Domingo de Ramos - Ano B
28 Março 2021
ANO B
DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR
Tema do Domingo de Ramos
A liturgia deste último Domingo da
Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso
encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se
matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia
deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição
suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos
propõe: a doação da vida por amor.
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anónimo, chamado por Deus a
testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da
perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade,
os projectos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste "servo" a
figura de Jesus.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho
e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até
ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento
supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo
aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus - esse
amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.
LEITURA I - Is 50, 4-7
Leitura do Livro de Isaías
O Senhor deu-me a graça de falar como um
discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e, por isso, não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.
AMBIENTE
No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55),
encontramos quatro poemas que se destacam do resto do texto (cf. Is 42,1-9;
49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12). Apresentam-nos uma figura enigmática de um
"servo de Jahwéh", que recebeu de Deus uma missão. Essa missão tem a
ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal; concretiza-se no
sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projectos de
Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não
foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o
perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e
recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus
detractores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da
Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no
ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura colectiva,
que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar
testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que
une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David,
profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua
totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai
receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu
destino.
O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do "servo de
Jahwéh".
MENSAGEM
O texto dá a palavra a um personagem
anónimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula
"profeta"; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos
relatos proféticos de vocação.
Em primeiro lugar, a missão que este "profeta" recebe de Deus tem claramente
a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem
Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam
de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente
modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que
Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de
Deus, para que possa depois apresentar - com fidelidade - essa Palavra de Deus
para os homens.
Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no sofrimento e na dor. É um
tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de
Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre,
em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela
Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona
aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de
Deus, torna o profeta mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição. Por
isso, o profeta "não será confundido".
ACTUALIZAÇÃO
• Não sabemos, efectivamente, quem é
este "servo de Jahwéh"; no entanto, os primeiros cristãos vão
utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: ele é a
Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a
salvação/libertação aos homens... A vida de Jesus realiza plenamente esse
destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação
mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na
ressurreição que gera vida nova.
• Jesus, o "servo" sofredor
que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a
vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é
perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido. Temos a
coragem de fazer da nossa vida uma entrega radical ao projecto de Deus e à
libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda entrava a nossa aceitação de
uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao escolher este caminho,
estamos a gerar vida nova, para nós e para os nossos irmãos?
• Temos consciência de que a nossa
missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras,
nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança
o mundo e o coração dos homens?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 21 (22)
Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me
abandonastes?
Todos os que me vêem escarnecem de mim,
estendem os meus lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é meu amigo».
Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.
Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.
Hei-de falar do vosso nome aos meus
irmãos,
hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.
LEITURA II - Filip 2, 6-11
Leitura da Epístola do apóstolo São
Paulo aos Filipenses
Cristo Jesus, que era de condição
divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.
AMBIENTE
A cidade de Filipos era uma cidade
próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos
do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos
governantes das províncias locais e dependia directamente do imperador; gozava,
por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã,
fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida,
sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da
colecta em favor da Igreja de Jerusalém - cf. 2 Cor 8,1-5), por quem Paulo
nutria um afecto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto,
uma comunidade perfeita... O desprendimento, a humildade, a simplicidade, não
eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a
comunidade.
É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos
apresenta. Paulo convida os filipenses a encarnar os valores que marcaram a
trajectória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino,
recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos
de Filipos o exemplo de Cristo.
MENSAGEM
Cristo Jesus - nomeado no princípio, no
meio e no fim - constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos
- quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados -
têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de
Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que
reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu - cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem
Novo que, ao orgulho e revolta de Adão, responde com a humildade e a obediência
ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe
exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o "despojamento"
("kenosis") de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua
condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição
humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser
e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens,
fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse
"abaixamento" assumiu mesmo foros de escândalo: Jesus aceitou uma
morte infamante - a morte de cruz - para nos ensinar a suprema lição do
serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um
fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projectos do Pai resultaram em
ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua
entrega, Deus fez d'Ele o "Kyrios" ("Senhor" - nome que, no
Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade
inteira ("os céus, a terra e os infernos") reconhece Jesus como
"o Senhor" que reina sobre toda a terra e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida, que Paulo aqui
faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse
Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos. Esse
caminho não levará ao aniquilamento, mas à glória, à vida plena.
ACTUALIZAÇÃO
• Os valores que marcaram a existência
de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados no séc. XXI. De acordo com
os critérios que presidem à construção do nosso mundo, os grandes
"ganhadores" não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros,
com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com
agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso
signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão
(obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes
valores?
• Paulo tem consciência de que está a
pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à
luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da
Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do
amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?
• Os acontecimentos que, nesta semana,
vamos celebrar garantem-nos que o caminho do dom da vida não é um caminho de
"perdedores" e fracassados: o caminho do dom da vida conduz ao
sepulcro vazio da manhã de Páscoa, à ressurreição. É um caminho que garante a
vitória e a vida plena.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO - Filip 2,
8-9
(escolher um dos 7 refrães)
1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo,
Senhor.
2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Cristo obedeceu até à morte e morte de
cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.
EVANGELHO - Mc 14, 1 - 15,47
N Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
N Faltavam dois dias para a festa da
Páscoa e dos Ázimos
e os príncipes dos sacerdotes e os escribas
procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à traição
para Lhe darem a morte.
Mas diziam:
R «Durante a festa, não,
para que não haja algum tumulto entre o povo».
N Jesus encontrava-Se em Betânia,
em casa de Simão o Leproso,
e, estando à mesa,
veio uma mulher que trazia um vaso de alabastro
com perfume de nardo puro de alto preço.
Partiu o vaso de alabastro
e derramou-o sobre a cabeça de Jesus.
Alguns indignaram-se e diziam entre si:
R «Para que foi esse desperdício de perfume?
Podia vender-se por mais de duzentos denários
e dar o dinheiro aos pobres».
N E censuravam a mulher com aspereza.
Mas Jesus disse:
J «Deixai-a. Porque estais a importuná-la?
Ela fez uma boa acção para comigo.
Na verdade, sempre tereis os pobres convosco
e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem;
Mas a Mim, nem sempre Me tereis.
Ela fez o que estava ao seu alcance:
ungiu de antemão o meu corpo para a sepultura.
Em verdade vos digo:
Onde quer que se proclamar o Evangelho, pelo mundo inteiro,
dir-se-á também em sua memória, o que ela fez».
N Então, Judas Iscariotes, um dos Doze,
foi ter com os príncipes dos sacerdotes
para lhes entregar Jesus.
Quando o ouviram, alegraram-se
e prometeram dar-lhe dinheiro.
E ele procurava uma oportunidade para entregar Jesus.
N No primeiro dia dos Ázimos,
em que se imolava o cordeiro pascal,
os discípulos perguntaram a Jesus:
R «Onde queres que façamos os preparativos
para comer a Páscoa?»
N Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes:
J «Ide à cidade.
Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água.
Segui-o e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa:
'O Mestre pergunta: Onde está a sala,
em que hei-de comer a Páscoa com os meus discípulos?'
Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior,
alcatifada e pronta.
Preparai-nos lá o que é preciso».
N Os discípulos partiram e foram à cidade.
Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito
e prepararam a Páscoa.
Ao cair da tarde, chegou Jesus com os Doze.
Enquanto estavam à mesa e comiam,
Jesus disse:
J «Em verdade vos digo:
Um de vós, que está comigo à mesa, há-de entregar-Me».
N Eles começaram a entristecer-se e a dizer um após outro:
R «Serei eu?»
N Jesus respondeu-lhes:
J «É um dos Doze, que mete comigo a mão no prato.
O Filho do homem vai partir,
como está escrito a seu respeito,
mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser traído!
Teria sido melhor para esse homem não ter nascido».
N Enquanto comiam, Jesus tomou o pão,
recitou a bênção e partiu-o,
deu-o aos discípulos e disse:
J «Tomai: isto é o meu Corpo».
N Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho.
E todos beberam dele.
Disse Jesus:
J «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança,
derramado pela multidão dos homens.
Em verdade vos digo:
Não voltarei a beber do fruto da videira,
até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus».
N Cantaram os salmos e saíram para o Monte das Oliveiras.
N Disse-lhes Jesus:
J «Todos vós Me abandonareis, como está escrito:
'Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas'.
Mas depois de ressuscitar,
irei à vossa frente para a Galileia».
N Disse-Lhe Pedro:
R «Embora todos te abandonem, eu não».
N Jesus respondeu-lhe:
J «Em verdade te digo:
Hoje, esta mesma noite, antes do galo cantar duas vezes,
três vezes Me negarás».
N Mas Pedro continuava a insistir:
R «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».
N E todos afirmaram o mesmo.
Entretanto, chegaram a uma propriedade chamada Getsémani
e Jesus disse aos seus discípulos:
J «Ficai aqui, enquanto Eu vou orar».
N Tomou consigo Pedro, Tiago e João
e começou a sentir pavor e angústia.
Disse-lhes então:
J «A minha alma está numa tristeza de morte.
Ficai aqui e vigiai».
N Adiantando-Se um pouco, caiu por terra
e orou para que, se fosse possível,
se afastasse d'Ele aquela hora.
Jesus dizia:
J «Abba, Pai, tudo Te é possível:
afasta de Mim este cálice.
Contudo, não se faça o que Eu quero,
mas o que Tu queres».
N Depois, foi ter com os discípulos, encontrando-os dormindo
e disse a Pedro:
J «Simão, estás a dormir? Não pudeste vigiar uma hora?
Vigiai e orai, para não entrardes em tentação.
O espírito está pronto, mas a carne é fraca».
N Afastou-Se de novo e orou, dizendo as mesmas palavras.
Voltou novamente e encontrou-os dormindo,
porque tinham os olhos pesados
e não sabiam que responder.
Jesus voltou pela terceira vez e disse-lhes:
J «Dormi agora e descansai...
Chegou a hora:
o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores.
Levantai-vos. Vamos.
Já se aproxima aquele que Me vai entregar».
N Ainda Jesus estava a falar,
quando apareceu Judas, um dos Doze,
e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,
enviada pelos príncipes dos sacerdotes,
pelos escribas e os anciãos.
O traidor tinha-lhes dado este sinal:
«Aquele que eu beijar, é esse mesmo.
Prendei-O e levai-O bem seguro».
Logo que chegou, aproximou-se de Jesus e beijou-O, dizendo:
R «Mestre».
N Então deitaram-Lhe as mãos e prenderam-n'O.
Um dos presentes puxou da espada
e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha.
Jesus tomou a palavra e disse-lhes:
J «Vós saístes com espadas e varapaus para Me prender,
como se fosse um salteador.
Todos os dias Eu estava no meio de vós,
a ensinar no templo,
e não Me prendestes!
Mas é para se cumprirem as Escrituras».
N Então os discípulos deixaram-n'O e fugiram todos.
Seguiu-O um jovem, envolto apenas num lençol.
Agarraram-no, mas ele, largando o lençol, fugiu nu.
N Levaram então Jesus à presença do sumo
sacerdote,
onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes,
os anciãos e os escribas.
Pedro, que O seguira de longe,
até ao interior do palácio do sumo sacerdote,
estava sentado com os guardas, a aquecer-se ao lume.
Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio
procuravam um testemunho contra Jesus
para Lhe dar a morte,
mas não o encontravam.
Muitos testemunhavam falsamente contra Ele,
mas os seus depoimentos não eram concordes.
Levantaram-se então alguns,
para proferir contra Ele este falso testemunho:
R «Ouvimo-l'O dizer:
'Destruirei este templo feito pelos homens
e em três dias construirei outro
que não será feito pelos homens'».
N Mas nem assim o depoimento deles era concorde.
Então o sumo sacerdote levantou-se no meio de todos
e perguntou a Jesus:
R «Não respondes nada ao que eles depõem contra Ti?»
N Mas Jesus continuava calado e nada respondeu.
O sumo sacerdote voltou a interrogá-l'O:
R «És Tu o Messias, Filho do Deus Bendito?»
N Jesus respondeu:
J «Eu Sou. E vós vereis o Filho do homem
sentado à direita do Todo-poderoso
vir sobre as nuvens do céu».
N O sumo sacerdote rasgou as vestes e disse:
R «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Ouvistes a blasfémia. Que vos parece?»
N Todos sentenciaram que Jesus era réu de morte.
Depois, alguns começaram a cuspir-Lhe,
a tapar-Lhe o rosto com um véu
e a dar-Lhe punhadas, dizendo:
R «Adivinha».
N E os guardas davam-Lhe bofetadas.
N Pedro estava em baixo, no pátio,
quando chegou uma das criadas do sumo sacerdote.
Ao vê-lo a aquecer-se, olhou-o de frente e disse-lhe:
R «Tu também estavas com Jesus, o Nazareno».
N Mas ele negou:
R «Não sei nem entendo o que dizes».
N Depois saiu para o vestíbulo e o galo cantou.
A criada, vendo-o de novo, começou a dizer aos presentes:
R «Este é um deles».
N Mas ele negou segunda vez.
Pouco depois, os presentes diziam também a Pedro:
R «Na verdade, tu és deles, pois também és galileu».
N Mas ele começou a dizer imprecações e a jurar:
R «Não conheço esse homem de quem falais».
N E logo o galo cantou pela segunda vez.
Então Pedro lembrou-se do que Jesus lhe tinha dito:
«Antes do galo cantar duas vezes,
três vezes Me negarás».
E desatou a chorar.
N Logo de manhã,
os príncipes dos sacerdotes reuniram-se em conselho,
com os anciãos e os escribas e todo o Sinédrio.
Depois de terem manietado Jesus,
foram entregá-l'O a Pilatos.
Pilatos perguntou-Lhe:
R «Tu és o Rei dos judeus?»
N Jesus respondeu:
J «É como dizes».
N E os príncipes dos sacerdotes
faziam muitas acusações contra Ele.
Pilatos interrogou-O de novo:
R «Não respondes nada? Vê de quantas coisas Te acusam».
N Mas Jesus nada respondeu,
de modo que Pilatos estava admirado.
N Pela festa da Páscoa,
Pilatos costumava soltar-lhes um preso à sua escolha.
Havia um, chamado Barrabás, preso com os insurrectos,
que numa revolta tinham cometido um assassínio.
A multidão, subindo,
começou a pedir o que era costume conceder-lhes.
Pilatos respondeu:
R «Quereis que vos solte o Rei dos judeus?»
N Ele sabia que os príncipes dos sacerdotes
O tinham entregado por inveja.
Entretanto, os príncipes dos sacerdotes incitaram a multidão
a pedir que lhes soltasse antes Barrabás.
Pilatos, tomando de novo a palavra, perguntou-lhes:
R «Então, que hei-de fazer d'Aquele
que chamais o Rei dos judeus?»
N Eles gritaram de novo:
R «Crucifica-O!».
N Pilatos insistiu:
R «Que mal fez Ele?»
N Mas eles gritaram ainda mais:
R «Crucifica-O!».
N Então Pilatos, querendo contentar a multidão,
soltou-lhes Barrabás
e, depois de ter mandado açoitar Jesus,
entregou-O para ser crucificado.
Os soldados levaram-n'O para dentro do palácio,
que era o pretório,
e convocaram toda a coorte.
Revestiram-n'O com um mando de púrpura
e puseram-Lhe na cabeça uma coroa de espinhos
que haviam tecido.
Depois começaram a saudá-l'O:
R «Salvé, Rei dos judeus!»
N Batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-Lhe
e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante d'Ele.
Depois de O terem escarnecido,
tiraram-Lhe o manto de púrpura
e vestiram-Lhe as suas roupas.
Em seguida levaram-n'O dali para O crucificarem.
N Requisitaram, para Lhe levar a cruz,
um homem que passava, vindo do campo,
Simão de Cirene, pai de Alexandre e Rufo.
E levaram Jesus ao lugar do Gólgota,
quer dizer, lugar do Calvário.
Queriam dar-Lhe vinho misturado com mirra,
mas Ele não o quis beber.
Depois crucificaram-n'O.
E repartiram entre si as suas vestes,
tirando-as à sorte, para verem o que levaria cada um.
Eram nove horas da manhã quando O crucificaram.
O letreiro que indicava a causa da condenação tinha escrito:
«Rei dos Judeus».
Crucificaram com Ele dois salteadores,
um à direita e outro à esquerda.
Os que passavam insultavam-n'O
e abanavam a cabeça, dizendo:
R «Tu que destruías o templo e o reedificavas em três dias,
salva-Te a Ti mesmo e desce da cruz».
N Os príncipes dos sacerdotes e os escribas
troçavam uns com os outros, dizendo:
R «Salvou os outros e não pode salvar-se a Si mesmo!
Esse Messias, o Rei de Israel, desça agora da cruz,
para nós vermos e acreditarmos».
N Até os que estavam crucificados com ele o injuriavam.
Quando chegou o meio-dia,
as trevas envolveram toda a terra até às três horas da tarde.
E às três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:
J «Eloí, Eloí, lamá sabachtháni?»
N que quer dizer:
«Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?»
N Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:
R «Está a chamar por Elias».
N Alguém correu a embeber uma esponja em vinagre
e, pondo-a na ponta duma cana, deu-Lhe a beber e disse:
R «Deixa ver se Elias vem tirá-l'O dali».
N Então Jesus, soltando um grande brado, expirou.
N O véu do templo rasgou-se em duas
partes de alto a baixo.
O centurião que estava em frente de Jesus,
ao vê-l'O expirar daquela maneira, exclamou:
R «Na verdade, este homem era Filho de Deus».
N Estavam também ali umas mulheres a observar de longe,
entre elas Maria Madalena,
Maria, mãe de Tiago e de José, e Salomé,
que acompanhavam e serviam Jesus,
quando estava na Galileia,
e muitas outras que tinham subido com ele a Jerusalém.
Ao cair da tarde
– visto ser a Preparação, isto é, a véspera do sábado –
José de Arimateia, ilustre membro do Sinédrio,
que também esperava o reino de Deus,
foi corajosamente à presença de Pilatos
e pediu-lhe o corpo de Jesus.
Pilatos ficou admirado de Ele já estar morto
e, mandando chamar o centurião,
ordenou que o corpo fosse entregue e José.
José comprou um lençol,
desceu o corpo de Jesus e envolveu-O no lençol;
depois depositou-O num sepulcro escavado na rocha
e rolou uma pedra para a entrada do sepulcro.
Entretanto, Maria Madalena e Maria, mãe de José,
observavam onde Jesus tinha sido depositado.
AMBIENTE
Marcos procura, no seu Evangelho,
apresentar a figura de Jesus de acordo com duas grandes coordenadas. Uma,
desenvolvida na primeira parte do Evangelho, apresenta Jesus como o Messias,
enviado por Deus aos homens para lhes propor o Reino (cf. Mc 1,14-8,30); outra,
tratada na segunda parte do Evangelho, apresenta Jesus como o Filho de Deus,
que para cumprir a missão que o Pai lhe confiou tem de passar pela morte, mas a
quem Deus ressuscitará (cf. Mc 8,31-16,8).
A leitura que hoje nos é proposta é o relato da paixão de Jesus. O relato,
inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, não é uma simples
reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é, sobretudo,
uma catequese destinada a apresentar Jesus como o Filho de Deus que aceita
cumprir o projecto do Pai, mesmo quando esse projecto passa por um destino de
cruz. Marcos pretende que os crentes a quem a catequese se destina concluam,
como o centurião romano que testemunha a paixão e morte de Jesus: "na
verdade, este homem era Filho de Deus" (Mc 15,39). Fica assim demonstrada
a tese que Marcos, desde o início do Evangelho (cf. Mc 1,1), se propôs
apresentar: Jesus, o Messias, é o Filho de Deus.
Betânia, o cenáculo, o Getsemani, o palácio do sumo-sacerdote, o pretório
romano, o Gólgota e o túmulo são os cenários onde se desenrola a acção e onde
vai sendo demonstrada a filiação divina de Jesus.
MENSAGEM
A morte de Jesus tem de ser entendida no
contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o
Pai O chamava a uma missão: anunciar esse mundo novo, de justiça, de paz e de
amor para todos os homens. Para concretizar este projecto, Jesus passou pelos
caminhos da Palestina "fazendo o bem" e anunciando a proximidade de
um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que
Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os
leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram
amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos
de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o
"Reino"; e avisou os "ricos" (os poderosos, os instalados)
de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o fechamento só podiam
conduzir à morte.
O projecto libertador de Jesus entrou em choque - como era inevitável - com a
atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As
autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de
Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes
asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a
arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por
isso, prenderam Jesus, julgaram-n'O, condenaram-n'O e pregaram-n'O numa cruz.
A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do "Reino": resultou
das tensões e resistências que a proposta do "Reino" provocou entre
os que dominavam o mundo.
Podemos, também, dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a
afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com
sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom
total, o serviço.
Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente
e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai
assumir como missão a luta contra o pecado - isto é, contra todas as causas
objectivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração e morte. Assim, a
cruz mantém o dinamismo de um mundo novo - o dinamismo do "Reino".
No relato da Paixão na versão de Marcos, não difere substancialmente das
versões de Mateus e de Lucas; no entanto, há algumas coordenadas que Marcos
sublinha especialmente. De entre elas, destacamos:
1. Ao longo de todo o processo, Jesus
manifesta uma grande serenidade, uma grande dignidade e uma total conformação
com aquilo que se está a passar. Não se trata de passividade ou de
inconsciência, mas de aceitação serena de um caminho que Ele sabe que passa
pela cruz. Marcos sugere, desta forma, que Jesus está perfeitamente conformado
com o projecto do Pai e que a sua vontade é cumprir fiel e integralmente o
plano de Deus, sem objecções ou resistências de qualquer espécie. Esta
"dignidade" de Jesus diante do processo que as autoridades religiosas
e políticas lhe movem é atestada em várias cenas:
Ä Mateus e Lucas põem Jesus a interpelar
directamente Judas, quando este o entrega no monte das Oliveiras (cf. Mt 26,50;
Lc 22,48); mas na narração de Marcos, Jesus mantém-se silencioso e cheio de
dignidade diante da traição do discípulo (cf. Mc 14,45-46), sem observações ou
recriminações.
Ä Mateus põe Jesus a desautorizar Pedro quando este
fere um servo do sumo-sacerdote cortando-lhe uma orelha (cf. Mt 26,52) e, na
narração de Lucas, Jesus pede aos discípulos que deixem actuar os seus
sequestradores (cf. Lc 22,51); mas Marcos não apresenta, no mesmo episódio,
qualquer reacção de Jesus (cf. Mc 14,47). Marcos apenas acrescenta que a prisão
de Jesus acontece para que se cumpram as Escrituras (cf. Mc 14,49).
Ä No tribunal judaico, quando interrogado pelo
sumo-sacerdote acerca das acusações que lhe eram feitas, Jesus manteve um
silêncio solene e digno (cf. Mc 14,61a), recusando defender-Se das acusações
dos seus detractores.
2. Uma das teses fundamentais do
Evangelho de Marcos é que Jesus é o Filho de Deus (cf. Mc 1,1). Esta ideia
também está bem presente, bem sublinhada, bem desenvolvida, no relato da
Paixão:
Ä No jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso,
Jesus dirige-Se a Deus (cf. Mc 14,36) e chama-Lhe "Abba"
("paizinho", "papá"). Esta apalavra não era usada nas
orações hebraicas como invocação de Deus; mas era usada na intimidade familiar
e expressava a grande proximidade entre um filho e o seu pai. Para a psicologia
judaica, teria sido um sinal de irreverência usar uma palavra tão familiar para
se dirigir a Deus. O facto de Jesus usar esta palavra, revela a comunhão que
havia entre Jesus e o Pai e revela uma relação marcada pela simplicidade, pela
intimidade, pela total confiança.
Ä Apesar do silêncio digno de Jesus durante o
interrogatório no palácio do sumo-sacerdote, há um momento em que Jesus não
hesita em esclarecer as coisas e em deixar clara a sua divindade. Quando o
sumo-sacerdote Lhe perguntou directamente se Ele era "o Messias, o Filho
de Deus bendito" (Mc 14,61b), Jesus respondeu, sem subterfúgios: "Eu
sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vir sobre
as nuvens do céu" (Mc 14,62). A expressão "eu sou" ("egô
eimi") leva-nos ao nome de Deus no Antigo Testamento ("eu sou aquele
que sou" - Ex 3,14)... É, na perspectiva do nosso evangelista, a afirmação
inequívoca da dignidade divina de Jesus. A referência ao "sentar-se à
direita do Todo-poderoso" e ao "vir sobre as nuvens" sublinha,
também, a dignidade divina de Jesus, que um dia aparecerá no lugar de Deus,
como juiz soberano da humanidade inteira. O sumo-sacerdote percebe
perfeitamente o alcance da afirmação de Jesus (Ele está a arrogar-Se a condição
de Filho de Deus e a prerrogativa divina por excelência - a de juiz universal);
por isso, manifesta a sua indignação rasgando as vestes e condenando Jesus como
blasfemo.
Ä Marcos põe um centurião romano a dizer, junto da
cruz de Jesus: "na verdade, este homem era Filho de Deus" (Mc 15,39).
Mais do que uma afirmação histórica, esta frase deve ser vista como uma
"profissão de fé" que Marcos convida todos os crentes a fazer...
Depois de tudo o que foi testemunhado ao longo do Evangelho, em geral, e no
relato da paixão, em particular, a conclusão é óbvia: Jesus é mesmo o Filho de
Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de
salvação.
3. Apesar de Filho de Deus, o Jesus de
Marcos é também homem e partilha da debilidade e da fragilidade da natureza
humana:
Ä No jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso,
o Jesus de Marcos sentiu "pavor" e "angústia" (cf. Mc
14,33), como acontece com qualquer homem diante da morte violenta (Mateus é
ligeiramente mais moderado e fala da "tristeza" e da
"angústia" de Jesus - cf. Mt 26,37; e Lucas evita fazer qualquer
referência a estes sentimentos que, sublinhando a dimensão humana de Jesus,
podiam lançar dúvidas sobre a sua divindade).
Ä No momento da morte, Jesus reza: "meu Deus,
meu Deus, porque me abandonaste" (Mc 15,34). A "oração" de Jesus
é a "oração" de um homem que, como qualquer outro ser humano,
experimenta a solidão, o abandono, o sentimento de impotência, a sensação de
falhanço... e do fundo do seu drama, não compreende a ausência e a indiferença
de Deus.
Não há dúvida: o Jesus apresentado por Marcos é, também, o homem/Jesus que Se
solidariza com os homens, que os acompanha nos seus sofrimentos, que
experimenta os seus dramas, fragilidades e debilidades.
4. Em todos os relatos da paixão, Jesus
aparece a enfrentar sozinho (abandonado pelas multidões e pelos próprios
discípulos) o seu destino de morte; mas Marcos sublinha especialmente a solidão
de Jesus, nesses momentos dramáticos:
Ä Lucas põe um anjo a confortar Jesus, no jardim das
Oliveiras (cf. Lc 22,43); Marcos não faz qualquer referência a esse momento de
"consolação.
Ä Mateus conta que a mulher de Pilatos intercedeu
por Jesus, pedindo ao marido que não se intrometesse "no caso desse
justo" (cf. Mt 27,19); Marcos não refere nenhuma interferência deste tipo
no processo de Jesus.
Ä João, além de Pedro, refere a presença de um
"outro discípulo conhecido do sumo-sacerdote" no palácio de Anás (Jo
18,15); Marcos, para além de Pedro (que negou Jesus três vezes), nunca refere a
presença de qualquer outro dos discípulos.
Ä Lucas fala na presença de mulheres, ao longo do
caminho do calvário, que "batiam no peito e se lamentavam por Ele"
(Lc 23,27-31); Marcos também não conhece ninguém que se lamentasse durante o
caminho percorrido por Jesus em direcção ao lugar da execução (só após a morte
de Jesus, Marcos observa que algumas mulheres que O seguiam e serviam quando
estava na Galileia estavam ali a "contemplar de longe" - Mc
15,40-41).
Abandonado pelos discípulos, escarnecido pela multidão, condenado pelos
líderes, torturado pelos soldados, Jesus percorre na solidão, no abandono, na
indiferença de todos, o seu caminho de morte. O grito final de Jesus na cruz
("meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste" - Mc 15,34) pode ser o
início do Salmo 22 (cf. Sal 22,2); mas é, também, expressão dramática dessa
solidão que Jesus sente à sua volta.
5. Só Marcos relata o episódio do jovem
não identificado que seguia Jesus envolto apenas num lençol e que fugiu nu
quando os guardas o tentaram agarrar (cf. Mc 14,51-52). Para alguns
comentadores do Evangelho segundo Marcos, o jovem em causa poderia ser o
próprio evangelista... Trata-se, no entanto, de uma simples conjectura.
É mais provável que o episódio tenha sido introduzido por Marcos para
representar plasticamente a atitude dos discípulos que, desiludidos e amedrontados
diante do falhanço do projecto em que acreditaram, largaram tudo quando viram o
seu líder ser preso e fugiram sem olhar para trás.
ACTUALIZAÇÃO
• Celebrar a paixão e a morte de Jesus é
abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil... Por amor,
Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades,
experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações,
experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão,
esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a
amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir connosco "até
ao fim dos tempos": esta é a mais espantosa história de amor que é
possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos
crentes.
• Contemplar a cruz onde se manifesta o
amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e
solidarizar-Se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem
violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de
direitos e de dignidade... Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que
gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas,
ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros
homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor... Viver deste
jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a
partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e
introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
• Um dos elementos mais destacados no
relato marciano da paixão é a forma como Jesus Se comporta ao longo de todo o
processo que conduz à sua morte... Ele nunca Se descontrola, nunca recua, nunca
resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de
cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o
sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco
que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe
impõem... A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma
missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma
disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma determinação
de Jesus em concretizar esses desafios no mundo?
• A "angústia" e o
"pavor" de Jesus diante da morte, o seu lamento pela solidão e pelo
abandono, tornam-n'O muito "humano", muito próximo das nossas
debilidades e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com
Ele, confiar n'Ele, segui-l'O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade
de Jesus mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um
caminho impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens
frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à
vida definitiva.
• A solidão de Jesus diante do
sofrimento e da morte anuncia já a solidão do discípulo que percorre o caminho
da cruz. Quando o discípulo procura cumprir o projecto de Deus, recusa os
valores do mundo, enfrenta as forças da opressão e da morte, recebe a
indiferença e o desprezo do mundo e tem de percorrer o seu caminho na mais
dramática solidão. O discípulo tem de saber, no entanto, que o caminho da cruz,
apesar de difícil, doloroso e solitário, não é um caminho de fracasso e de
morte, mas é um caminho de libertação e de vida plena.
• A figura do jovem que, no jardim das
Oliveiras, deixou o lençol que o cobria nas mãos dos soldados e fugiu pode ser
figura do discípulo que, amedrontado e desiludido, abandonou Jesus. Já alguma
vez virámos as costas a Jesus e ao seu projecto, seduzidos por outras
propostas? O que é que nos impede, por vezes, de nos mantermos fiéis ao
projecto de Jesus?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O
DOMINGO DE RAMOS
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Quantas vezes a multidão estava perto de Jesus! Para O escutar, para beneficiar
dos seus gestos, para cruzar o seu olhar, para aprender a rezar... A mesma
multidão estende os mantos ou os ramos à passagem de Jesus e grita:
"Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino que vem!
Hossana no mais alto dos céus!" Sabiam o que diziam, todos estes pobres
que esperavam o Messias? Estavam prontos a reconhecer ainda como Rei aquele que
teria como trono uma cruz e como coroa uma coroa de espinhos? O seu grito era
uma aclamação, alguns dias mais tarde o seu grito será uma condenação:
"Crucifica-O!" Chegou o tempo do silêncio que permite acolher o
mistério, o mistério do Amor.
3. À ECUTA DA PALAVRA.
O grito na cruz... A multidão é versátil. Basta um orientador hábil para
manipulá-la em qualquer sentido, o melhor e o pior. Houve o melhor, para Jesus,
aquando da sua entrada em Jerusalém. Houve o pior, quando a multidão gritou:
"Crucifica-O!" Pregado na cruz, Jesus gritará com uma voz forte:
"Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?" É o início de um salmo,
que termina com um cântico de esperança e de louvor. Então, diz-se, Jesus
crucificado rezou todo este salmo. O seu grito não foi um grito de desespero.
Foi o grito que os evangelistas retiveram e os assistentes (os Judeus, porque
os soldados romanos não conheciam os salmos) compreenderam que Jesus chamava o
profeta Elias em seu socorro. Eles não fizeram expressamente a ligação com o
salmo. Em Jesus, é o Filho eterno do Pai que se fez homem, "em tudo
semelhante aos seus irmãos, excepto o pecado". Ele veio habitar o todo do
humano. Era preciso que Jesus fosse até ao fim do caminho real dos homens: até
à morte física, mas primeiro até à noite interior, onde não existe mais nada.
Onde o silêncio de Deus parece ser a única resposta. Senão, os desesperos dos
homens teriam escapado à presença de Deus. Eis porque, hoje, eu posso ir até
Jesus com as minhas mais profundas obscuridades: Ele é capaz de vir com a sua
presença, para que seja a vida, e não a morte, a vencer definitivamente!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
Que esta semana seja "santa"... fixar alguns momentos precisos. É
prudente, na vida trepidante que levamos, reservar na nossa agenda alguns encontros
precisos que desejamos ter com o Senhor: em cada dia, viver com Ele um momento
de oração, de meditação, de adoração; fixar as celebrações nas quais poderemos
participar; prever a serviços a prestar, as visitas, etc. Que a semana seja
"santa" nos momentos quotidianos de encontro com Jesus Cristo!
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt
Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
ResponderExcluirObrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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