DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2015
Pentecostes
Vicente de Lerins,
Susana, Marua Auxiliadora
Atos 2,1-11: Todos
ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar
Salmo 103: Envia teu
Espírito, Senhor, e renova a face da terra
1Coríntios
12,3b-7.12-13: Fomos batizados todos no mesmo Espírito
João 20,19-23: Recebam o
Espírito Santo.
19 Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da
semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por
medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz
esteja convosco! 20 Dito
isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o
Senhor. 21 Disse-lhes
outra vez: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos
envio a vós. 22 Depois
dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. 23 Àqueles
a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos.
COMENTÁRIO
Qualquer grande cidade do mundo atual já lembra o ambiente da torre de
Babel: pluralidade de línguas, pluralidade de culturas, pluralidade de ideias,
pluralidade de estilos de vida e problemas imensos de intolerância e
incompreensão entre os que a habitam. Como conviver e entender-se com tantas
diferenças? A situação está se tornando especialmente problemática nos países
desenvolvidos, porém também nas grandes cidades de todo o mundo. Imigrantes do
campo, do interior, de outros estados ou países que deixam tudo para buscar
trabalho, um lar, um lugar onde receber sustento e qualidade de vida. Em
desespero, o número é cada vez maior daqueles que se dirigem aos países
desenvolvidos, ainda que para isso tenham que enfrentar mares tenebrosos em
barcos precários. Chegar à outra margem é o sonho… E quando chegam, se é que os
deixam entrar, começa um verdadeiro calvário até poder situar-se no nível do
que ali vivem. Nosso mundo se converteu já em paradigma da torre de Babel,
palavra que significa “porta dos deuses”. Assim se denomina a cidade, símbolo
da humanidade, precursora da cultura urbana. Uma cidade em torno de uma torre,
de uma língua e de um projeto: escalar o céu, invadir a área do divino. O Ser
humano quis ser como Deus (já antes havia tentado no paraíso como casal, agora
em nível político) e se uniu (se uniformizou) para consegui-lo.
Porém, o projeto se frustrou: aquele Deus, zeloso desde o começo do
progresso humano, confundiu (em hebraico, “balal”) as línguas e acabou para
sempre com a porta dos deuses (“Babel”). Talvez nunca tenha existido aquele
mundo uniformizado; talvez tenha sido uma tentadora aspiração de poder humano.
Depois do castigo divino, as diferentes línguas foram o maior obstáculo para a
convivência, princípio de dispersão e de ruptura humana. O autor da narrativa
babélica não pensou na riqueza da pluralidade e interpretou o gesto divino como
castigo. Porém, fez constar, já desde o princípio que deus estava favorecendo o
pluralismo, diferenciando os habitantes do globo pela língua, dispersando-os.
Dez séculos depois de escrita esta narrativa do livro do Gênesis, lemos
outra nos Atos dos Apóstolos. Ela teve lugar no dia de Pentecostes, festa da
colheita na qual os judeus recordavam o pacto de Deus com o povo no monte
Sinai, “cinquenta dias” (= pentecostes) depois da saída do Egito.
Estavam reunidos os discípulos, também cinquenta dias depois da
Ressurreição (o êxodo de Jesus para o Pai) e iam recolher o fruto semeado pelo
Mestre: a vinda do Espírito Santo, descrito por meio de acontecimentos,
expressos como se se tratasse de fenômenos sensíveis: ruído de vento forte,
línguas de fogo que acrisola e purifica, Espírito (ruah: ar, alento vital,
respiração) Santo (= hagios: não terreno, separado, divino). É o modo escolhido
por Lucas para expressar o inenarrável, a irrupção de um Espírito que os
livraria do medo e do temor e que os faria falar com liberdade para promulgar a
boa notícia da morte e ressurreição de Jesus.
Por isso, recebido o Espírito, começam todos a falar línguas
diferentes. Alguns indicam com esta expressão que se trata de “ruídos
estranhos”, talvez tenha sido assim originariamente, ao estilo das reuniões
carismáticas. Porém, Lucas diz “línguas diferentes”. Assim como soa. Pouco
importa averiguar em que consistiu aquele fenômeno para cuja explicação não
contamos com maiores informações. O que importa é saber que o movimento de
Jesus nasce aberto a todo mundo e a todos, que Deus já não quer uniformidade,
mas pluralidade; que não quer o confronto mas o diálogo; que começou uma nova
era na qual é preciso proclamar que todos os seres humanos, não somente apesar
de, mas graças às diferenças; que já é possível entender-se superando todo tipo
de barreiras que impedem a comunicação.
Porque este Espírito de Deus não é espírito de monotonia ou de
uniformidade: é poliglota, polifônico. Espírito de concentração (do latim
“concertare”: debater, discutir, compor, pactuar, acordar). Espírito que
estabelece relacionamento amigável entre as pessoas com pontos de vista
distintos ou modos de viver diferentes. O dia de Pentecostes, além das línguas,
não foi causa de confusão. “Cada um os ouvir falar em sua própria língua as
maravilhas de Deus”. Deus tornava possível o milagre da compreensão.
Estreia assim a nova Babel, a pretendida por Deus, longe de
uniformidades malsãs, um mundo plural, porém vivendo em concordância. Oxalá que
a reinventemos e não sigamos levantando muros nem barreiras entre ricos e
pobres, entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento ou nem sequer
isso. À vinda do Espírito significou para aquele punhado de discípulos o fim do
medo e do temor. As portas da comunidade se abriram. Nasceu uma comunidade
humana, livre como o vento, como fogo ardente. Não sem razão diz Paulo: “Onde
há Espírito de Deus há liberdade” e onde há liberdade, autonomia (o ser humano
– e seu bem - se tornam lei) e onde há autonomia, se fomenta a
pluralidade e a individualidade, como caminho de unidade e resplandece a
verdade, porque o Espírito é veraz e nos guia pelo caminho da verdade, da
autenticidade, da vida, como diz João em seu evangelho. Que venha um novo
Pentecostes sobre nosso mundo – é nossa oração – para acabar com esta onda de
intolerância e intransigência que nos invade por todos os lados.
Oração: Ó Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai
da glória: ilumina nosso olhar interior para que, vendo o que esperamos do teu
chamado e entendendo a grande e gloriosa herança reservada aos santos,
compreendamos com que extraordinária força age em favor dos que cremos. Por
Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.
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