Comentários Prof.Fernando* 3ºdomingo da Páscoa 19 de abril - 2015
O grande (e central) tema do cristianismo
· No livro dos atos dos apóstolos cap.3,13-15 e 1-19lemos um discurso de Pedro: o Deus de nossos pais glorificou seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes perante Pilatos, quando este resolvera soltá-lo...Matastes o Príncipe da vida, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos: disso nós somos testemunhas.
· A questão central do anúncio feito pelos primeiros cristãos é esta: aquele que foi rejeitado e assassinado Deus o ressuscitou!!! As primeiras comunidades nascem no meio da cultura e da religião judaica. A maioria das interpretações da época interpretava a vinda de um Messias para restaurar o reino de Davi. Seu reino praticamente só conhecera poucos anos de estabilidade (com Davi e Salomão). Caiu depois em progressiva decadência e durante séculos o povo hebreu voltou à ser dominado por outros impérios. Foi a primeira geração dos cristãos que apresentou outra interpretação das Escrituras por meio da figura do Servo Sofredor (cf. Isaías e outros profetas). Ele veio manifestar como é o amor de Deus. A ressurreição de Cristo é testemunhada pelos primeiros discípulos como a garantia de que nem o sofrimento nem a perseguição, nem o mal nem a morte, têm a última palavra. Pois a Deus nada é impossível.
A entrega amorosa por Jesus supera as antigas religiões de sacrifícios.
· Escutamos com muita frequência frases (ou chavões) em linguagem mais próxima da religião judaica do que da experiência cristã, embora uma leitura mais cuidadosa do culto em Israel demonstre um Deus “diferente” como nas figuras de Abel, Abraão, Moisés e no profetismo. Pior quando se repetem frases que são verdadeiros símbolos de paganismo. As religiões pagãs sempre ofereceram sacrifícios e imolação de animais numa economia de trocas e comércio entre o Homem e Deus. Eram uma espécie de “pagamento” aos deuses, em que se manifestava arrependimento para obter favores dos céus (prosperidade, boas colheitas, segurança, proteção contra inimigos, cura de doenças, fecundidade e saúde para si e para os filhos, etc.). Encontrei, a respeito, excelenteno comentário do teólogo J.Konings que podem nos ajudar a corrigir modos correntes (referentes à Redenção) “nem sempre aceitáveis”. De fato lembramos que nossa catequese (mais antiga) e a repetição descuidada de muitos sermões pela pregação de muitos padres e pastores trazem a herança maldita da imagem de um Deus sanguinário, sedento de sangue e castigos. Isso se deve, em geral, ao fato de se tomar “ao pé da letra” citações isoladas do estudo do contexto e do estudo da linguagem usada na Bíblia). Até o uso de frases isoladas do catecismo católico (cf. nn.1362 e seguintes), desligadas do contexto da exposição mais completa do “memorial da páscoa de Cristo” pode favorecer uma linguagem dúbia sobre o “único sacrifício” apresentado pelo “sumo sacerdote”, que é Cristo (cf.Hebreus 7,26-27 citado aliás, no n.1366 do catecismo; Hebreus é carta escrita justamente para evitar em seus leitores a nostalgia do antigo sacerdócio e culto que viveram antes de aderir ao cristianismo). Alguns católicos referem-se à Missa como se Cristo morresse todo dia no altar... A seguir transcrevo o texto de J.Konings (os grifos são meus):
· “O sofrimento de Jesus é entendido de muitas maneiras, nem sempre aceitáveis. Há quem diga que Jesus teve de pagar nossos pecados com seu sangue. Mesmo se é verdade que o sofrimento de Jesus nos resgatou, não é porque Deus exigiu que ele pagasse com seu sangue a nossa divida. Seria injusto e cruel. Os homens é que “castigaram” Jesus, mas Deus o reabilitou. “Aquele que conduz à vida, vós o matastes, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos” (1ª leitura). Era preciso que o Cristo padecesse (evangelho), não porque Deus o desejava, mas porque as pessoas o rejeitaram e o fizeram morrer. Mas Deus quis mostrar publicamente que Jesus, assumindo a morte infligida ao justo, teve razão. É isso que significa a ressurreição. O próprio Ressuscitado cita aos discípulos os textos da Escritura que falam nesse sentido (Lc 24,44).
O desafio proposto pelo cristianismo nascente
· O contexto cultural e religioso das primeiras comunidades cristãs também é o do mundo antigo onde logo se entendiam termos como “templo ou santuário”, “sacrifícios” e “expiação dos pecados pessoais ou do povo”. A grande reviravolta causada pelos primeiros cristãos (inicialmente no contexto judaico e, a seguir no mundo greco-romano) foi exatamente esta: mostrar que, pela Encarnação de Deus na história é o próprio Filho de Deus que assume na vida humana – e não mais no altar do sacrifício – o que realmente é agradável a Deus (releia-se toda a carta aos Hebreus, por exemplo). Basta lembrar que “o Cristo foi imolado”, como se diz na liturgia, não por sacerdotes num templo, assim como se fazia com os animais sacrificados no altar, mas – como disse Pedro foi “sacrificado” por aqueles que o negaram perante Pilatos:vos o matastes, diz Pedro (cf 1ªleitura).
· Isso não impede de crer que a “expiação” pelos pecados ou maldades humanas foi feita pela entrega de vida feita por Jesus de Nazaré. Entrega plena sem sombra nem poeira de egoísmo (“ninguém tem maior amor...”) que superou todos os sacrifícios e oferta de vítimas e holocaustos em todos os tempos, todas as religiões e culturas da história. Por isso uma comunidade cristã do final do século primeiro preocupa-se em repetir que – mesmo que não se deva voltar a praticar o mal, se alguém “vacilar” – não póde se esquecer de que há um advogado, um defensor nosso junto de Deus. De novo transcrevo a reflexão preciosa de J.Konings (de novo, os grifos são meus ):
· “Que significa então: “Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados” (2ª leitura)? À luz do que dissemos acima, esta expressão não significa que Jesus é um sacrifício oferecido para pagar a dívida em nosso lugar, mas que aquilo que os antigos queriam realizar pelas vítimas de expiação – reconciliar-se com Deus – foi realizado de modo muito superior pela vida de justiça que Jesus viveu até à morte por amor. E, na medida em que o seguirmos nessa prática de vida, guardando seu mandamento, o amor de Deus se torna verdade em nós (1Jo 2,3-5).
Credo: Jesus Cristo... desceu à região dos mortos...e ressuscitou.
· E creio (na Igreja, na Comunhão dos santos, na remissão dos pecados) na ressurreição, na vida eterna. Assim como aquele que recebeu a Fé, crê que Jesus (que padeceu sob o poder do império romano no ano I de nossa era) foi crucificado morto e sepultado (não se suicidou, mas outros mataram “o Príncipe da vida” como o chama Pedro no discurso da 1ªleitura), assim os cristãos também acreditam na comunidade dos que foram perdoados e regenerados pelo amor de Deus a ponto de conseguir ressuscitar e ter uma vida que não conhecerá uma segunda morte (“eterna”).
· As semanas que seguem a festa da Páscoa propõem-nos a contemplação de Jesus conversando (em geral numa refeição) com os discípulos. É muito lentamente que eles vão superando a frustração que foi a morte do Mestre e o “sonho” messiânico que acabou. Com paciência e carinho o Mestre conversa com os dois desanimados de Emaús, senta-se à mesa, consola os discípulos, mostra-lhes que é um ser vivo de carne e osso, que é ele mesmo. Esse processo pedagógico é lento e constante.
· É até engraçado ver como os discípulos (incluídos os que retornavam de Emaús) ao reencontrarem seu Mestre que só fala de Paz, ficam “aterrorizados”, ou, como dizemos: “não acreditando em seus olhos”. E estavam “cheios de medo”. E Jesus continua: podem me tocar, apalpem, sou eu mesmo, em “carne e osso”!!! E: “ofereceram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele tomou e comeu à vista deles”.
· É até engraçado ver que, enquanto Jesus diz “Por que estais perturbados, e por que essas dúvidas crescendo nos vossos corações?” eles ainda “se recusavam a crer (de tanta alegria!), maravilhados que estavam”. Até na Páscoa, na alegria, continua a dúvida no ser humano. Crer não é fácil. É um longo processo de confiança que se busca e aos poucos se pratica. É mais difícil a confissão de fé da metade do Credo apostólico em diante: ressuscitou... e, no final: na ressurreição... na vida eterna. Estamos mais acostumados ao que “vemos” neste mundo repetido. E, quem sabe, estamos até mais dispostos a crer nas dores que conhecemos do que na cura definitiva e na libertação que, apesar de tudo, sempre desejamos...
oooooooooooooooooooooooooooooo ooooooooooooooooooooooo
( * ) Prof.(1975-2012-Edu/Teo/Fil) fesomor2@gmail.com
Prof. Fernando; bela reflexão. Continue escrevendo também todos os domingos más com antecedência para que possamos ser auxiliados nas nossas celebrações da palavra dominicais. Que Deus te abençoe.
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