04 - de Junho - Quinta - Evangelho - Mc 14,12-16.22-26
Quinta-feira, 04 de Junho de 2015
Corpo e Sangue de Cristo
Roberto, Cláudio
Êxodo 24,3-8: Este é o sangue da aliança que o Senhor faz com vocês
Salmo 115: Elevarei o cálice da salvação, invocando o nome do Senhor
Hebreus 9,11-15: O Sangue de Cristo poderá purificar nossa consciência
Marcos 14,12-16.22-26: Este é o meu corpo, este é o meu sangue.
12 Vieram, então, os discípulos de João
transladar seu corpo, e o enterraram. Depois foram dar a notícia a Jesus. 13 A
essa notícia, Jesus partiu dali numa barca para se retirar a um lugar deserto,
mas o povo soube e a multidão das cidades o seguiu a pé. 14 Quando
desembarcou, vendo Jesus essa numerosa multidão, moveu-se de compaixão para ela
e curou seus doentes. 15 Caía
a tarde. Agrupados em volta dele, os discípulos disseram-lhe: Este lugar é
deserto e a hora é avançada. Despede esta gente para que vá comprar víveres na
aldeia. 16 Jesus,
porém, respondeu: Não é necessário: dai-lhe vós mesmos de comer. 22 Logo
depois, Jesus obrigou seus discípulos a entrar na barca e a passar antes dele
para a outra margem, enquanto ele despedia a multidão. 23Feito
isso, subiu à montanha para orar na solidão. E, chegando a noite, estava lá
sozinho. 24Entretanto, já a boa
distância da margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era
contrário. 25 Pela
quarta vigília da noite, Jesus veio a eles, caminhando sobre o mar. 26 Quando
os discípulos o perceberam caminhando sobre as águas, ficaram com medo: É um
fantasma! disseram eles, soltando gritos de terror.
COMENTÁRIO
Situada entre dois mares, com seus dois portos, Corinto era o centro
mais importante do arquipélago grego, encruzilhada de culturas e raças, meio do
caminho entre Oriente e Ocidente.
Sua população era composta por duzentos mil homens livres e
quatrocentos mil escravos. Corinto teria oito quilômetros de muralhas, 23
templos, cinco supermercados, uma praça central e dois teatros, um deles para
22 mil espectadores. Em corinto eram comuns os vícios típicos dos grandes
portos. A ociosidade dos marinheiros e a afluência de turistas, chegados de todas
as partes, a haviam convertido em uma espécie de capital de “Las Vegas” do
Mundo Mediterrâneo. “Viver como coríntio” era sinônimo de depravação,
“coríntia” era o termo universalmente empregado para designar as prostitutas, e
já se pode imaginar o que significava “corintianizar”.
Em Corinto, cuja população era muito heterogênea (gregos, romanos,
judeus e orientais) eram venerados todos os deuses do Panteon grego. Acima de
todos estava Afrodite, cujo templo era cuidado por mil prostitutas.
Paulo chegou a esta cidade pelos anos 50. Depois de pregar o Evangelho,
fundou uma comunidade cristã. Durante dezoito meses permaneceu como animador da
mesma. Seus fiéis pertenciam às classes populares (pobres e escravos), havia
também pessoas de prestígio, por sua cultura e pelas posses. Nasceu assim uma
das comunidades cristãs primitivas mais conflitivas.
Quando Paulo, por exigência de seu trabalho missionário, saiu de
Corinto, houve uma verdadeira luta de classes no interior da comunidade; o
conflito se manifestava de forma vergonhosa na celebração da Eucaristia. Os
novos cristãos, ricos e pobres, livres e escravos, conviviam, mas não
partilhavam; não havia solidariedade entre eles. Na celebração da Eucaristia
(naquele tempo simplesmente se tomava uma refeição juntos, lembrando o nome de
Jesus), todos se reuniam, porém cada um formava um grupo com os de sua classe
social, de modo que “enquanto uns passavam fome outros s embebedavam” (1 Cor
11,17ss). Isso tem uma atualidade espantosa.
Estando em Éfeso, Paulo dirigiu-lhes uma dura carta para recriminar o
que acontecia na Eucaristia. A partir daí escreve: o que Jesus fez na noite
antes de ser entregue à morte, quando “enquanto comiam, Jesus domou o pão,
pronunciou a bênção, partiu-o e o deu a eles dizendo: Tomai, isto é o meu corpo.
E tomando um cálice, pronunciou a ação de graças e o passou e todos beberam. E
lhes disse: Isto é o sangue da minha aliança, derramado por todos”.
Quem vai à mesa da eucaristia e não manifesta compromisso com a vida,
não entendeu a proposta de Jesus. O rito se torna vazio se antes de participar
da mesa da eucaristia não partilhamos, como Jesus, o pão da nossa pessoa, de
nossos bens, de nossa vida inteira, com os que são nossos próximos cotidianos.
Impressiona visitar as igrejas e comprovar a diversidade de classes
sociais que ela comporta. Nelas todas encontram um lugar, sem que lhes exija
nada em troca. O rico entra rico e o pobre, pobre, e saem os dois da mesma
forma que entraram. Há uma similaridade entre a nossa realidade e a advertência
de Paulo aos coríntios: “É impossível comer assim a ceia do Senhor”. Dito de
outro modo: “assim não vale a eucaristia”, pois a ceia do Senhor iguala a todos
os comensais na vida e comungar exige, para que o rito não seja uma farsa, que
haja partilha entre todos.
A luta de classes, como em Corinto, está instalada em nossas
eucaristias. E onde ela existe não pode nem deve haver celebração da ceia do
Senhor. Os israelitas no deserto compreenderam bem que a aliança entre Deus e o
povo era sinal de compromisso no cumprimento do que pede o Senhor nos
mandamentos. Jesus, antes de partir, celebra a nova aliança com seu povo e
deixa o único mandamento, o do amor sem fronteiras. Este é o requisito para
celebrar a eucaristia: acabar com todo sinal de divisão e desigualdade entre os
que a celebram.
É preciso recuperar, portanto, o significado profundo do rito que Jesus
realiza. “O sangue derramado por vós” significa a morte violenta que Jesus
teria que padecer como expressão de seu amor pelo ser humano; “beber do cálice”
leva consigo aceitar a morte de Jesus e o compromisso com ele e como ele a dar
a vida, se necessário, pelos outros. E isto é o que se expressa na eucaristia;
esta é a nova aliança, um compromisso de amor aos demais até a morte. Quem não
entende assim a eucaristia, pode estar fixado no puro rito que de nada serve.
Uma interpretação errônea das palavras de Jesus identificou o pão com
seu corpo e o vinho com seu sangue, chegando-se a falar do milagre da
“transubstanciação ou conversão do pão em corpo e do vinho no sangue de
Cristo”. Os teólogos procuram explicar este mistério. Como se isto fosse o mais
importante daquele rito inicial. O significado daquelas palavras é bem
diferente: “Na ceia, Jesus oferece o pão (“tomai”) e explica que é seu corpo.
Na cultura judaica “corpo” (em grego soma) significa a pessoa enquanto
identidade, presença e atividade; em consequência, ao convidar a se alimentar
do pão/corpo, Jesus convida a assimilar-se a ele, a aceitar sua pessoa e
atividade histórica como norma de vida; ele mesmo dá a força para isso, ao se
fazer pão/alimemnto. O efeito que o pão produz na vida humana é o que produz
Jesus em seus discípulos. O evangelista não indica que os discípulos tenham
comido o pão, pois ainda não estavam assimilados a Jesus, não haviam digerido sua
forma de ser e de viver, tornando- a vida de suas vidas. Ao contrário do pão,
Jesus se serve do cálice e diz explicitamente que “todos beberão dele”. Depois
de ter dado de beber, Jesus diz que “este sangue é o sangue da aliança,
derramado por todos”. O sangue derramado significa a morte violente ou a pessoa
enquanto sofre tal gênero de morte. “Beber do cálice” significa, portanto,
aceitar a morte de Jesus e comprometer-se, como ele, a não desistir da
atividade salvadora (representada pelo pão) por termo nem sequer à morte.
“Comer o pão” e “beber do cálice” são atos inseparáveis, isto é, que não se
pode aceitar a vida de Jesus sem aceitar sua entrega até o fim e que o
compromisso de quem segue a Jesus inclui uma entrega como a sua. Este é o
verdadeiro significado da eucaristia. Talvez nós a tenhamos reduzido ao
mistério, aliás bastante difícil de ser explicado e entendido, da conversão do
pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo.
“Todos os domingos, e, nossa paróquia, juntos vão à missa os
trabalhadores e os proprietários. Se todos recebem a graça de Deus, isto não o
entende Santa Luzia nem este servidor” (Letra do conjunto musical “La
Bollonera”, Zaragoza, Aragón, Espanha);
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