18 Abril
2021
03º Domingo da Páscoa - Ano B
3° Domingo da Páscoa
Ano B
TEMA
Jesus ressuscitou verdadeiramente? Como é que podemos fazer uma experiência de
encontro com Jesus ressuscitado? Como é que podemos mostrar ao mundo que Jesus
está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação? É, fundamentalmente, a
estas questões que a liturgia do 3° Domingo da Páscoa procura responder.
O Evangelho assegura-nos que Jesus está vivo e continua a ser o centro à volta
do qual se constrói a comunidade dos discípulos. É precisamente nesse contexto
eclesial - no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a
mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em
gestos de fraternidade e de serviço - que os discípulos podem fazer a
experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Depois desse "encontro",
os discípulos são convidados a dar testemunho de Jesus diante dos outros homens
e mulheres.
A primeira leitura apresenta-nos, precisamente, o testemunho dos discípulos
sobre Jesus. Depois de terem mostrado, em gestos concretos, que Jesus está vivo
e continua a oferecer aos homens a salvação, Pedro e João convidam os seus
interlocutores a acolherem a proposta de vida que Jesus lhes faz.
A segunda leitura lembra que o cristão, depois de encontrar Jesus e de aceitar
a vida que Ele oferece, tem de viver de forma coerente com o compromisso que
assumiu D Essa coerência deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e
da fragilidade que fazem parte da realidade humana e num esforço de fidelidade
aos mandamentos de Deus.
LEITURA I - Act 3,13-15.17 -19
Naqueles dias, Pedro disse ao povo:
«O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus de nossos pais,
glorificou o seu Servo Jesus,
que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a
soltá-I'O.
Negastes o Santo e o Justo
e pedistes a libertação dum assassino; matastes o autor da vida,
mas Deus ressuscitou-O dos mortos, e nós somos testemunhas disso.
Agora, irmãos, eu sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes.
Foi assim que Deus cumpriu
o que de antemão tinha anunciado pela boca de todos os Profetas:
que o seu Messias havia de padecer. Portanto, arrependei-vos e convertei-vos,
para que os vossos pecados sejam perdoados».
AMBIENTE
A primeira leitura do 3° Domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, à entrada do
Templo. Pedro e João (esta "dupla" aparece, frequentemente associada
na primeira parte do Livro dos Actos dos Apóstolos - cf. Act 4,7-8.13.19)
tinham subido ao Templo para a oração da "hora nona" (três da tarde).
Um homem, coxo de nascença, que estava à entrada do Templo a mendigar (junto da
porta "chamada Formosa"), dirigiu¬se aos dois apóstolos e pediu-lhes
esmola. Pedro avisou-o de que não tinha "ouro nem prata" para lhe
oferecer; mas, "em nome de Jesus Cristo Nazareno", curou-o.
"Cheia de assombro e estupefacta", a multidão reuniu-se "sob o
chamado pórtico de Salomão" para ouvir da boca de Pedro a explicação para
o estranho facto (cf. Act 3,1- 11). O "assombro" e a
"estupefacção" traduzem o estado daqueles que testemunham a acção de
Deus manifestada através dos apóstolos; é a mesma reacção com que as multidões
acolheram os gestos libertadores realizados por Jesus. A acção dos apóstolos
aparece, assim, na continuidade da acção de Jesus. O nosso texto é parte do
discurso que, segundo Lucas, Pedro teria feito à multidão (cf. Act 3,12-26).
Nas figuras de Pedro e João, Lucas apresenta-nos o testemunho da primitiva
comunidade de Jerusalém, apostada em continuar a missão de Jesus e em
apresentar aos homens o projecto salvador de Deus. Lucas está convencido de que
esse testemunho se concretiza, não só através da pregação, mas também da acção
dos discípulos. As palavras e os gestos das "testemunhas" de Jesus
mostram como o mundo muda quando a salvação chega e como o homem escravo passa
a ser um homem livre. O "testemunho" dos discípulos irá provocar,
naturalmente, a oposição daqueles que, instalados nos velhos esquemas, recusam
os desafios de Deus. Por isso os discípulos de Jesus, arautos desse mundo novo,
irão conhecer a perseguição (cf. Act 4,1-22).
MENSAGEM
Pedro, dirigindo-se aos israelitas, dá-lhes a entender que o gesto libertador
que beneficiou o homem coxo foi realizado em nome de Jesus. Ele mostra que o
projecto de Jesus continua a realizar-se e demonstra que Jesus está vivo.
Enquanto percorreu os caminhos da Palestina, Jesus manifestou, em gestos
concretos, a presença da salvação de Deus entre os homenstse essa salvação co
ntinua a derramar-se sobre os homens doentes e privados de vida e de liberdade,
é porque Jesus continua presente, oferecendo aos homens a vida nova e
definitiva. Os discípulos são os agentes através dos quais Jesus continua a sua
obra libertadora e salvadora no mundo.
No seu "testemunho", Pedro começa por se referir aos dramáticos
acontecimentos que culminaram na morte de Jesus, explicando-os como o resultado
da rejeição da proposta salvadora de Deus por parte dos israelitaseD eus
ofereceu-lhes a vida e eles escolheram a morte; preferiram preservar a vida de
alguém que trouxe morte e condenar à morte alguém que oferecia a vida
("negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino.
Destes a morte ao Príncipe da vidai'J- verso 14-15a). Deus, no entanto,
ressuscitou Jesus, demonstrando como a proposta que Jesus veio apresentar é uma
proposta geradora de vida. A ressurreição de Jesus é a prova de que o projecto
de Deus - projecto apresentado por Jesus e que os israelitas rejeitaram - é uma
proposta geradora de vida e de vida que a morte não pode vencer (vers. 15b).
Estará tudo terminado para Israel? O Povo não terá mais oportunidade de
corrigir a sua má escolha e de fazer uma nova opção, uma opção pela vida? A
oferta de Deus terá caducado, face à intransigência dos chefes de Israel em
acolher os dons de Deus?
Não. Pedro "sabe" (e se Pedro "sabe" é porque Deus também o
sabe) que o Povo agiu por ignorância. O comportamento do Povo, em geral, e dos
líderes judaicos, em particular, face a Jesus tem, pois, atenuantes. Na
legislação religiosa de Israel, as faltas "involuntárias" tinham um
tratamento especial e mereciam um tratamento diferente das faltas
"voluntárias" (cf. Lv 4). Assim Deus, na sua imensa bondade, continua
a oferecer ao seu Povo a possibilidade de corrigir as suas opções erradas e de
escolher a vida, aderindo a Jesus e ao projecto por Ele apresentado. A prova
disso é que o homem coxo recebeu de Deus o dom da vida.
O que é preciso fazer para que essa oferta de salvação que Deus continua a
fazer se torne efectiva? É necessário "arrepender-se" e
"converter-se". Estes dois verbos definem o movimento de reorientar a
vida para Deus, de forma a que Deus passe a estar no centro da vida do homem e
o homem passe a "dar ouvidos" às propostas de Deus e a viver de
acordo com os projectos de Deus. Ora, uma vez que Cristo é a manifestação de
Deus, "arrepender-se" e "converter-se" significa aderir à
pessoa de Cristo, crer n'Ele, acolher o projecto que Ele traz, entrar no Reino
que Ele anuncia e propõe. Os israelitas podem, portanto, "apanhar a
carruagem" da salvação, se deixarem a sua auto-suficiência, os seus
preconceitos, o seu comodismo (que os levaram a rejeitar as propostas de Deus)
e se aderirem a Jesus e à vida que Ele continua a propor (através do testemunho
dos discípulos).
ACTUALIZAÇÃO
• Para os cristãos, Jesus não é uma figura do passado, que a morte venceu e que
ficou sepultado no museu da história; mas é alguém que continua vivo, sempre
presente nos caminhos do mundo, oferecendo aos homens uma proposta de vida
verdadeira, plena, eterna. Como é que os nossos irmãos que caminham ao nosso
lado podem descobrir que Jesus está vivo e fazer uma experiência de encontro
com Cristo ressuscitado? Através de documentos históricos que demonstrem
cientificamente a realidade da ressurreição? Para Lucas, o factor decisivo para
que os homens descubram que Cristo está vivo é o testemunho dos discípulos.
Jesus está vivo e apresenta-se aos homens do nosso tempo nos gestos de amor, de
partilha, de solidariedade, de perdão, de acolhimento que os cristãos são
capazes de fazer; Jesus está vivo e actua hoje no mundo, quando os cristãos se
comprometem na luta pela paz, pela justiça, pela liberdade, pelo nascimento de
um mundo mais humano, mais fraterno, mais solidário; Jesus está vivo e continua
a realizar aqui e agora o projecto de salvação de Deus, quando os seus cristãos
oferecem aos coxos a possibilidade de avançar em direcção a um futuro de
esperança, oferecem aos que vivem nas trevas a capacidade de encontrar a luz e
a verdade, oferecem aos prisioneiros a possibilidade de ter voz e de decidir
livremente o seu futuro. Os meus gestos anunciam aos irmãos com quem me cruzo
nos caminhos deste mundo que Cristo está vivo?
• A existência humana é uma busca incessante de vida - de vida eterna, plena,
verdadeira. Essa busca, contudo, nem sempre se desenrola em caminhos fáceis e
lineares. Por vezes é cumprida num caminho onde o homem tropeça com equívocos,
com falhas, com opções erradasD Aquilo que parece ser garantia de vida gera
morte; e aquilo que parece ser fracasso e frustração é, afinal, o verdadeiro
caminho para a vida. Lucas garante-nos, neste texto, que a proposta que Jesus
veio apresentar é uma proposta geradora de vida, apesar de passar pelo aparente
fracasso da cruz. É de vida vivida na doação, na entrega, no amor total a Deus
e aos irmãos, a exemplo de Jesus, que brota a vida eterna e verdadeira para nós
e para aqueles que caminham ao nosso lado.
• O apelo ao arrependimento e à conversão que aparece no discurso de Pedro
lembra-nos essa necessidade contínua de reequacionarmos as nossas opções, de
deixarmos os caminhos de egoísmo, de orgulho, de comodismo, de auto¬suficiência
em que, por vezes, se desenrola a nossa existência. É preciso que, em cada
instante da nossa vida, nos convertamos a Jesus e aos seus valores, numa
disponibilidade total para acolhermos os desafios de Deus e a sua proposta de
salvação.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 4
Refrão: Fazei brilhar sobre nós, Senhor, A luz do vosso rosto.
Quando Vos invocar, ouvi-me, ó Deus de justiça. Vós que na tribulação me tendes
protegido, compadecei-vos de mim
e ouvi a minha súplica.
Sabei que o Senhor faz maravilhas pelos seus amigos, o Senhor me atende quando
O invoco.
Muitos dizem: «Quem nos fará felizes?»
Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face.
Em paz me deito e adormeço tranquilo,
porque só Vós, Senhor, me fazeis repousar em segurança.
LEITURA II - 1 Jo 2,1-5a
Meus filhos,
escrevo-vos isto, para que não pequeis. Mas se alguém pecar,
nós temos Jesus Cristo, o Justo, como advogado junto do Pai.
Ele é a vítima de propiciação pelos nossos pecados,
e não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro. E nós sabemos que O
conhecemos,
se guardamos os seus mandamentos.
Aquele que diz conhecê-l'O
e não guarda os seus mandamentos
é mentiroso e a verdade não está nele. Mas se alguém guardar a sua palavra,
nesse o amor de Deus é perfeito.
AMBIENTE
A liturgia do terceiro Domingo da Páscoa continua a propor à nossa consideração
a primeira Carta de João.
Já vimos no passado domingo que este escrito de tom polémico - destinado
provavelmente às comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor - procura
combater doutrinas heréticas pré-gnósticas e apresentar aos cristãos o caminho
da autêntica vida cristã.
Os adeptos das heresias em causa pretendiam "conhecer Deus" (1 Jo
2,4), "ver Deus" (1 Jo 3,6), viver em comunhão com Deus (1 Jo 2,3) e,
não obstante, apresentavam uma doutrina e uma conduta em flagrante contradição
com a revelação cristã. Recusavam-se a ver em Jesus o Messias (cf. 1 Jo 2,22),
o Filho de Deus (cf. 1 Jo 4,15) e recusavam a encarnação (cf. 1 Jo 4,2). Para
estes hereges, o Cristo celeste tinha-se apropriado do homem Jesus de Nazaré na
altura do baptismo (cf. Jo 1,32-33), tinha-O utilizado para levar a cabo a
revelação e tinha-O abandonado antes da paixão, porque o Cristo celeste não
podia padecer. As doutrinas destes hereges punham em causa a teologia da
encarnação e a cristologia cristã.
O comportamento moral destes hereges não era menos repreensível: pretendiam não
ter pecados (cf. 1 Jo 1,8.10) e não guardavam os mandamentos (cf. 1 Jo 2,4), em
particular o mandamento do amor fraterno (cf. 1 Jo 2,9).
São estas pretensões que o texto que hoje nos é proposto denuncia. Quem diz que
não comete pecados, é mentiroso; e, ao mesmo tempo, faz Deus mentirosoeDue
necessidade teria Deus de enviar ao mundo o seu Filho com uma proposta de
salvação, se o pecado não fosse uma realidade universal (cf. 1 Jo 1,8-1 O)?
MENSAGEM
Na primeira parte do nosso texto (vers. 1-2), o autor critica veladamente esses
hereges que consideravam não ter pecados e sugere aos cristãos a atitude
correcta que Deus espera de cada crente, a propósito desta questão.
O cristão é chamado à santidade e a viver uma vida de renúncia ao pecado. Deus
chama-o a rejeitar o egoísmo, a auto-suficiência, a injustiça, a opressão
(trevas) e a escolher a luz. No entanto, o pecado é uma realidade
incontornável, que resulta da fragilidade e da debilidade do homem. O cristão
deve ter consciência desta realidade e reconhecer o seu pecado. Não fazer isto
é fechar-se na auto-suficiência, é recusar a salvação que Deus oferece (quem
sente que não tem pecado, também não sente a necessidade de ser salvo) e é,
portanto, "pecar".
O cristão é aquele que reconhece a sua fragilidade, mas não desespera. Ele sabe
que Deus lhe oferece a sua salvação e que Jesus Cristo é o "advogado"
(literalmente, "parakletos", que podemos traduzir por
"defensor") que o defende. Ele veio ao mundo para eliminar o pecado -
o pecado de todos os homens.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 3-5a), o autor da carta refere-se à
pretensão dos hereges de conhecer a Deus, mas sem se preocuparem em guardar os
seus mandamentos. Na linguagem bíblica, "conhecer Deus" não é ter de
Deus um conhecimento teórico e abstracto, mas é viver em comunhão íntima com
Deus, numa relação pessoal de proximidade, de familiaridade, de amor sem
limites. Ora, quem disser que mantém uma relação de proximidade e de comunhão
pessoal com Deus, mas não quer saber das suas propostas e indicações para nada,
está a mentir. Não se pode amar e não considerar as propostas da pessoa que se
ama. O "conhecer Deus" exige atitudes concretas que passam pelo
escutar, acolher e viver as propostas de salvação que Deus faz, através de
Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
• A questão fundamental que o nosso texto põe é a da coerência de vida. O
cristão é uma pessoa que aceitou o convite de Deus para escolher a luz e que
tem de viver, dia a dia, de forma coerente com o compromisso que assumiu DNão
pode comprometer-se com Deus e conduzir a sua vida por caminhos de orgulho, de
auto-suficiência, de indiferença face a Deus e às suas propostas. A vida do
crente não pode ser uma vida de "meias-tintas", de comodismo, de
opções volúveis, de oportunismos, mas tem de ser uma vida consequente,
comprometida, exigente. Na minha vida procuro viver, com coerência e
honestidade, os meus compromissos com Deus e com os meus irmãos, ou deixo-me
levar ao sabor da corrente, das situações, das oportunidades?
• Essa coerência de vida deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e
da fragilidade que fazem parte da realidade humana. O pecado não é algo
"normal", para o crente (o pecado é sempre um "não" a Deus
e às suas propostas e isso deve ser visto pelos crentes como uma
"anormalidade"); mas é uma realidade que o crente reconhece e que
sabe que está sempre presente ao longo da sua caminhada pelo mundo. Hoje,
fala-se muito da falta de consciência do pecadotê falta de consciência do
pecado cria homens insensíveis, orgulhosos e auto¬suficientes, que acreditam
não precisar de Deus e da sua oferta de salvação. O autor da Carta de João
convida-nos a tomar consciência da nossa realidade de pecadores, a acolher a
salvação que Deus nos oferece, a confiar em Jesus, o "advogado" que
nos entende (porque veio ao nosso encontro, partilhou a nossa natureza,
experimentou a nossa fragilidade) e que nos defende. Reconhecer a nossa
realidade pecadora não pode levar-nos ao desespero; tem de levar-nos a abrir o
coração aos dons de Deus, a acolher humildemente a sua salvação e a caminhar
com esperança ao encontro do Deus da bondade e da misericórdia que nos ama e
que nos oferece, sem condições, a vida eterna.
• A coerência que o autor da primeira Carta de João nos pede deve
manifestar-se, também, na identificação entre a fé e a vida. A nossa religião
não é uma bela teoria, separável da nossa vida concreta. É uma mentira dizer
que se ama Deus e, na vida concreta, desprezar as suas propostas e conduzir a
vida de acordo com valores que contradizem de forma absoluta a lógica de Deus.
Um crente que diz amar Deus e, no dia a dia, cria à sua volta injustiça,
conflito, opressão, sofrimento, vive na mentira; um crente que diz
"conhecer Deus" e fomenta uma lógica de guerra, de ódio, de
intransigência, de intolerância, está bem distante de Deus; um crente que diz
ter "a sua fé" e recusa o amor, a partilha, o serviço, a comunidade,
está muito longe dos caminhos onde se revela a vida e a salvação de DeusD A
minha vida concreta, as minhas atitudes para com os irmãos que me rodeiam, os
sentimentos que enchem o meu coração, os valores que condicionam as minhas
acções, são coerentes com a minha fé?
ALELUIA - Lc 24,32
Aleluia. Aleluia.
Senhor Jesus, abri-nos as Escrituras, falai-nos e inflamai o nosso coração.
EVANGELHO - Lc 24,35-48
Naquele tempo,
os discípulos de Emaús
contaram o que tinha acontecido no caminho
e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão. Enquanto diziam isto,
Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco».
Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito. Disse-lhes Jesus:
«Porque estais perturbados
e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos
e os meus pés: sou Eu mesmo;
tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos,
Como vedes que Eu tenho».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E como eles, na sua alegria e
admiração,
não queriam ainda acreditar, perguntou-lhes:
«Tendes aí alguma coisa para comer?» Deram-Lhe uma posta de peixe assado,
que Ele tomou e começou a comer diante deles. Depois disse-lhes:
«Foram estas as palavras que vos dirigi, quando ainda estava convosco:
'Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos
Profetas e nos Salmos'».
Abriu-lhes então o entendimento
para compreenderem as Escrituras
e disse-lhes:
«Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos
ao terceiro dia,
e que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas de todas
estas coisas».
AMBIENTE
o episódio que Lucas nos relata no Evangelho deste domingo situa-nos em
Jerusalém, pouco depois da ressurreição. Os onze discípulos estão reunidos e já
conhecem uma aparição de Jesus a Pedro (cf. Lc 24,34), bem como o relato do
encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,35).
Apesar de tudo, o ambiente é de medo, de perturbação e de dúvida. A comunidade,
cercada por um ambiente hostil, sente-se desamparada e insegura. O medo e a
insegurança vêm do facto de os discípulos não terem, ainda, feito a experiência
de encontro com Cristo ressuscitado.
Nesta última secção do seu Evangelho, Lucas procura mostrar como os discípulos
descobrem, progressivamente, Jesus vivo e ressuscitado. Ao evangelista não
interessa tanto fazer uma descrição jornalística e fotográfica das aparições de
Jesus aos discípulos; interessa-lhe, sobretudo, afirmar aos cristãos de todas
as épocas que Cristo continua vivo e presente, acompanhando a sua Igreja, e que
os discípulos, reunidos em comunidade, podem fazer uma experiência de encontro
verdadeiro com Jesus ressuscitado.
Para a sua catequese, Lucas vai utilizar diversas imagens que não devem ser
tomadas à letra nem absolutizadas. Elas são, apenas, o invólucro que apresenta
a mensagem. O que devemos procurar, neste texto, é algo que está para além dos
pormenores, por muito reais que eles pareçam: é a catequese da comunidade
cristã sobre a sua experiência de encontro com Jesus vivo e ressuscitado.
MENSAGEM
A ressurreição de Jesus terá sido uma simples invenção da Igreja primitiva, ou
um piedoso desejo dos discípulos, esperançados em que a maravilhosa aventura
que viveram com Jesus não terminasse no fracasso da cruz e num túmulo escavado
numa rocha em Jerusalém?
É, fundamentalmente, a esta questão que Lucas procura responder. Na sua
catequese, Lucas procura deixar claro que a ressurreição de Jesus foi um facto
real, incontornável que, contudo, os discípulos descobriram e experimentaram só
após um caminho longo, difícil, penoso, carregado de dúvidas e de incertezas.
Todos os relatos das aparições de Jesus ressuscitado falam das dificuldades que
os discípulos sentiram em acreditar e em reconhecer Jesus ressuscitado (cf. Mt
28,17; Mc 16,11.14; Lc 24,11.13-32.37-38.41; Jo 20,11-18.24-29; 21,1-8). Essa
dificuldade deve ser histórica e significa que a ressurreição de Jesus não foi
um acontecimento cientificamente comprovado, material, captável pela objectiva
dos fotógrafos ou pelas câmaras da televisão. Nos relatos das aparições de
Cristo ressuscitado, os discípulos nunca são apresentados como um grupo
crédulo, idealista e ingénuo, prontos a aceitar qualquer ilusão; mas são
apresentados como um grupo desconfiado, crítico, exigente, que só acabou por
reconhecer Jesus vivo e ressuscitado depois de um caminho mais ou menos longo,
mais ou menos difícil.
O caminho da fé não é o caminho das evidências materiais, das provas palpáveis,
das demonstrações científicas; mas é um caminho que se percorre com o coração
aberto à revelação de Deus, pronto para acolher a experiência de Deus e da vida
nova que Ele quer oferecer. Foi esse o caminho que os discípulos percorreram.
No final desse caminho (que, como caminho pessoal, para uns demorou mais e para
outros demorou menos), eles experimentaram, sem margem para dúvidas, que Jesus
estava vivo, que caminhava com eles pelos caminhos da história e que continuava
a oferecer-lhes a vida de Deus. Eles começaram a percorrer esse caminho com
dúvidas e incertezas; mas fizeram a experiência de encontro com Cristo vivo e
chegaram à certeza da ressurreição. É essa certeza que os relatos da
ressurreição, na sua linguagem muito própria, procuram transmitir-nos.
Na catequese de Lucas há elementos que importa pôr em relevo:
1. Ao longo da sua caminhada de fé, os discípulos descobriram a presença de
Jesus, vivo e ressuscitado, no meio da sua comunidade. Perceberam que Ele
continua a ser o centro à volta do qual a comunidade se constrói e se articula.
Entenderam que Jesus derrama sobre a sua comunidade em marcha pela história a
paz (o "shalom" hebraico, no sentido de harmonia, serenidade,
tranquilidade, confiança, vida plena - verso 36).
2. Esse Jesus, vivo e ressuscitado, é o filho de Deus que, após caminhar com os
homens, reentrou no mundo de Deus. O "espanto" e o "medo"
com que os discípulos acolhem Jesus são, no contexto bíblico, a reacção normal
e habitual do homem diante da divindade (vers. 37). Jesus não é um homem
reanimado para a vida que levava antes, mas o Deus que reentrou definitivamente
na esfera divina.
3. As dúvidas dos discípulos dão conta dessa dificuldade que eles sentiram em
percorrer o caminho da fé, até ao encontro pessoal com o Senhor ressuscitado. A
ressurreição não foi, para os discípulos, um facto imediatamente evidente, mas
uma caminhada de amadurecimento da própria fé, até chegar à experiência do
Senhor ressuscitado (vers. 38).
4. Na catequese/descrição de Lucas, certos elementos mais "sensíveis"
e materiais (a insistência no "tocar" em Jesus para ver que Ele não
era um fantasma - verso 39-40; a indicação de que Jesus teria comido "uma
posta de peixe assado" - verso 41-43) são, antes de mais, uma forma de
ensinar que a experiência de encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado não
foi uma ilusão ou um produto da imaginação, mas uma experiência muito forte e
marcante, quase palpável. São, ainda, uma forma de dizer que esse Jesus que os
discípulos encontraram, embora diferente e irreconhecível, é o mesmo que tinha
andado com eles pelos caminhos da Palestina, anunciando-lhes e propondo-lhes a
salvação de Deus. Finalmente, Lucas ensina também, com estes elementos, que
Jesus ressuscitado não está ausente e distante, definitivamente longe do mundo
em que os discípulos têm de continuar a caminhar; mas Ele continua, pelo tempo
fora, a sentar-Se à mesa com os discípulos, a estabelecer laços de
familiaridade e de comunhão com eles, a partilhar os seus sonhos, as suas
lutas, as suas esperanças, as suas dificuldades, os seus sofrimentos.
5. Jesus ressuscitado desvela aos discípulos o sentido profundo das Escrituras.
A Escritura não só encontra em Jesus o seu cumprimento, mas também o seu
intérprete. A comunidade de Jesus que caminha pela vida deve, continuamente,
reunir-se à volta de Jesus ressuscitado para escutar a Palavra que alimenta e
que dá sentido à sua caminhada histórica (vers. 44-46).
6. Os discípulos, alimentados por essa
Palavra, recebem de Jesus a missão de dar testemunho diante de "todas as
nações, começando por Jerusalém". O anúncio dos discípulos terá como tema
central a morte e ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde
sempre. A finalidade da missão da Igreja de Jesus (os discípulos) é pregar o
arrependimento e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres, propondo-lhes
a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna (vers. 47-48).
Lucas apresenta aqui uma breve síntese da missão da Igreja, tema que ele
desenvolverá amplamente no livro dos Actos dos Apóstolos.
ACTUALIZAÇÃO
• Jesus ressuscitou verdadeiramente, ou a
ressurreição é fruto da imaginação dos discípulos? Como é possível ter a
certeza da ressurreição? Como encontrar Jesus ressuscitado? É a estas e a
outras questões semelhantes que o Evangelho deste domingo procura responder.
Com a sua catequese, Lucas diz-nos que nós, como os primeiros discípulos, temos
de percorrer o nem sempre claro caminho da fé, até chegarmos à certeza da
ressurreição. Não se chega lá através de deduções lógicas ou através de
construções de carácter intelectual; mas chega-se ao encontro com o Senhor
ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em que Jesus Se revela - no encontro
comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta
comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de fraternidade e
de serviçoD É nesse "caminho" que vamos encontrando Cristo vivo,
actuante, presente na nossa vida e na vida do mundo.
• É que Cristo continua presente no meio da sua comunidade em marcha pela
história. Quando a comunidade se reúne para escutar a Palavra, Ele está
presente e explica aos seus discípulos o sentido das Escrituras. Não sentimos,
tantas vezes, a presença de Cristo a indicar-nos caminhos de vida nova e a
encher o nosso coração de esperança quando lemos e meditamos a Palavra de Deus?
Não sentimos o coração cheio de paz - a paz que Jesus ressuscitado oferece aos
seus - quando escutamos e acolhemos as propostas de Deus, quando procuramos
conduzir a nossa vida de acordo com o plano de Deus?
• Jesus ressuscitado reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da nossa
vida e não se alheou da vida da sua comunidade. Através da imagem do
"comer em conjunto" (que, para o Povo bíblico, significa estabelecer
laços estreitos, laços de comunhão, de familiaridade, de fraternidade), Lucas
garante-nos que o Ressuscitado continua a "sentar-se à mesa" com os
seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas
inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com a sua
comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que se senta à mesa com
os homens sempre que a comunidade se reúne à mesa da Eucaristia, para partilhar
esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar consciência da nossa comunhão com
Ele e com os irmãos.
• Jesus lembra aos discípulos: "vós sois as testemunhas de todas estas
coisas". Isto significa, apenas, que os cristãos devem ir contar a todos
os homens, com lindas palavras, com raciocínios lógicos e inatacáveis que Jesus
ressuscitou e está vivo? O testemunho que Cristo nos pede passa, mais do que
pelas palavras, pelos nossos gestos. Jesus vem, hoje, ao encontro dos homens e
oferece-lhes a salvação através dos nossos gestos de acolhimento, de partilha,
de serviço, de amor sem limites. São esses gestos que testemunham, diante dos
nossos irmãos, que Cristo está vivo e que Ele continua a sua obra de libertação
dos homens e do mundo.
• Na catequese que Lucas apresenta, Jesus ressuscitado confia aos discípulos a
missão de anunciar "em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a
todos os povos, começando por Jerusalém". Continuando a obra de Jesus, a
missão dos discípulos é eliminar da vida dos homens tudo aquilo que é "o
pecado" (o egoísmo, o orgulho, o ódio, a violência e propor aos homens uma
dinâmica de vida nova.
Grupo Dinamizador
Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade
de Tete, 10 :: 1800-129 Lisboa - Portugal
Tel: 218540900:: Fax: 218 540 909
portugal@dehonianos.org :: www.dehonianos.org
Obrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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