em cima do
lago e provoca tempestades repentinas provocando as inúmeras interpretações,
como as que já vimos.
Vento forte, mar agitado, ondas… São
também símbolos de agitação, ligados ao mar. Quando as primeiras comunidades
cristãs refletiam esta passagem do Evangelho, lembravam-se das suas
dificuldades e das ameaças de destruição que enfrentavam.
Os discípulos eram pescadores
experientes. Se eles acham que vão afundar, então a situação é perigosa mesmo!
A barca era um instrumento para navegar. Mas, era também um símbolo da
comunidade dos primeiros cristãos. Eles sentiam a sua caminhada como um barco
navegando no mar. Por isso, no texto fala não só da barca onde este Jesus, mas
também de outras barcas, que representam todas as comunidades que surgiram
depois de Jesus.
Jesus nem sequer acorda e continua
dormindo. Este sono profundo não é só sinal do grande cansaço, é também
expressão da confiança tranqüila que ele tem em Deus. O contraste entre a
atitude de Jesus e a dos discípulos é grande!
Os primeiros cristãos, muitas vezes,
achavam que as dificuldades e perseguições eram maiores do que as suas forças.
Jesus, que tinha prometido estar sempre junto deles, parecia estar dormindo…
Jesus acorda, não por causa das ondas,
mas por causa do grito desesperado dos discípulos. Primeiro, ele se dirige ao
mar e diz: Fique quieto! Cale-se! Acalme-se!. E logo o mar se acalma. Não se
trata de uma ordem de Jesus que tem efeitos mágicos. Marcos não quer mostrar
que Jesus pode mudar as leis da natureza. Quer mostrar que Jesus é uma presença
que vence os poderes do mal e traz de novo coragem e confiança para os
seguidores que estão assustados com as dificuldades e perseguições.
Em seguida, se dirige, aos discípulos e
diz: “Por que vocês têm medo? Ainda não têm fé?” A impressão quer se tem é que
não é preciso acalmar o mar, pois não havia nenhum perigo: É como quando você
chega numa casa e o cachorro, ao lado do dono late muito. Aí não precisa ter
medo, pois o dono está lá e controla a situação. O episódio evoca o êxodo,
quando o povo, sem medo, passava pelo meio das águas do mar (Ex 14,22). Evoca o
profeta Isaías que dizia ao povo: “Quando passares pelas águas eu estarei
contigo!” (Is 43,2). Jesus refaz o êxodo e realiza a profecia anunciada pelo
Salmo 107 (106).
Jesus acalma o mar e diz: “Então, vocês
não têm fé?” Os discípulos não sabem o que responder e se perguntam: “Quem é
este homem a quem até o mar e o vento obedecem?” Jesus parece um estranho para
eles! Apesar da longa convivência, não sabem direito quem ele é. Quem é este
homem? Com esta pergunta na cabeça, as comunidades continuavam a leitura E até
hoje, é esta mesma pergunta que nos leva a continuar a leitura do Evangelho. É
o desejo de conhecer sempre melhor o significado de Jesus para a nossa vida.
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