5º domingo da quaresma 22/03/2015
1ª Leitura Jeremias 31, 31-34
Salmo 50/51,12 a “Ó meu Deus, criai em mim um coração puro”
2ª Leitura Hebreus 5, 7-9
Evangelho João 12, 20-23
Capitão Tininho era o nome de um grão de feijão, que certa ocasião
usei como cobaia, na minha adolescência, para saber como era o desenvolvimento
das plantas. Na minha fantasia, o Capitão Tininho retrucou, mas eu o convenci
de que ele iria se tornar um herói, e poderia até quem sabe, reescrever a
“Viagem ao Centro da Terra”, na visão de um grão de Feijão, e então
ingenuamente ele aceitou. Ainda fantasiando, cavei um buraco, fiz um belo
discurso para a “tropa” reunida ali, e aplaudimos o Capitão Tininho, que
coloquei com carinho no buraco e jogamos a terra por cima. Todos os dias eu
regava e revolvia a terra até que em uma manhã surgiu um brotinho quase
invisível, fiquei eufórico, era como se estivesse nascendo um filho. Quando
finalmente o pezinho de feijão estava “espigadinho” inclusive com algumas folhas,
reuni a “tropa”, na minha fantasia, e começamos aquilo que eu chamei de
“Operação retorno”, mas cadê o coitado do Capitão Tininho? Examinei
cuidadosamente a raiz do meu pé de feijão, e não tinha nem vestígio do meu
herói, de noite comentei com um colega na aula de ciência, que sorriu e me
explicou friamente que o Capitão Tininho tinha “esticado a canela”. Não
entendendo perguntei: ”Você quer dizer que ele morreu?” . E o colega esclareceu
que se o Tininho não tivesse morrido, eu não teria o meu pé de feijão. Ainda na
minha fantasia, no outro dia reuni a tropa e comuniquei oficialmente o ocorrido
“Ele morreu como um herói, nessa missão perigosa” – disse em meu discurso,
dando assim por encerrada a minha experiência, concluindo que no ciclo das
plantas, senão houver morte, a vida não terá continuidade.
Por isso, no primeiro contato com esse evangelho, quando ministro
da palavra, nos anos 80, comentei com meus botões “Eis aqui mais um Capitão
Tininho”, referindo-me ao grão de trigo da parábola que Jesus contou em
Jerusalém, praticamente às vésperas da sua paixão e morte. Qualquer criança em
idade escolar, bem cedo irá aprender que a semente morre nas profundezas da
terra, para poder brotar nova plantinha. Mas na dimensão teológica, como
poderíamos interpretar esse ensinamento de Jesus, o que significa morrer, nesse
sentido?
Eu diria que a morte de Jesus teve início com a sua encarnação,
pois no paraíso, o homem sentiu-se tão importante que teve a pretensão de ser o
Deus - Todo Poderoso, conhecedor do Bem e do Mal, e senhor de todos os seus
atos, enquanto isso, para iniciar a obra da salvação, o Deus Todo Poderoso se
fez tão pequeno, que se tornou homem. Essa pequenez de Jesus está diretamente
ligada à sua missão – eu vim para servir.
Poderíamos até afirmar que pequeno, é todo aquele que serve, é
aquele que sabe partilhar com os outros, aquilo que tem inclusive os carismas.
Na teologia judaica, a glorificação divina estava reservada aos justos, que no
pós morte seria levantados por Deus para nunca mais morrerem. Ora, todas as
personalidades bíblicas do A.T são uma prefiguração de Jesus e em alguns
gêneros literários, como os evangelhos, por exemplo, encontramos em Mateus uma
relação mais direta de Jesus com Moisés. Com a Salvação, Jesus insere de novo o
homem na plenitude original do paraíso, sendo esse o anúncio que ele faz aos
discípulos no evangelho desse quinto domingo da quaresma, com a afirmativa
própria de João de que “Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser
glorificado”.
Quando o homem busca a santidade e a perfeição em todas as suas
ações e pensamentos, manifestando fidelidade ao projeto de Deus, revelando o
amor ágape em suas relações com o próximo, a glorificação não é simplesmente um
prêmio divino, por ele ter sido bom, mas é o resgate perfeito da imagem
original de cada ser humano, enquanto imagem e semelhança de Deus, é a volta do
Filho pródigo à casa do Pai, recuperando a dignidade perdida com o pecado. Esse
processo aconteceu primeiro com Jesus de Nazaré, chamado nas cartas paulinas de
primogênito de todas as criaturas e embora não tivesse nele nenhum pecado, ao
receber a glória, também glorificou o Pai, que agora poderá olhar o homem
realmente como Filho, e restabelecer com ele uma vida de comunhão, para
comunicar a sua graça.
É este precisamente o caminho do cristão, não há nenhum outro, é o
mesmo caminho de Jesus, o caminho do serviço, do amor ágape, da doação, da
fidelidade ao Pai, do despojamento e do esvaziamento, e tudo isso significa
“morrer” para si mesmo, ou deixar-se morrer para que o irmão seja bem servido e
tenha mais vida. A comunidade é o lugar ideal para se viver a vocação do grão
de trigo, morrer para atingir a plenitude, uma linguagem e um ensinamento
estranho, para uma sociedade onde ainda prevalece, em todos os segmentos, a
famosa Lei de Gerson...(Diácono José da Cruz – Paróquia Nossa Senhora Consolata
– Votorantim SP – E-mail cruzsm@uol.com.br)
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