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Janeiro 2020
Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Sábado
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 9, 1-4.17-19;10, 1a
Havia um homem da tribo de Benjamim chamado
Quis, filho de Abiel, filho de Seror, filho de Becorat, filho de Afia, filho de
um benjaminita, que era um guerreiro forte e valente. 2Tinha um filho chamado Saul,
mancebo de bela presença. Não havia em Israel outro mais belo do que ele;
sobressaía entre todos dos ombros para cima. 3Tendo-se perdido as jumentas de
Quis, pai de Saul, disse ele ao filho: «Toma um criado contigo e vai procurar
as jumentas.» 4Atravessaram a montanha de Efraim e entraram na terra de Salisa,
sem nada encontrar; percorreram a terra de Chaalim, mas em vão; na terra de
Benjamim, tão-pouco as encontraram. 17Quando Samuel viu Saul, o Senhor
disse-lhe: «Este é o homem de quem te falei. Ele reinará sobre o meu povo.»
18Saul aproximou-se de Samuel à porta da cidade e disse-lhe: «Rogo-te que me
informes onde está a casa do vidente.» 19Respondeu Samuel: «Sou eu mesmo o
vidente; sobe na minha frente ao lugar alto, porque hoje comerás comigo, e amanhã
te deixarei partir, depois de responder às tuas preocupações. 1Samuel tomou
então um frasco de óleo, derramou-o sobre a cabeça de Saul e beijou-o, dizendo:
«O Senhor ungiu-te príncipe sobre a sua herança».
A unção de Saúl por Samuel é o centro do texto
um tanto novelesco e folclórico que acabámos de escutar. Com a unção de Saúl,
começa a histórica da monarquia em Israel, apesar de ele ter ainda muito de
juiz. A monarquia em sentido pleno começará com David. Em perspectiva
teológica, merecem realce dois aspectos: o rito da unção e a intervenção de
Samuel como ministro da mesma. A unção é um rito religioso pelo qual o ungido
passava a ser uma pessoa consagrada e participava, de algum modo, na santidade
de Deus. Santificado pela unção e adoptado como filho por Deus, o rei podia
exercer funções sagradas. Será David a erguer o primeiro altar a Javé, em
Jerusalém (2 Sam 24, 25) e a manifestar o desejo de erguer um templo (2 Sam 7,
2-3), mas será Salomão a construí-lo e a presidir à liturgia da dedicação (1 Re
5-8). Jereboão funda os santuários de Betel e de Dan, e recruta sacerdotes que
os sirvam, ordenando o calendário dos mesmos (1 Re 12, 26-33). Todavia, não se
pode certamente dizer que o rei seja sacerdote em sentido estrito. As funções
enumeradas são mais as de um chefe de um estado teocrático. Mas convém
assinalar que o rei é um «ungido» e «messias», um «salvador», notas que hão-de
caracterizar um futuro rei ideal que se começa a esperar. O episódio da unção
de Saúl também revela o modo de agir de Deus: a vida de Saúl mostra o amor
gratuito com que Deus escolhe aqueles que hão-de servir o seu povo. Saúl
personaliza uma realeza que o povo não estava preparado a receber, apesar de a
ter reclamado. Quer mesmo voltar atrás. Mas Deus quer levar por diante o seu projecto.
Pedimos a Deus que actue. Mas quando essa actuação mexe connosco, nos exige
submissão e obediência, tentamos resistir. Mas é a sua vontade que tem de
prevalecer.
Evangelho: Mc 2, 13-17
Naquele tempo, 13Jesus saiu de novo para a
beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os. 14Ao passar,
viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe:
«Segue-me.» E, levantando-se, ele seguiu Jesus. 15Depois, quando se encontrava
à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se
puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o
seguiam. 16Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com
pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: «Porque é que Ele
come com cobradores de impostos e pecadores?» 17Jesus ouviu isto e respondeu:
«Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não
vim chamar os justos, mas os pecadores.»
A atenção que Jesus dispensa à «gente» (´am
há-rets, em hebraico), isto é, aqueles que não observavam a Lei segundo a
interpretação rigorista, chocava os mestres de Israel. Estes chamavam
«pecadores» a essa «gente» não só devido a eventuais culpas morais, mas também
pelo facto de não observarem rigorosamente a Lei e os costumes dos fariseus.
Nesse sentido, também Jesus era um «pecador»: não obrigava os discípulos aos
rituais de purificação antes das refeições (7, 1-5) e recusava a casuística
farisaica sobre o sábado (2, 23-28). Mateus é considerado pecador porque se
contamina no contacto com os pagãos. A resposta de Jesus aos doutores da Lei
não é uma justificação dos pecadores, mas a verificação dessa realidade. Os
cobradores de impostos, conhecidos como pecadores, não pretendiam ocultar os
seus defeitos e passar por justos. Pelo contrário, os «doutores da Lei», sendo
também eles pecadores, pretendiam passar por justos, e julgavam não precisar do
perdão de Deus. Mateus é chamado ao discipulado no momento em que exercia a sua
profissão «mundana». Para os fariseus, havia profissões incompatíveis com a
verdadeira religião. Para Jesus, não há profissão que exclua do discipulado
cristão. O único impedimento ao seguimento de Cristo é considerar-se «justo» e
«são»: «Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores» (v. 17).
Meditatio
Saúl foi o primeiro «ungido» como príncipe de
Israel, o Povo de Deus. A palavra «ungido» (unctus, em latim), traduz a o termo
grego «Kristos» e o termo hebraico «mashiá», que em português deram os termos
«cristão» e «Messias». Depois de Saúl, David será ungido rei. Esta unção
significava uma transformação do homem eleito por Deus que, todavia, conservava
todos os seus limites e misérias humanas, e não podia comunicar a ninguém a sua
consagração. Só Jesus, o verdadeiro «ungido do Senhor», poderá comunicar a sua
unção, a dignidade real, que torna o homem capaz de dominar o mundo segundo a
vontade de Deus, para tudo Lhe seja finalmente submetido. O episódio de Saúl
também nos manifesta a eficácia e a misericórdia do agir de Deus. O projecto
gratuito de Deus prece as iniciativas de Saúl. A acção divina realiza-se em
situações normais, quase banais. Saúl não recebe um cargo honorífico, mas a
habilitação para um serviço. E tudo acontece com naturalidade, sem dar nas
vistas. A eficácia da palavra de Deus nada tem a ver com o barulho do mundo. O
chamamento de Mateus também acontece num contexto de naturalidade. Enquanto os
fariseus fogem do contacto com aqueles que consideram pecadores, Jesus, como é
seu hábito, vai ao encontro deles e convida mesmo Levi a entrar no grupo dos
discípulos e a levar vida comum com Ele: «Segue-me» (v. 14). Nós também somos
tentados a afastar-nos dos pecadores, pelo menos considerando-nos fora desse
grupo. Os outros são pecadores; nós não. E esquecemos S. Paulo que nos diz que fomos
justificados, mas não pelos nossos méritos (cf. Rm 3, 24). Somos pecadores
justificados gratuitamente, somos pecadores perdoados. Tudo isto nos deve
encher de compaixão, de misericórdia, de gratidão e do desejo de acolher a
todos. Estas são virtudes do Coração de Jesus, que devemos cultivar, se
quisermos ajudar os outros a aproximarem-se d´Ele, a serem melhores.
Oratio
Senhor, ensina-me a procurar-te e a
encontrar-te, não só onde estás, mas também onde eu estou. Ensina-me a
seguir-te, não a partir deste ou daquele lugar ideal, mas do sítio onde me
encontro. Ensina-me a reconhecer os teus passos na minha breve história, e na
longa história do mundo e da Igreja. Ensina-me a encontrar-te na alegria e na
dor, na esperança e no desespero. Dá-me um coração puro para Te ver. Acende em
mim o desejo ardente de Te encontrar e de Te seguir pelo caminho do Evangelho,
o único que leva à vida em abundância. Dá-me um coração compassivo,
misericordioso, grato e desejoso de acolher a todos, para todos conduzir ao teu
Coração. Amen.
Contemplatio
Depois da Ascensão, S. Mateus foi o primeiro
dos discípulos do Salvador que escreveu os discursos e a vida do bom Mestre.
Deu ao seu livro o belo nome de Evangelho, isto é, boa nova; era, de facto, uma
feliz notícia para todos os homens o anúncio da sua libertação da escravatura
do demónio e da sua reconciliação com Deus pelos méritos do seu Filho,
incarnado no seio de uma virgem, e imolado sobre a cruz. O símbolo do Evangelho
de S. Mateus é um homem, porque ele começa pela geração divina do Verbo. S.
Mateus, como S. Lucas, estende-se sobre os amáveis mistérios da infância de
Nosso Senhor, deve tê-los aprendido da santa Virgem. Narra a adoração dos
magos, a fuga para o Egipto, o massacre dos inocentes, o regresso do Egipto
para Nazaré. Dá-nos bastante extensamente o sermão sobre a montanha e as
parábolas de Nosso Senhor, o seu Evangelho é verdadeiramente o da doutrina de
Nosso Senhor. É ele quem nos revela a característica do Coração de Jesus na sua
vida privada e pública. Reteve e repetiu estas belas palavras de Jesus:
«Aprendei de mim que sou doce e humilde de Coração». S. Mateus é a testemunha
destas belas virtudes do Coração de Jesus, imitou-as. Imitemo-las depois dele
(Leão Dehon, OSP 4, p. 275s).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17).
| Fernando Fonseca, scj |
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