02- DOMINGO - Evangelho - Jo 6,24-35
O texto de hoje inicia-se com a observação de
Jesus de que muitos o procuravam, não para assumir o seu projeto de vida, nem
para segui-lo na doação até a morte, mas simplesmente por causa dos seus
milagres, ou sinais, como são chamados no Quarto Evangelho. Uma observação que
pode valer para muitas expressões religiosas hoje, em todas as Igrejas cristãs,
onde a busca do milagroso e da prosperidade individual tomam o lugar do
seguimento diário de Jesus na construção de um mundo onde todos “têm a vida e a
vida plenamente” (Jo 11,10), conforme a vontade do próprio Jesus.
Diante desse deslocamento de interesse das multidões, Jesus as
adverte que devem trabalhar pelo alimento que não se estraga (v.27). À primeira
vista, pode parecer que esse versículo dê corda para uma leitura alienante,
espiritualizante, que apresente o seguimento de Jesus como algo somente no
nível dito espiritual, sem conseqüências maiores para a sociedade e o mundo
atual. Ledo engano! Longe de Jesus pregar uma mensagem que tivesse como resultado
o abandono dos pobres e marginalizados, em um mundo cada vez mais desumano e
excludente. O que Ele contesta é uma vida que põe a acumulação de bens como sua
meta. De novo, uma advertência mais do que atual para os nossos dias, onde a
pós-modernidade apresenta o consumismo de bens, e a acumulação deles como
garantia de felicidade, e onde se cria uma sociedade excludente, onde não há
lugar para quem não pode produzir nem consumir. Jesus quer que haja equilíbrio
nas nossas vidas – que os meios materiais sejam usados para que haja uma
sociedade de vida digna para todos e não para a acumulação de poucos. Assim
contestaria tantas igrejas hoje que pregam a “teologia de retribuição e
prosperidade individual”, traços da qual não faltam em alguns grupos dentro da Igreja
Católica. Fato é que a busca desenfreada de bens coloca o bem-estar material
como centro e finalidade de vida – uma verdadeira idolatria. Isso já foi
compreendido mais de duzentos anos antes de Jesus pelo sábio autor de
Eclesiastes que escreveu: “Quem gosta de dinheiro nunca se sacia de dinheiro.
Quem é apegado às riquezas, nunca se farta com a renda. Isso também é fugaz!”
(Ecl 5,9).
É preciso buscar em primeiro lugar o Pão descido do Céu, ou seja, o
próprio Jesus. Procurar Jesus implica uma opção pela sua pessoa, mensagem e
prática. Não é possível ter uma relação verdadeira com Jesus como pessoa, sem
assumir a sua prática, atualizada para as condições de hoje. Num âmbito
religioso onde muitas vezes se prega um Jesus que deixa passar tudo, leve,
alienado e alienante, que não incomoda, este texto nos leva de volta ao Jesus
real, que incomodava tanto que no fim desse capítulo é abandonado pelas
multidões e finalmente liquidado por um conluio dos poderes políticos,
religiosos, econômicos e judiciais. Longe do Jesus “analgésico” tão em voga
hoje.
João nos assegura que quem vai a Jesus como discípulo “nunca mais
terá fome, nunca mais terá sede”. Pois o seguimento de Jesus, apesar de não ser
fácil, é capaz de saciar os desejos mais íntimos da pessoa humana, o que a
simples posse de bens materiais não é capaz.
Nós vivemos num mundo onde nunca houve tanta riqueza, nem tanta
pobreza; tanta acumulação e tanta exclusão. Com honestidade, podemos dizer que
este modelo globalizado, neoliberal e pós-moderno têm melhorado a qualidade de
vida da maioria? Com certeza não. O texto de hoje nos desafia para que
re-examinemos a fé que nós temos, a realidade do nosso seguimento de Jesus, as
nossas motivações, metas e objetivos de vida. Convida-nos para que coloquemos
no centro de nossa existência o projeto de Deus, encarnado em Jesus e
continuado nos seus seguidores, de nos alimentarmos com o Pão da Palavra e da
Eucaristia, para que tenhamos vontade e força para criarmos o mundo de vida,
onde “todos têm a vida e a vida plenamente”!
Pai, dá-me sensibilidade para perceber que a presença de Jesus, na
nossa história, é a grande obra que realizaste: dar-nos a vida eterna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário