10 de janeiro
Lc 4,14-22ª
Hoje se cumpriu esta passagem da
Escritura.
Este Evangelho narra o começo da vida
pública de Jesus. Nele Jesus apresenta o seu programa. Em poucas palavras, ele
resume toda a sua missão, citando Is 61,1-3.
O amor de Deus é uma sinfonia em dois
movimentos que se completam e interferem mutuamente. Em primeiro lugar, o amor
é um movimento vertical, ascendente e descendente. Jesus se referiu a esse
movimento quando disse que veio “anunciar a Boa Nova aos pobres... e proclamar
o ano da graça do Senhor”.
O movimento horizontal da sinfonia é
o relacionamento entre nós, que concretiza e realiza o vertical: “O Senhor
enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da
vista, para libertar os oprimidos...” Jesus privilegia os excluídos pela
sociedade: pobres, cativos, cegos e oprimidos, porque eram os mais desprezados
pela sociedade do seu tempo.
Uma religião que quisesse chegar a
Deus, sem passar pela dedicação ao próximo, seria uma ilusão, uma alienação
espiritual, uma enganação. “Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu
irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a
Deus, a quem não vê. Este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus,
ame também seu irmão” (1Jo 4,20-21).
Os primeiros cristãos procuraram por
em prática esse programa integralmente. Foi isso que custou a morte para muitos
deles, assim como para Jesus. Apesar disso, a Igreja não desiste de colocar em
prática esse programa,tanto no esforço de aproximar as pessoas de Deus, como de
levá-las ao amor mútuo. No Batismo, nós assumimos esse programa como nosso.
Está aí o grande desafio para nós, a fim de que aconteça no mundo o Natal e a
Epifania.
No programa, Jesus mistura o vertical
e o horizontal, a dedicação ao corpo e a dedicação à alma. Ele não as separa,
pois o próprio Criador não separou, criando-nos corpo e alma misturados. Quem
ama verdadeiramente a Deus, ama também o seu próximo, privilegiando os
excluídos. E esse amor inclui também a proteção à natureza, evidentemente.
Neste Evangelho, Jesus fala que veio
proclamar o “ano da graça do Senhor”. Essa expressão é sinônima de “ano
sabático”. O Povo de Deus do Antigo Testamento celebrava, a cada sete anos, o
ano sabático, que não era nada mais que o descanso semanal do sábado ampliado
para um ano todo. “Durante seis anos semearás a terra e recolherás os seus
frutos. No sétimo ano, porém, deixarás de cultivar a terra, para que se
alimentem os pobres, e os animais selvagens comam o resto” (Ex 23,10-11).
O “ano da graça do Senhor”, lá no
profeta Isaías (Is 61,1-2), está expresso como “ano do agrado do Senhor”.
Portanto, é viver bem com Deus, obedecendo os seus mandamentos e fazendo a sua
vontade. O livro do Deuteronômio determina que no ano sabático todas as terras
deviam voltar às tribos originais, conforme foi dividido quando o povo chegou à
Terra Santa. Também as dividas deviam ser perdoadas e os escravos recebiam
liberdade.
Quando Jesus falou que veio proclamar
o ano da graça do Senhor, ele quis dizer que, de agora para frente, todos os
anos são sabáticos. O ano da graça do Senhor é um ano sabático permanente, não
só para todos os anos, mas para todos os dias do ano. Esta é a lei do novo Povo
de Deus, a Igreja.
Esse permanente ano da graça do
Senhor, custou a morte de Jesus, como oferta total dele por nós. Amar não é dar
coisas ao próximo, mas buscar a sua felicidade, mesmo que para isso precisemos
sacrificar a nossa vida. “Ninguém tem maior amor do que aquele dá a vida por
seus amigos” (Jo 15,13).
O amor só é verdadeiro se inclui, desde
o começo, uma doação da vida. O amor, ou é total, ou não é amor. Amor parcial
não existe, é apenas caricatura de amor. Quando vemos um mendigo na rua e lhe
damos um trocado, ou apenas um sorriso, não lhe estamos dando apenas um trocado
ou um sorriso, mas a nossa vida toda a ele, se necessário for. Na hora, lhe
damos apenas um trocado ou um sorriso, por é só disso que ele precisa no
momento.
O Evangelho mostra também o
protagonismo do Espírito Santo na vida, obra e missão de Jesus. É o Espírito
que intervém desde o seu nascimento e batismo. Nós também fomos ungidos pelo
Espírito Santo no Batismo e na Crisma, a fim de atuar como Cristo atuou,
vencendo o mal do mundo e sendo mensageiros da Boa Nova.
Nós sabemos que na Amazônia existem
poucos padres, e por isso as paróquias são enormes, com Comunidades muito
distantes e sem estrada. Anos atrás, havia um pároco que gravava a homilia
dominical em um disquinho, o qual ia passando de Comunidade em Comunidade, para
ser tocado na hora do culto dominical.
Um dia, aconteceu que o disquinho
furou. Quando o encarregado ligou a vitrola, o padre começou a dizer: “Meus
irmãos e minhas irmãs; meus irmãos e minhas irmãs; meus irmãos e minhas
irmãs...” e não para mais. Então o encarregado desligou a vitrola e disse: “Por
favor, as mulheres saiam todas da capela, porque o padre está querendo falar só
para os homens”. Coitado! Mal sabia ele que era o disco que estava furando!
Mas a repetição estava certa. Todos
nós podemos dizer para os membros da nossa Comunidade: “Meus irmãos e minhas
irmãs”, porque de fato somos. O importante é sermos irmãos de todos,
especialmente dos oprimidos, como fez Jesus.
Maria Santíssima, a discípula fiel do
Senhor, viveu de forma plena esse programa do seu Filho. Que ela nos ajude a
vivê-lo também.
Hoje se cumpriu esta passagem da
Escritura.
Padre Queiroz
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