25 Março
2021
A solenidade da Anunciação do Senhor é a
celebração do grande mistério cristão da Encarnação do Verbo de Deus. A data de
25 de Março está em função do Nascimento de Jesus, que é celebração exatamente
nove meses depois. A catequese sempre fez coincidir a Anunciação e a
Encarnação. Estes mistérios começaram a ser celebrados liturgicamente
provavelmente depois da edificação da basílica constantiniana sobre a casa de
Maria, em Nazaré, no século IV. A celebração no Oriente e no Ocidente data do
século VII. Durante séculos, esta solenidade teve sobretudo carácter mariano.
Mas Paulo VI devolveu-lhe o título de "Anunciação do Senhor", repondo
o seu carácter predominantemente cristológico. Em síntese, trata-se de uma
"celebração (que) era e é festa de Cristo e da Virgem: do Verbo que se
torna filho de Maria e da Virgem que se torna Mãe de Deus" (Marialis
cultus 6).
Lectio
Primeira leitura: Isaías 7, 10-14; 8, 10
Naqueles dias, o Senhor mandou dizer de novo a
Acaz: 11«Pede ao Senhor teu Deus um sinal, quer no fundo dos abismos, quer lá
no alto dos céus.» 12Acaz respondeu: «Não pedirei tal coisa, não tentarei o
Senhor.» 13Isaías respondeu: «Escuta, pois, casa de David: Não vos basta já ser
molestos para os homens, senão que também ousais sê-lo para o meu Deus? 14Por
isso, o Senhor, por sua conta e risco, vos dará um sinal. Olhai: a jovem está
grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel. 10Traçai
planos, que serão frustrados; ordenai ameaças, que não serão executadas, pois
temos o Emanuel: «Deus-connosco.»
Acaz, rei de Jerusalém, vê vacilar o seu trono
devido à aproximação de exércitos inimigos. A sua primeira reação é entrar numa
política de alianças humanas. Isaías, pelo contrário, propõe a resolução do
problema pela confiança em Deus. Convida o rei a pedir um «sinal» (v. 11) que
seja confirmação da assistência divina. Acaz recusa a proposta: «não tentarei o
Senhor» (v. 12). Fá-lo por hipocrisia, e não por verdadeiro sentido religioso.
Isaías insiste que, apesar da recusa do rei, Deus lhe dará um sinal: «a jovem
está grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel:
«Deus-connosco». O sentido imediato destas palavras refere-se a Ezequias, filho
de Acaz, que a rainha está para dar à luz. O seu nascimento, nesse momento
histórico, é interpretado como sinal da presença salvadora de Deus em favor do
seu povo aflito. Mais profundamente, as palavras de Isaías são profecia de um
futuro rei Salvador. A tradição cristã sempre viu neste oráculo o anúncio
profético do nascimento de Jesus, filho de Maria Virgem.
Segunda leitura: Hebreus 10, 4-10
Irmãos, é impossível que o sangue dos touros e
dos bodes apague os pecados. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz: «Tu não
quiseste sacrifício nem oferenda, mas reparaste-me um corpo. 6Não te agradaram
holocaustos nem sacrifícios pelos pecados. 7Então, Eu disse: Eis que venho -
como está escrito no livro a meu respeito -para fazer, ó Deus, a tua vontade.
8Disse primeiro: Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e
holocaustos pelos pecados - e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei.
9Disse em seguida: Eis que venho para fazer a tua vontade. Suprime, assim, o
primeiro culto, para instaurar o segundo. 10E foi por essa vontade que nós
fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para
sempre.
Este texto, retirado do seu contexto, procura
demonstrar que o sacrifício de Cristo é superior aos sacrifícios do Antigo
Testamento. O autor da Carta aos Hebreus relê o Salmo 39 - utilizado pela
liturgia desta solenidade como Salmo Responsorial - como se fosse uma
declaração de intenções do próprio Cristo ao entrar no mundo, no momento da
Incarnação. Esta é também a atitude obediencial do povo da antiga aliança e de
todo o piedoso cantor do salmo: «: Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua
vontade.». A Incarnação como atitude obediencial acontece no dia da Anunciação
do Senhor a Maria. Esse dia inaugura a peregrinação messiânica que conduzirá à
doação do corpo de Cristo no sacrifício salvífico, novo e inovador, único e
indispensável, que se completa no sacrifício da cruz.
Evangelho: Lucas 1, 26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por
Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27a uma virgem desposada com um
homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar
em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está
contigo.» 29Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria
o que significava tal saudação. 30Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois
achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um
filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32Será grande e vai chamar-se Filho do
Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33reinará
eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34Maria disse
ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35O anjo respondeu-lhe: «O
Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua
sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus.
36Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no
sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, 37porque nada é impossível a Deus.»
38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.
Uma possível chave de leitura deste texto é
ver nele um relato biográfico feito por Lucas que terá ouvido atentamente as
confidências de Maria. No diálogo entre Deus e a menina de Nazaré - pela
mediação do anjo Gabriel - revela-nos uma relação viva entre o divino e o
humano, em que a proposta do alto vai sendo progressivamente esclarecida. O
mensageiro respeita a condição humana de uma rapariga virgem que recebe uma
proposta inesperada: ser mãe do Messias. Maria, a virgem prometida como esposa
a José, aproxima-se progressivamente do mistério, deixando-se conscientemente
envolver por ele, disponibilizando-se e adequando à proposta de Deus o seu
próprio projeto. E termina pronunciando o seu «Eis-me aqui!» (cf. v. 38).
Meditatio
O mistério celebrado hoje é a conceição do
Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Na basílica nazaretana da Anunciação,
diante do altar, há uma placa de mármore que os peregrinos beijam com emoção e
onde está escrito: "Aqui de Maria Virgem fez-se carne o Verbo".
No texto da Carta aos Hebreus, o hagiógrafo refere ou interpreta a anunciação
de Cristo; no texto de Lucas, o evangelista narra a anunciação a Maria. Cristo
toma a iniciativa de declarar aquilo que Ele mesmo compreende; Maria recebe uma
palavra que vem de fora de si mesma, uma palavra cheia de propostas de um
Outro. O paralelismo transforma-se em coincidência na explicitação da
disponibilidade de ambos para fazerem a vontade divina; é uma disponibilidade
separada por qualidade e quantidade de consciência, mas que converge na
finalidade de obediência total ao projeto de Deus: Ecce venio, ecce ancilla,
eis-me aqui! Eis a serva!
A atitude de obediência irá aproximar a mãe e o filho, Maria
"anunciada" e Jesus Cristo "anunciado". Ambos pronunciam o
seu «Eis-me aqui!». Ambos se exprimem com voz quase idêntica: «faça-se em mim
segundo a tua palavra», «Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade».
Ambos entram na fisionomia de «serva» e de «servo» do Senhor. Esta sintonia
encoraja os discípulos à disponibilidade para servir a palavra de Deus, porque
o próprio Filho de Deus é servo e porque a Mãe de Deus é serva; ambos são
servos de uma palavra que salva quem a serve e que traz salvação.
Os Sacerdotes do Coração de Jesus são chamados a viver a espiritualidade
oblativa, a fazerem da sua vida e obras uma oferta de amor que se concretiza,
em primeiro lugar, na disponibilidade para cumprir a vontade de Deus, mesmo
quando ela exige renúncia, sacrifício. Unem-se à oblação perfeita de Cristo ao
Pai com o sacrifício das suas vidas, "como oblação viva, santa e agradável
a Deus" (cf. Rom 12, 1), a realizar-se na contemplação e no apostolado
(cf. Cst nn. 24 e 58).
Esta espiritualidade oblativa é bem expressa, segundo o P. Dehon, pelo
"Ecce venio" (Eis-me aqui!) (Heb 10, 7): "Nestas palavras: Ecce
venio,.. Ecce ancilla..., encerram-se toda a nossa vocação, a nossa finalidade,
o nosso dever, as nossas promessas" (Dir. Esp. I. 3)." (Cst. n. 6;
cf. Cst nn. 53.58.85).
Oratio
Salve Santa Maria, serva humilde do Senhor,
mãe gloriosa de Cristo! Salve, Virgem fiel! Ensina-nos a ser dóceis ao
Espírito. Ensina-nos a viver em atitude de escuta da Palavra, atentos às suas
inspirações e às suas manifestações na vida dos irmãos, nos acontecimentos da
história, no gemido e no júbilo da criação. Virgem da escuta, virgem orante,
acolhe as súplicas dos teus servos. Ajuda-nos a abandonar-nos ao Senhor, a
unir-nos ao Ecce venio de Jesus e ao teu Ecce ancilla. Ajuda-nos a compreender
que já não podemos ter outra vontade que não a do Pai, outra regra que o seu
beneplácito. Que, em cada instante, procuremos a vontade de Deus e nos
conformemos a ela (cf. Leão Dehon, OSP 3, p. 329).
Contemplatio
Ecce venio, regra de vida de Jesus. - Foi
neste dia que Nosso Senhor disse o seu Ece venio e que Maria disse o seu Ecce
ancilla. O apóstolo S. Paulo regista-o, foi ao entrar neste mundo pela
Incarnação que Nosso Senhor formulou o seu abandono ao beneplácito do Pai e a
regra de toda a sua vida: Eis que venho, meu Pai, para fazer a vossa vontade
(Heb 10,5). Tinha dito por David que tal seria a lei do seu Coração (Sl 39).
Colocou esta lei do abandono, da obediência, da conformidade à vontade do seu
Pai, no fundo do seu Coração para a consultar sem cessar, para a seguir sempre,
para dela fazer a rega de toda a sua vida. E do seu Coração ela subia sem
cessar aos seus lábios, como o Evangelho mesmo o indica: «Meu Pai, que a vossa
vontade seja feita. - Meu Pai, que assim seja, pois que vós o quereis. - Meu
Pai, não a minha vontade, mas a vossa». Estas indicações do Evangelho bastam
para mostrar que aí estava para Nosso Senhor uma regra de vida e um pensamento
habitual do seu Coração. O que Ele procura sempre, não é nem o interesse nem o
prazer, mas a vontade do seu Pai. A única questão que se coloca antes de agir é
sempre esta: «Meu Pai, que quereis que Eu faça?» (Leão Dehon, OSP 3, p. 328).
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Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 2, 38).
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Anunciação do Senhor (25 Março)
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