03º Domingo do Tempo Comum - Ano B
24 Janeiro 2021
Ano B
3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 3º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 3º Domingo do Tempo Comum
propõe-nos a continuação da reflexão iniciada no passado domingo. Recorda, uma
vez mais, que Deus ama cada homem e cada mulher e chama-o à vida plena e
verdadeira. A resposta do homem ao chamamento de Deus passa por um caminho de
conversão pessoal e de identificação com Jesus.
A primeira leitura diz-nos - através da história do envio do profeta Jonas a
pregar a conversão aos habitantes de Nínive - que Deus ama todos os homens e a
todos chama à salvação. A disponibilidade dos ninivitas em escutar os apelos de
Deus e em percorrer um caminho imediato de conversão constitui um modelo de
resposta adequada ao chamamento de Deus.
No Evangelho aparece o convite que Jesus faz a todos os homens para se tornarem
seus discípulos e para integrarem a sua comunidade. Marcos avisa, contudo, que
a entrada para a comunidade do Reino pressupõe um caminho de
"conversão" e de adesão a Jesus e ao Evangelho.
A segunda leitura convida o cristão a ter consciência de que "o tempo é
breve" - isto é, que as realidades e valores deste mundo são passageiros e
não devem ser absolutizados. Deus convida cada cristão, em marcha pela
história, a viver de olhos postos no mundo futuro - quer dizer, a dar
prioridade aos valores eternos, a converter-se aos valores do
"Reino".
LEITURA I - Jonas 3,1-5.10
Leitura da Profecia de Jonas
A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas
nos seguintes termos:
«Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive
e apregoa nela a mensagem que Eu te direi».
Jonas levantou-se e foi a Nínive,
conforme a palavra do Senhor.
Nínive era uma grande cidade aos olhos de Deus;
levava três dias a atravessar.
Jonas entrou na cidade, caminhou durante um dia
e começou a pregar nestes termos:
«Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída».
Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus,
proclamaram um jejum
e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno.
Quando Deus viu as suas obras
e como se convertiam do seu mau caminho,
desistiu do castigo com que os ameaçara
e não o executou.
AMBIENTE
O "Livro de Jonas" foi, muito
provavelmente, escrito na segunda metade do séc. V a.C. (talvez entre 440 e 410
a.C.).
É uma história bonita e edificante, mas não é real. Trata-se de um texto que
poderíamos classificar no género "ficção didáctica". Dito de outra
forma: o livro de Jonas não é uma colecção de oráculos proféticos proferidos
por um homem chamado Jonas, nem sequer um relato de carácter histórico; mas é
uma obra de ficção, escrita com a finalidade de ensinar e educar.
Estamos numa época em que a política de Esdras e Neemias favorecia o
nacionalismo, e o fechamento do Povo de Deus aos outros povos. Por um lado,
sublinhava-se o facto de Judá ser o Povo Eleito de Deus, o povo preferido de
Deus, um povo diferente de todos os outros; por outro, considerava-se que todos
os outros povos eram inimigos de Deus, odiados por Deus, que deviam ser
inapelavelmente condenados e destruídos por Deus.
Reagindo contra a ideologia dominante, o autor do "Livro de Jonas"
apresenta Jahwéh como um Deus universal, cuja bondade e misericórdia se
estendem a todos os povos, sem excepção. A escolha de Nínive como a cidade
destinatária da acção salvadora de Deus não é casual: Nínive, capital do
império assírio a partir de Senaquerib, tinha ficado na consciência dos
habitantes de Judá como símbolo do imperialismo e da mais cruel agressividade
contra o Povo de Deus (cf. Is 10,5-15; Sof 2,13-15).
É, precisamente, esta cidade que Jahwéh quer salvar. Por isso, chama Jonas e
convida-o a ir a Nínive pregar a conversão. No entanto Jonas, como os outros
seus contemporâneos, não está interessado em que Jahwéh perdoe aos opressores
do Povo de Deus e recusa-se a cumprir o mandato divino. Em lugar de se dirigir
para Nínive, no Oriente, toma o barco para Társis, no Ocidente. Na sequência de
uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe. Mais tarde, o
peixe vai depositá-lo em terra firme. Jonas é, de novo, chamado por Deus para a
missão em Nínive.
MENSAGEM
O nosso texto começa com Jonas a receber
o segundo mandato de Jahwéh para ir a Nínive. Jonas aceita, desta vez, a
missão, vai a Nínive e anuncia aos ninivitas a destruição da sua cidade. Contra
todas as expectativas, os ninivitas escutam-no, fazem penitência e manifestam a
sua vontade de conversão. Finalmente, Deus desiste do castigo.
A primeira lição da "parábola" é a da universalidade do amor de Deus.
Deus ama todos os homens, sem excepção, e sobre todos quer derramar a sua
bondade e a sua misericórdia. Mais: Deus ama mesmo os maus, os injustos e
opressores e até a esses oferece a possibilidade de salvação. Deus não ama o
pecado, mas ama os pecadores. Ele não quer a morte do pecador, mas que este se
converta e viva.
A segunda lição da nossa "parábola" brota da resposta dada pelos
ninivitas ao desafio de Deus. Ao descrever a forma imediata e radical como os
ninivitas "acreditaram em Deus" e se converteram "do seu mau
caminho" (ao contrário do que, tantas vezes, acontecia com o próprio Povo
de Deus), o autor sugere, com alguma ironia, que esses pagãos, considerados
como maus, prepotentes, injustos e opressores são capazes de estar mais atentos
aos desafios de Deus do que o próprio Povo eleito.
Desta forma, o autor desta história denuncia uma certa visão nacionalista,
particularista, exclusivista, xenófoba, que estava em moda na sua época entre os
seus contemporâneos. Desafia o seu Povo a aceitar que Jahwéh seja um Deus
misericordioso, que oferece o seu amor e a sua salvação a todos os homens, até
aos maus. Desafia, ainda, os habitantes de Judá a assumirem a mesma lógica de
Deus - lógica de bondade, de misericórdia, de perdão, de amor sem limites - e a
não verem nos outros homens inimigos que merecem ser destruídos, mas irmãos que
é preciso amar.
ACTUALIZAÇÃO
• A catequese apresentada pelo
"Livro de Jonas" convida-nos, antes de mais, a apreciar a profundidade
da misericórdia e da bondade de Deus. Deus ama todos os homens e mulheres, sem
excepção e de forma incondicional. Deus ama até os maus e os opressores. Esta
lógica exclui, naturalmente, a eliminação do pecador: Deus não quer a morte de
nenhum dos seus filhos; o que quer é que eles se convertam e percorram, com
Ele, o caminho que conduz à vida plena, à felicidade sem fim. É este Deus,
tornado frágil pelo amor, que somos chamados a descobrir, a aceitar e a amar.
• No entanto todos nós temos, por vezes,
alguma dificuldade em aceitar esta lógica de Deus. Em certas circunstâncias,
preferíamos um Deus mais duro e exigente, que se impusesse decisivamente aos
maus, que frustrasse os seus projectos de violência e de injustiça, que
castigasse aqueles que não cumprem as regras, que não desse hipóteses àqueles
que destroem o nosso bem-estar e a nossa segurança... A Palavra de Deus que
hoje nos é servida apresenta-nos um Deus de bondade e de misericórdia, que nos
convida a amar todos os irmãos, mesmo os maus. Deus deve converter-se à nossa
lógica, ou seremos nós que devemos converter-nos à lógica de Deus?
• A disponibilidade dos ninivitas para
escutar o chamamento de Deus e para percorrer o caminho da conversão constitui
um modelo de resposta adequada ao Deus que chama. É essa mesma prontidão de
resposta que Deus pede a cada homem ou a cada mulher.
• O nosso texto sugere também que
aqueles que consideramos "maus" estão, às vezes, mais disponíveis
para acolher os desafios de Deus e para escutar o seu chamamento, do que os
"bons". Os "bons" estão, tantas vezes, aferrados aos seus
esquemas de vida, aos seus preconceitos, às suas certezas, que não escutam as
propostas de Deus... Para Deus, o que é decisivo não é o passado de cada homem
ou mulher, mas a capacidade de cada um em deixar-se interpelar e questionar por
ele.
• Há também neste texto uma severa
denúncia do racismo, da exclusão, da marginalização, da xenofobia. A Palavra de
Deus alerta-nos para a necessidade de ver em cada homem que caminha ao nosso
lado um irmão, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua
cultura, ou até da sua bondade ou maldade. Como vemos e como acolhemos os
nossos irmãos imigrantes que a vida trouxe até nós e que colaboram connosco na
construção do mundo: como inimigos, culpados por todos os males do universo, ou
como irmãos por quem somos responsáveis e que Deus nos convida a acolher e a
amar?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 24 (25)
Refrão: Ensinai-me, Senhor, os vossos
caminhos.
Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me as vossas veredas.
Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
porque Vós sois Deus, meu Salvador.
Lembrai-Vos, Senhor, das vossas
misericórdias
e das vossas graças, que são eternas.
Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
por causa da vossa bondade, Senhor.
O Senhor é bom e recto,
ensina o caminho aos pecadores.
Orienta os humildes na justiça
e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.
LEITURA II - 1 Coríntios 7, 29-31
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo
São Paulo aos Coríntios
O que tenho a dizer-vos, irmãos,
é que o tempo é breve.
Doravante,
os que têm esposas procedam como se as não tivessem;
os que choram, como se não chorassem;
os que andam alegres, como se não andassem;
os que compram, como se não possuíssem;
os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem.
De facto, o cenário deste mundo é passageiro.
AMBIENTE
As duas Cartas aos Coríntios - e
particularmente a primeira - reflectem a realidade de uma comunidade jovem,
viva e entusiasta, mas com os seus problemas e dificuldades próprios... As suas
luzes e sombras resultam, em parte, de ser uma comunidade que provém do mundo
grego - isto é, de um mundo animado e estruturado por dinamismos muito
próprios, com uma grande vitalidade, mas ao mesmo tempo com valores e dinâmicas
que tornam difícil a transplantação dos valores evangélicos para um mundo
animado por princípios muito diferentes daqueles que estão na origem da
mensagem cristã. Na comunidade cristã de Corinto, vemos as dificuldades da fé
cristã em se inserir num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um
conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem
evangélica.
Um dos sectores onde se nota particularmente o choque entre a fé cristã e a
cultura helénica é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura
coríntia balouçava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como
era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e
onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo
absoluto pela sexualidade (típico de certas tendências filosóficas
influenciadas pela filosofia platónica, que consideravam a matéria um mal e que
faziam do não casar um ideal absoluto).
O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes
exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do
valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1 Cor 7).
Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a
seguir - o do matrimónio ou o do celibato. Paulo responde à questão no capítulo
7 da Primeira Carta aos Coríntios (de onde é retirado o texto da nossa segunda
leitura). Paulo considera que não tem, a este propósito, "nenhum preceito
do Senhor"; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com
o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve "romper
o vínculo" (1 Cor 7,25-28).
MENSAGEM
Na perspectiva de Paulo, os cristãos não
devem esquecer que "o tempo é breve", quando tiverem que fazer as
suas opções - nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o
casamento ou o celibato. Em concreto, o que é que isto significa?
O cristão vive mergulhado nas realidades terrenas, mas não vive para elas. Ele
sabe que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem, em
nenhum caso, ser absolutizadas. Para o cristão, o que é fundamental e deve ser
posto em primeiro lugar, são as realidades eternas... E o cristão, embora
estimando e amando as realidades deste mundo, pode renunciar a elas em vista de
um bem maior. O mais importante, para um cristão, deve ser sempre o amor a
Cristo e a adesão ao Reino. Tudo o resto (mesmo que seja muito importante) deve
subjugar-se a isto.
Na sua catequese aos coríntios, o apóstolo aplica estes princípios à questão do
casamento/celibato. Para ele, o casamento é uma realidade importante (ele
considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus - cf. 1 Cor
7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efémera, que não deve, por
isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má
ou um caminho a evitar; mas é evidente, nas suas palavras, uma certa
predilecção pelo celibato... Na sua perspectiva, o celibato leva vantagem
enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de
ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz
a Deus e aos irmãos (cf. 1 Cor 7,32-38).
Na verdade, as palavras de Paulo fazem sentido em todos os tempos e lugares;
mas elas tornam-se mais lógicas se tivermos em conta o ambiente escatológico
que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira
Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava
iminente; era preciso, portanto, relativizar as realidades transitórias e
efémeras, entre as quais se contava o casamento.
ACTUALIZAÇÃO
• A todo o instante somos colocados
diante de realidades diversas e contrastantes e temos de fazer as nossas
escolhas. A mentalidade dominante, a moda, o politicamente correcto, os nossos
preconceitos e interesses egoístas interferem frequentemente com as nossas
opções e impõem-nos valores que nem sempre são geradores de liberdade, de paz,
de vida verdadeira. Mais grave, ainda: muitas vezes, endeusamos determinados
valores efémeros e passageiros, que nos fazem perder de vista os valores
autênticos, verdadeiros, definitivos. O nosso texto sugere um princípio a ter
em conta, a propósito desta questão: os valores deste mundo, por mais
importantes e interessantes que sejam, não devem ser absolutizados. Não se
trata de desprezar as coisas boas que o mundo coloca à nossa disposição; mas trata-se
de não colocar nelas, de forma incondicional, a nossa esperança, a nossa
segurança, o objectivo da nossa vida.
• Na verdade, o cristão deve viver com a
consciência de que "o tempo é breve". Ele sabe que a sua vida não
encontra sentido pleno e absoluto nesta terra e que a sua passagem por este
mundo é uma peregrinação ao encontro dessa vida verdadeira e definitiva que só
se encontra na comunhão plena com Deus. Para chegar a atingir esse objectivo
último, o cristão deve converter-se a Cristo e segui-l'O no caminho do amor, da
entrega, do serviço aos irmãos. Tudo aquilo que deixa um espaço maior para essa
adesão a Cristo e ao seu caminho, deve ser valorizado e potenciado. É aí que
deve ser colocada a nossa aposta.
ALELUIA - Mc 1,15
Aleluia. Aleluia.
Está próximo o reino de Deus;
arrependei-vos e acreditai no Evangelho.
EVANGELHO - Mc 1,14-20
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
Depois de João ter sido preso,
Jesus partiu para a Galileia
e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo:
«Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
Caminhando junto ao mar da Galileia,
viu Simão e seu irmão André,
que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores.
Disse-lhes Jesus:
«Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens».
Eles deixaram logo as redes e seguiram-n'O.
Um pouco mais adiante,
viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no barco a consertar as redes;
e chamou-os.
Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados
e seguiram Jesus.
AMBIENTE
A primeira parte do Evangelho segundo
Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objectivo fundamental levar à descoberta de
Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que
é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a
acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a
fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de
descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc 8,29-30,
com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é,
evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter
acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): "Tu és o Messias".
O texto que nos é hoje proposto aparece, exactamente, no princípio desta
caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Neste
texto, Marcos apresenta aos seus leitores os primeiros passos da acção do
Messias libertador.
O lugar geográfico em que o texto nos situa é a Galileia - uma região em
permanente contacto com os pagãos e, por isso, considerada pelas autoridades
religiosas de Jerusalém uma terra de onde "não podia vir nada de
bom". Terra insignificante e sem especial relevo na história religiosa do
Povo de Deus, a "Galileia dos gentios" parecia condenada a continuar
uma região esquecida, marginalizada, por onde nunca passariam os caminhos de
Deus e a proposta libertadora do Messias.
MENSAGEM
O nosso texto divide-se em duas partes.
Na primeira, Marcos apresenta uma espécie de resumo da pregação inicial de
Jesus (cf. Mc 1,14-15); na segunda, o nosso evangelista apresenta os primeiros
passos da comunidade dos discípulos - a comunidade do Reino (cf. Mc 1,16-20).
No breve resumo da pregação inicial de Jesus, Marcos coloca na boca de Jesus as
seguintes palavras: "cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho" (Mc 1, 15).
Na expressão "cumpriu-se o tempo", a palavra grega utilizada por
Marcos e que traduzimos por "tempo" ("kairós") refere-se a
um tempo bem distinto do tempo material ("chronos"), que é o tempo
medido pelos relógios. Poderia traduzir-se como "de acordo com o projecto
de salvação que Deus tem para o mundo, chegou a altura determinada por Deus para
o cumprimento das suas promessas".
Que "tempo" é esse que "se aproximou" dos homens e que está
para começar? É o "tempo" do "Reino de Deus". A expressão -
tão frequente no Evangelho segundo Marcos - leva-nos a um dos grandes sonhos do
Povo de Deus...
A catequese de Israel (como aliás acontecia com a reflexão teológica de outros
povos do Crescente Fértil) referia-se, com frequência, a Jahwéh como a um rei
que, sentado no seu trono, governa o seu Povo. Mesmo quando Israel passou a ter
reis terrenos, esses eram considerados apenas como homens escolhidos e ungidos
por Jahwéh para governar o Povo, em lugar do verdadeiro rei que era Deus. O
exemplo mais típico de um rei/servo de Jahwéh, que governa Israel em nome de
Jahwéh, submetendo-se em tudo à vontade de Deus, foi David. A saudade deste rei
ideal e do tempo ideal de paz e de felicidade em que Jahwéh reinava (através de
David) sobre o seu povo, vai marcar toda a história futura de Israel. Nas
épocas de crise e de frustração nacional, quando reis medíocres conduziam a
nação por caminhos de morte e de desgraça, o Povo sonhava com o regresso aos
tempos gloriosos de David. Os profetas, por sua vez, vão alimentar a esperança
do Povo anunciando a chegada de um tempo, no futuro, em que Jahwéh vai voltar a
reinar sobre Israel e vai restabelecer a situação ideal da época de David. Essa
missão, na perspectiva profética, será confiada a um "ungido" que
Deus vai enviar ao seu Povo. Esse "ungido" (em hebraico
"messias", em grego "cristo") estabelecerá, então, um tempo
de paz, de justiça, de abundância, de felicidade sem fim - isto é, o tempo do
"reinado de Deus".
O "Reino de Deus" é, portanto, uma noção que resume a esperança de
Israel num mundo novo, de paz e de abundância, preparado por Deus para o seu
Povo. Esta esperança está bem viva no coração de Israel na época em que Jesus
aparece a dizer: "o tempo completou-se e o Reino de Deus
aproximou-se". Certas afirmações de Jesus, transmitidas pelos Evangelhos
sinópticos, mostram que Ele tinha consciência de estar pessoalmente ligado ao
Reino e de que a chegada do Reino dependia da sua acção.
Jesus começa, precisamente, a construção desse "Reino" pedindo aos
seus conterrâneos a conversão ("metanoia") e o acolhimento da Boa
Nova ("evangelho").
"Converter-se" significa transformar a mentalidade e os
comportamentos, assumir uma nova atitude de base, reformular os valores que
orientam a própria vida. É reequacionar a vida, de modo a que Deus passe a
estar no centro da existência do homem e ocupe sempre o primeiro lugar. Na
perspectiva de Jesus, não é possível que esse mundo novo de amor e de paz se
torne uma realidade, sem que o homem renuncie ao egoísmo, ao orgulho, à
auto-suficiência e passe a escutar de novo Deus e as suas propostas.
"Acreditar" não é apenas aceitar um conjunto de verdades
intelectuais; mas é, sobretudo, aderir à pessoa de Jesus, escutar a sua
proposta, acolhê-la no coração, fazer dela o guia da própria vida.
"Acreditar" é escutar essa "Boa Notícia" de salvação e de
libertação ("evangelho") que Jesus propõe e fazer dela o centro à
volta do qual se constrói toda a existência.
"Conversão" e "adesão ao projecto de Jesus" são duas faces
de uma mesma moeda: a construção de um homem novo, com uma nova mentalidade,
com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Vai ser isso que
Jesus vai propor em cada palavra que pronuncia: que nasça um homem novo, capaz
de amar o próximo (Mt 22,39), mesmo aquele que é adversário ou inimigo (Lc
10,29-37); que nasça um homem novo, que não vive para o egoísmo, para a
riqueza, para os bens materiais, mas sim para a partilha (Mc 6,32-44); que
nasça um homem novo, que não viva para ter poder e dominar, mas sim para o
serviço e para a entrega da vida (Mc 9,35). Então, sim, teremos um mundo novo -
o "Reino de Deus".
Depois de dizer qual a proposta inicial de Jesus, Marcos apresenta-nos os
primeiros discípulos. Pedro e André, Tiago e João são - na versão de Marcos -
os primeiros a responder positivamente ao desafio do Reino, apresentado por
Jesus. Isso significa que eles estão dispostos a "converter-se" (isto
é, a mudar os seus esquemas de vida, de forma a que Deus passe a estar sempre
em primeiro lugar) e a "acreditar na Boa Nova" (isto é, a aderir a
Jesus, a escutar a sua proposta de libertação, a acolhê-la no coração e a
transformá-la em vida).
A apresentação feita por Marcos do chamamento dos primeiros discípulos não
parece ser uma descrição fotográfica de acontecimentos concretos, mas antes a
definição de um modelo de toda a vocação cristã. Nesta catequese sobre a
vocação, Marcos sugere que:
1º O chamamento a entrar na comunidade do Reino é sempre uma iniciativa de
Jesus dirigida a homens concretos, "normais" (com um nome, com uma
história de vida, com uma profissão, possivelmente com uma família).
2º Esse chamamento é sempre categórico, exigente e radical (Jesus não
"prepara" previamente esse chamamento, não explica nada, não dá
garantias nenhumas e nem sequer se volta para ver se os chamados responderam ou
não ao seu desafio).
3º Esse chamamento não é para frequentar as aulas de um mestre qualquer, a fim
de aprender e depois repetir uma doutrina qualquer; mas é um chamamento para
aderir à pessoa de Jesus, para fazer com Ele uma experiência de vida, para
aprender com Ele a ser uma pessoa nova que vive no amor a Deus e aos irmãos.
4º Esse chamamento exige uma resposta imediata, total e incondicional, que deve
levar a subalternizar tudo o resto para seguir Jesus e para integrar a
comunidade do Reino (Pedro, André, Tiago e João não exigem garantias, não pedem
tempo para pensar, para medir os prós e os contras, para pôr em ordem os
negócios, para se despedir do pai ou dos amigos, mas limitam-se a "deixar
tudo" e a seguir Jesus).
O Evangelho deste domingo apresenta, portanto, o convite que Jesus faz a todos
os homens no sentido de integrarem a comunidade do Reino; e apresenta também um
modelo para a forma como os chamados devem escutar e acolher esse chamamento.
ACTUALIZAÇÃO
• Quando contemplamos a realidade que
nos rodeia, notamos a existência de sombras que desfeiam o mundo e criam,
tantas vezes, angústia, desilusão, desespero e sofrimento na vida dos homens.
Esse quadro não é, no entanto, uma realidade irremediável a que estamos para
sempre condenados. Nos projectos de Deus, está um mundo diferente - um mundo de
harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A esse mundo novo,
Jesus chamava o "Reino de Deus". É esse projecto que Jesus nos
apresenta e ao qual nos convida a aderir. Somos chamados a construir, com
Jesus, um mundo onde Deus esteja presente e que se edifique de acordo com os
projectos e os critérios de Deus. Estamos disponíveis para entrar nessa
aventura?
• Para que o "Reino de Deus"
se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na perspectiva de Jesus, o
"Reino de Deus" exige, antes de mais, a "conversão". Temos
de modificar a nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a
nossa forma de encarar Deus, o mundo e os outros para que se torne possível o
nascimento de uma realidade diferente. Temos de alterar as nossas atitudes de
egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de comodismo e de voltar a escutar
Deus e as suas propostas, para que aconteça, na nossa vida e à nossa volta, uma
transformação radical - uma transformação no sentido do amor, da justiça e da
paz. O que é que temos de "converter" - quer em termos pessoais, quer
em termos institucionais - para que se manifeste, realmente, esse Reino de Deus
tão esperado?
• De acordo com a Palavra de Deus que
nos é proposta, o "Reino de Deus" exige também o
"acreditar" no Evangelho. "Acreditar" não é, na linguagem
neo-testamentária, a aceitação de certas afirmações teóricas ou a concordância
com um conjunto de definições a propósito de Deus, de Jesus ou da Igreja; mas
é, sobretudo, uma adesão total à pessoa de Jesus e ao seu projecto de vida. Com
a sua pessoa, com as suas palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs
aos homens - a todos os homens - uma vida de amor total, de doação
incondicional, de serviço simples e humilde, de perdão sem limites. O
"discípulo" é alguém que está disposto a escutar o chamamento de
Jesus, a acolher esse chamamento no coração e a seguir Jesus no caminho do amor
e do dom da vida. Estou disposto acolher o chamamento de Jesus e a percorrer o
caminho do "discípulo"?
• O chamamento a integrar a comunidade
do "Reino" não é algo reservado a um grupo especial de pessoas, com
uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada
homem e a cada mulher, sem excepção. Todos os baptizados são chamados a ser
discípulos de Jesus, a "converter-se", a "acreditar no Evangelho",
a seguir Jesus nesse caminho de amor e de dom da vida. Esse chamamento é
radical e incondicional: exige que o "Reino" se torne o valor
fundamental, a prioridade, o principal objectivo do discípulo.
• O "Reino" é uma realidade
que Jesus começou e que já está decisivamente implantada na nossa história. Não
tem fronteiras materiais e definidas; mas está a acontecer e a concretizar-se
através dos gestos de bondade, de serviço, de doação, de amor gratuito que
acontecem à nossa volta (muitas vezes, até fora das fronteiras institucionais
da "Igreja") e que são um sinal visível do amor de Deus nas nossas
vidas. Não é uma realidade que construímos de uma vez, mas é uma realidade
sempre em construção, sempre a fazer-se, até à sua realização final, no fim dos
tempos, quando o egoísmo e o pecado desaparecerem para sempre. Em cada dia que
passa, temos de renovar o compromisso com o "Reino" e empenharmo-nos
na sua edificação.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PALAVRA DE VIDA.
Troca de olhares... Diz-se muita coisas nestes olhares trocados! João Baptista
põe o seu olhar em Jesus e diz quem Ele é. Jesus olha André e o seu
companheiro, interroga-os e convida-os a vir e a ver. Estes vêem onde Ele mora
e ficam com Ele. André leva o seu irmão a Jesus que põe nele o seu olhar e
dá-lhe um novo nome, o que é todo um programa. Olhares que interrogam, olhares
que nomeiam, olhares que convidam, olhares que dizem a amizade. Se Jesus olha
os homens, é porque Deus os olha. Deixemo-nos olhar por Deus e aceitemos
olhá-l'O, olhando o seu Filho Jesus. Então pode-se estabelecer a relação.
3. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Sublinhar a unidade das três leituras. Em cada domingo são propostos três
textos diferentes, em que o primeiro e o Evangelho têm uma ligação particular.
É, pois, útil sublinhar este aspecto, para que esta sucessão de leituras
encontre, aos olhos dos fiéis, uma certa unidade. Na meditação da Palavra de
Deus de hoje (não necessariamente na celebração da Eucaristia)m pode-se ler a
primeira leitura, o salmo responsorial e o Evangelho, deixando a segunda
leitura para mais tarde.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
Voltarmo-nos para Cristo... Em comunidade, é bom ouvir o apelo à conversão: as
nossas maneiras de viver e de trabalhar devem também, sem cessar, ser regeneradas
para melhor corresponder àquilo que Cristo espera de nós. É preciso que,
juntos, nos viremos para Ele. E o Evangelho deste domingo é a ocasião para um
tempo de discernimento que muito raramente fazemos.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt
Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
ResponderExcluirComentário denso, muito esclarecedor, mas eu leio por inteiro
ResponderExcluirObrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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