31/05/2015
Santíssima Trindade - Ano B
Santíssima
Trindade
Ano B
TEMA
A
Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se
esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a
contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os
homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na
primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da relação, empenhado em
estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao
encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de
liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens,
que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para
nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
A segunda
leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem acreditamos não é um
Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de Criador e que
assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus
que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de
oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
No
Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para
se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os
discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no
meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem
excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.
LEITURA I
- Deut 4,32-34.39-40
Moisés
falou ao povo, dizendo:
«Interroga
os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem
sobre a terra. Dum extremo ao outro dos céus,
sucedeu
alguma vez coisa tão prodigiosa? Ouviu-se porventura palavra semelhante? Que
povo escutou como tu a voz de Deus a falar do meio do fogo
e
continuou a viver?
Qual foi
o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação,
por meio
de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido,
juntamente
com tremendas maravilhas,
como fez
por vós o Senhor vosso Deus no Egipto, diante dos vossos olhos?
Considera
hoje e medita no teu coração que o Senhor é o único Deus,
no alto
dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro.
Cumprirás
as suas leis e os seus mandamentos, que hoje te prescrevo,
para
seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti,
e tenhas
longa vida
na terra
que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».
AMBIENTE
o Livro
do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da
Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias
(622 a.C., cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários
do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas
dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua
teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local
de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança
eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de
Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o
Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
Literariamente,
o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados
nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao
Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os
compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com
Jahwéh.
O texto
que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés
(cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em
estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da
história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga,
na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor
apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas
exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a
expressão "e agora, Israel 0, que enlaça esta secção com a precedente:
mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos
acontecimentos históricos anteriormente expostosoA acção de Deus ao longo da
caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
O
capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente,
na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra
estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava
afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-Ia através do culto, impressionado com o
esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o
risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os
teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua
história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a
comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.
MENSAGEM
No trecho
que nos é proposto, o autor deuteronomista começa por convidar Israel a
contemplar a história "desde o dia em que Deus criou o homem sobre a
terra"oO resultado dessa contemplação é a constatação do contínuo empenho
de Jahwéh no sentido de oferecer ao seu Povo a vida e a salvação.
Toda a
história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária história de
relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em estabelecer
comunhão e familiaridade com o seu Povo. Jahwéh escolheu Israel de entre todos
os povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e realizou gestos
destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas, Deus fez ouvir
a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão para a liberdade.
Como é
que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo deve responder
aos apelos de Deus?
Na
perspectiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro lugar,
reconhecer que "só o Senhor é DeusOe que não há outro". D'Ele e só
d'Ele brotam a vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta constatação
convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização noutros deuses,
noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em segundo lugar,
cumprir as leis e os mandamentos de Deus, pois essas leis e mandamentos são o
caminho seguro para a felicidade.
Este
"caminho" aqui apontado aos crentes de Israel (e aos crentes de todas
as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de servidão; mas é um
caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos homens para os tornar
dependentes, mas para os libertar e para os levar à vida verdadeira, à
felicidade plena.
ACTUALIZAÇÃO
+ Quem é
Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em quem acreditamos
é um Deus sensível aos problemas dos homens e que Se preocupa em percorrer com
eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível e distante, que
olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que Se recusa a sujar
as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de amar os homens e
de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus intolerante, duro
e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do homem? A Solenidade
da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrir o verdadeiro
rosto de Deus. A primeira leitura deste domingo dá-nos algumas pistas para
perceber Deus e para reconhecer o seu verdadeiro rostoo
+ Nesta
catequese do livro do Deuteronómio, Jahwéh revela-Se como o Deus da relação,
empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que
vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de
liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens,
que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para
nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira. Por vezes, ao longo da
nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas nossas
dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a história
segueo Mas a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de Deus
deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e que nos permite
encarar cada passo da nossa existência com alegria e serenidade.
+ O
catequista deuteronomista garante que Jahwéh é o único Deus capaz de realizar
estas obras em favor do homem e que só n'Ele o homem encontra a verdadeira vida
e a verdadeira liberdade. Esta afirmação convida-nos a reflectir sobre o papel
que outros "deuses" (bem mais falíveis, bem menos dignos de
confiança) desempenham na nossa existênciaOEm quem é que pomos a nossa esperança?
Esses "deuses" que tantas vezes nos seduzem (o dinheiro, o poder, a
fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da rnodaü que tantas vezes
atraem a nossa atenção e condicionam as nossas opções, são verdadeiramente
garantia de vida e de felicidade? Esses "deuses" trazem-nos liberdade
e esperança ou escravidão e alienação?
+ O autor
do texto que nos é proposto convida o Povo a cumprir as leis e os mandamentos
que Deus propõe; e garante que as propostas de Deus são o caminho seguro para a
felicidade e para a realização plena do homem. Os mandamentos não são propostas
destinadas a limitar a nossa liberdade e a prender-nos a um deus ciumento e
castrador; mas são sugestões de um Deus que nos ama, que quer a nossa
felicidade e realização plena e que, no respeito absoluto pela nossa liberdade,
não desiste de nos indicar o caminho para a verdadeira vida.
SALMO
RESPONSORIAL - Salmo 32 (33)
Refrão:
Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.
A palavra
do Senhor é recta,
da
fidelidade nascem as suas obras. Ele ama a justiça e a rectidão:
a terra
está cheia da bondade do Senhor.
A palavra
do Senhor criou os céus, o sopro da sua boca os adornou. Ele disse e tudo foi
feito,
Ele
mandou e tudo foi criado.
Os olhos
do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua
bondade,
para
libertar da morte as suas almas
e os
alimentar no tempo da fome.
A nossa
alma espera o Senhor:
Ele é o
nosso amparo e protector. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós
esperamos, Senhor.
7
LEITURA
11- Romanos 8,14-17
Irmãos:
Todos os
que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
Vós não
recebestes um espírito de escravidão para recair no temor,
mas o
Espírito de adopção filial, pelo qual exclamamos: «Abba, Pai». O próprio
Espírito dá testemunho, em união com o nosso espírito,
de que
somos filhos de Deus.
Se somos
filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo; se
sofrermos com Ele,
também
com ele seremos glorificados.
AMBIENTE
A Carta
aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano
57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua
pregação. O pretexto para a carta é um projecto de passagem por Roma, a caminho
de Espanha (cf. Rom 16,23-24): Paulo sente que terminou a sua missão no oriente
e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.
Na
verdade, esse projecto de passagem por Roma parece ser, sobretudo, um pretexto
para Paulo se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias acerca da
salvação. Na comunidade cristã de Roma - como, aliás, em quase todas as
comunidades cristãs de então - havia divergências entre cristãos vindos do
judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os
judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de
Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. A uns e a outros,
Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristãCO apóstolo insiste,
sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta
dos actos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade,
todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade
universal (cf. Rom 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos "justifica"
e salva (cf. Rom 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem
através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na
fé (cf. Rom 5,12-8,39).
O texto
que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que Paulo reflecte sobre a
vida nova que Deus oferece ao baptizado e que Paulo chama "a vida no
Espírito". O pensamento teológico de Paulo atinge, neste capítulo, um dos
seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos (o projecto
salvador de Deus em favor dos homens; a acção libertadora de Cristo, através da
sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida que faz dos
crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus) se cruzam aqui.
Paulo
procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da Lei, do pecado
e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da "carne" (que é
viver em oposição a Deus, numa vida da egoísmo, de auto-suficiência, de
orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do Espírito (que é viver em
relação com Deus, escutando as suas propostas e sugestões, na obediência aos
projectos de Deus e na doação da própria vida aos irmãos).
MENSAGEM
O crente
que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive "no
Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de relação e
de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida de Deus.
Os que
aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito" são "filhos
de Deus":
Deus é,
para eles, um Pai que continuamente os cria e lhes dá vida. A partir de então,
os crentes integram a "família de Deus". Não são escravos que vivem
no medo de um patrão ciumento e exigente (como era a Lei de Moisés); mas são
"filhos" queridos, que Deus ama com amor infinito. Ao dirigirem-se a
Deus, os crentes podem usar, com propriedade, a palavra "abba" (a
palavra com que, familiarmente, as crianças se dirigem ao pai e que pode
traduzir-se como "papá") - expressão de intimidade filial, que define
uma relação marcada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança, pela
ternura.
A
condição de "filhos" equipara os crentes com Cristo. Eles tornam-se,
assim, "herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo". Qual é essa
"herança" que lhes está reservada? É a vida plena e definitiva, que
Deus oferece àqueles que aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com Ele o
caminho do amor, da doação, da entrega da vida.
O nosso
Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação, apostado em vir
ao encontro dos homens, em oferecer-lhes vida, em integrá-los na sua família,
em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida plena e definitiva.
ACTUALIZAÇÃO
+ Mais
uma vez a Palavra que nos é proposta reafirma esta realidade: o Deus em quem
acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que Se demitiu do seu papel
de criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos
homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que
não desiste de oferecer aos homens a vida plena e verdadeira. Há, ao longo da
nossa caminhada pela vida, momentos de solidão e de desespero, em que
procuramos Deus e não conseguimos descortinar a sua presença; mas, sobretudo
nesses momentos dramáticos, é preciso não esquecer que Deus nunca desiste dos
seus filhos e que nenhum de nós Lhe é indiferente.
+ À oferta
de vida que Deus faz, o homem pode responder positiva ou negativamente. Se o
homem preferir recusar a vida que Deus oferece e trilhar caminhos de egoísmo,
de orgulho e de auto-suficiência, está a rejeitar a possibilidade de aceder à
vida plena e verdadeira; se o homem estiver disponível para acolher a salvação
que Deus oferece em Jesus, torna-se herdeiro da vida eterna. Em que situação é
que eu me coloco, diante dos dons de Deus?
+ Os
membros da comunidade cristã, que pelo Baptismo aderiram ao projecto de
salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada
pelo Espírito, integram a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a
pertença à família trinitária.
+ Esta
"vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa
relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a
bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso
compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas
relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de
Deus"?
ALELUIA -
Ap 1,8
Aleluia.
Aleluia.
Glória ao
Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, ao Deus que é, que era e que há-de vir.
EVANGELHO
- Mt 28,16-20
Naquele
tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que
Jesus lhes indicara.
Quando O
viram, adoraram-n'O;
mas
alguns ainda duvidaram.
Jesus
aproximou-Se e disse-lhes:
«Todo o
poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e fazei discípulos de todas as nações,
baptizando-as
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o
que vos mandei.
Eu estou
sempre convosco até ao fim dos tempos».
AMBIENTE
o texto
situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é
muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio - cf. Mt 28,1-15). De
acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado encontro com
os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que
apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e
ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se
dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.
A
Galileia - região setentrional da Palestina - era uma região próspera e bem
povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta
região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de
pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias
fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma
maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos
pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a
interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às
impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto
fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e
considerassem que da Galileia "não podia sair nada de bom".
No
entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi também na
Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do "Reino" e que
começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para
Mateus, esse facto sugere que a o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão
universal: destina-se a judeus e pagãos.
Mateus
situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos, num
"monte que Jesus lhes indicara". Trata-se, no entanto, de uma
montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que
talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da
transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o "monte" é sempre,
no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.
MENSAGEM
o texto
que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas
partes.
Na
primeira (vers. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado,
revela-se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como "o
Senhor" e adoram-n'O. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta
uma expressão que alguns traduzem como "alguns ainda duvidaram" e
outros como "eles que tinham duvidado" (gramaticalmente, ambas as
traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé
não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a
expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos - expressa em vários
momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém - e que aqui perde qualquer
razão de ser.
Ao
reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação do
mistério de Jesus, que reflecte a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o
"Kyrios", que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história;
Jesus é "o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para
os discípulos; Jesus é o "Deus connosco", que acompanhará, a par e
passo, a caminhada dos discípulos pela história.
Na
segunda (vers. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo
mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja
missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus
veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A
primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade
da missão dos discípulos destina-se a "todas as nações".
A segunda
nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de
Mateus: o ensino e o baptismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram
as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre pelo
catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os discípulos
estavam informados da proposta de Jesus, vinha o baptismo - que selava a íntima
vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (era a adesão à
proposta anteriormente feita).
Uma
última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim dos
tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da
comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua
Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história,
ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
ACTUALIZAÇÃO
+ Este
texto evangélico foi escolhido para o dia da Santíssima Trindade, pois nele
aparece uma fórmula trinitária usada no baptismo cristão ("em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo"). O nosso texto sugere, antes de mais, que
ser baptizado é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade
trinitária… No dia em que fomos baptizados, comprometemo-nos com
Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A
minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
+ Quem
acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a comunidade
trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens, dessa vida nova que Deus
oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus, testemunhar o
amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a família de Deus. Os
irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da vida recebem essa mensagem? As
nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com que Deus ama todos
os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da família de Deus e
apresentam um convite credível e convincente aos homens para que integrem a
comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
+ A
missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos os homens na família
de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de
culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de
Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem excepção, têm lugar na família
de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem
distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas
- a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a comunidade
trinitária? Tenho consciência de que sou chamado a apresentar a todos os homens
- mesmo àqueles que habitam no outro lado do mundo - o convite para integrar a família
de Deus?
+ Num
mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações dos homens,
testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para integrar a
família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o mundo gera muitas vezes,
nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração… Nos momentos de
decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus:
"Eu
estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a
coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
+ A
celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e
decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser,
sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade.
Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe
e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai,
o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus,
como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é
também negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um
Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O
Deus família torna-Se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados
aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue
"dizer" o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de
Deus.
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA A
SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE (adaptadas de "Signes
d'eujcurd'hui"}
1. A
PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo
dos dias da semana anterior à Solenidade da Santíssima Trindade, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus…
2.
BILHETE DE EVANGELHO.
Se na
montanha da Galileia alguns dos onze tiveram dúvidas, é talvez porque eles
pensavam tomar a iniciativa do encontro com o Ressuscitado, só contavam com
eles para acreditar: a sua inteligência procurava compreender, os seus olhos
queriam ver, as suas mãos procuravam tocar, o seu coração desejava amar, mas
não esqueciam então que era o Ressuscitado que tinha a iniciativa? Então Jesus
assegura-lhes, é Ele que os envia: "Ide!" É em nome de Deus Pai,
Filho e Espírito que deverão baptizar; e os mandamentos que farão observar são
os mesmos que o próprio Jesus lhes deu. Enfim, Jesus não reprova as suas
dúvidas, apenas lhes assegura: "Eu estou sempre convosco até ao fim dos
tempos". Duvidar, não será falta de confiança? Ter medo, não será esquecer
uma presença?
3. À
ESCUTA DA PALAVRA.
Trindade,
Movimento de Amor! Um mais um igual a um! As matemáticas divinas não obedecem à
nossa lógica! Para além da expressão um pouco técnico da palavra, a fé na
Trindade é o coração absoluto do cristianismo. Está na concepção mais
fundamental que temos de Deus. Quando São Mateus escreve: "Baptizai-os em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", utiliza uma antiga fórmula
baptismal muito precisa. Trata-se de ser mergulhado, imerso num movimento,
aquele que diz o próprio Nome de um Deus que é Pai, Filho e Espírito. São João
diz também, no final do seu prólogo, que "o Filho único está no seio do
Pai". Longe de ficar estático, "instalado", o Filho só encontra
a verdade última do seu ser na medida em que está ligado ao Pai por um
movimento de amor. Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que
"Deus é Amor". O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais
precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não
existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que
Jesus chama "Abba", "papá", só pode existir como fonte de
amor. Ele não se pode definir unicamente como o "Ser Supremo". O Pai
é a fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a
perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor
que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o "peso" que,
brotando do Coração do Pai, O faz "abanar" no dom total de Si mesmo
ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e
nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os baptizados. A vida dos
cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos
mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de
amor que é Deus. "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros".
4. PARA A
SEMANA QUE SE SEGUE
Ver em
cada um… Não é preciso questionarmo-nos muito tempo sobre como fazer para amar
os outros… Basta ver Jesus em todo o ser humano, junto de cada um, e saber que
o Reino se constrói nos gestos humildes de hoje!
Grupo
Dinamizador
Pe.
Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tele,
10:: 1800-129 Lisboa - Portugal
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540 900:: Fax: 218540909
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