6 Maio 2018
06º Domingo da Páscoa – Ano B
Tema do 6º Domingo da Páscoa
A liturgia do 6º Domingo da Páscoa convida-nos a
contemplar o amor de Deus, manifestado na pessoa, nos gestos e nas palavras de
Jesus e dia a dia tornado presente na vida dos homens por acção dos discípulos
de Jesus.
A segunda leitura apresenta uma das mais profundas e completas definições de
Deus: “Deus é amor”. A vinda de Jesus ao encontro dos homens e a sua morte na
cruz revelam a grandeza do amor de Deus pelos homens. Ser “filho de Deus” e
“conhecer a Deus” é deixar-se envolver por este dinamismo de amor e amar os
irmãos.
No Evangelho, Jesus define as coordenadas do “caminho” que os seus discípulos
devem percorrer, ao longo da sua marcha pela história… Eles são os “amigos” a
quem Jesus revelou o amor do Pai; a sua missão é testemunhar o amor de Deus no
meio dos homens. Através desse testemunho, concretiza-se o projecto salvador de
Deus e nasce o Homem Novo.
A primeira leitura afirma que essa salvação oferecida por Deus através de Jesus
Cristo, e levada ao mundo pelos discípulos, se destina a todos os homens e
mulheres, sem excepção. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça
ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher a
oferta que Ele faz.
LEITURA I – Act 10,25-26.34-35.44-48
Leitura dos Actos dos Apóstolos
Naqueles dias,
Pedro chegou a casa de Cornélio.
Este veio-lhe ao encontro
e prostrou-se a seus pés.
Mas Pedro levantou-o, dizendo:
«Levanta-te, que eu também sou um simples homem».
Pedro disse-lhe ainda:
«Na verdade, eu reconheço
que Deus não faz acepção de pessoas,
mas, em qualquer nação,
aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável».
Ainda Pedro falava,
quando o Espírito desceu
sobre todos os que estavam a ouvir a palavra.
E todos os fiéis convertidos do judaísmo,
que tinham vindo com Pedro,
ficaram maravilhados ao verem que o Espírito Santo
se difundia também sobre os gentios,
pois ouviam-nos falar em diversas línguas e glorificar a Deus.
Pedro então declarou:
«Poderá alguém recusar a água do Baptismo
aos que receberam o Espírito Santo, como nós?»
E ordenou que fossem baptizados em nome de Jesus Cristo.
Então, pediram-lhe que ficasse alguns dias com eles.
AMBIENTE
O episódio do livro dos Actos dos Apóstolos que a
leitura de hoje nos propõe faz parte de uma secção (cf. 9,32-11,18) cujo
protagonista é Pedro. O tema central desta secção é a chegada do cristianismo
aos pagãos.
A cena situa-nos em Cesareia, a grande cidade da costa palestina onde residia,
habitualmente, o procurador romano da Judeia. No centro da cena está Cornélio,
um centurião romano, que era “piedoso e temente a Deus”. O episódio refere-se à
visita que Pedro faz a Cornélio, durante a qual lhe anuncia Jesus. Como
resultado desse anúncio, dá-se a conversão de Cornélio e de toda a sua família.
Este episódio tem uma especial importância no esquema imaginado por Lucas para
a expansão da Igreja… Cornélio é o primeiro pagão oficialmente admitido na
comunidade de Jesus (em Act 8,26-40 fala-se de um etíope que foi baptizado por
Filipe; mas esse etíope era já “prosélito” – isto é, simpatizante do judaísmo).
Em relação ao pagão Cornélio, não há indicação de que ele estivesse ligado à
religião judaica. A sua conversão marca uma viragem decisiva na proclamação do
Evangelho que, a partir deste momento, se abre também aos pagãos.
Para os primeiros cristãos (oriundos do mundo judaico), não era claro que os
pagãos tivessem acesso à salvação e que pudessem entrar na Igreja de Jesus. O
pagão era um ser impuro, em casa de quem o bom judeu estava proibido de entrar,
a fim de não se contaminar. Quereria Deus que a salvação fosse também anunciada
aos pagãos?
Para Lucas, é perfeitamente claro que Deus também quer oferecer a salvação aos
pagãos. Para deixar isso bem claro, Lucas põe Deus a dirigir toda a trama… É
Deus que, numa visão, pede a Cornélio que mande chamar Pedro (cf. Act 10,1-8);
e é Deus que arrebata Pedro “em êxtase” e o prepara para ir ao encontro de
Cornélio (cf. Act 10,9-23). A conversão de Cornélio será, basicamente, histórica;
as “visões” e os detalhes são, provavelmente, o cenário que Lucas monta para
apresentar a sua catequese. Fundamentalmente, Lucas está interessado em deixar
claro que Deus quer que a sua proposta de salvação chegue a todos os homens,
sem excepção.
MENSAGEM
Depois de descrever a recepção de Pedro em casa de
Cornélio, Lucas põe na boca de Pedro um discurso (do qual, no entanto, a
leitura que nos é proposta só apresenta um pequeno extracto) onde ecoa o
kerigma primitivo. Nesse discurso, Pedro anuncia Jesus (vers. 38a), a sua
actividade (“andou de lugar em lugar fazendo o bem e curando todos os que eram
oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele” – vers. 38b), a sua morte
(vers. 39b), a sua ressurreição (vers. 40) e a dimensão salvífica da acção de
Jesus (vers. 43b). É este o anúncio que Jesus encarregou os primeiros
discípulos de testemunharem ao mundo inteiro.
O nosso texto acentua, especialmente, o facto de a mensagem da salvação se
destinar a todas as nações, sem distinção de pessoas, de raças ou de povos.
Logo no início do discurso, Pedro reconhece que “Deus não faz acepção de
pessoas; em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe
agradável” (vers. 34-35). Portanto, o anúncio sobre Jesus deve chegar a todos
os cantos da terra.
Depois do anúncio feito por Pedro, há a efusão do Espírito “sobre quantos
ouviam a Palavra” (vers. 44), sem distinção de judeus ou pagãos (vers. 45). O
resultado do dom do Espírito é descrito com os mesmos elementos que apareceram
no relato do dia do Pentecostes: todos “falavam línguas” e “glorificavam a
Deus” (vers. 46). É a confirmação directa de que Deus oferece a salvação a
todos os homens e mulheres, sem qualquer excepção. Pedro é o primeiro a tirar
daí as devidas conclusões e a baptizar Cornélio e toda a sua família.
Os primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico e marcados pela mentalidade
judaica, consideravam que a salvação era, sobretudo, um dom de Deus para os
judeus; os pagãos poderiam eventualmente ter acesso à salvação, desde que se
convertessem ao judaísmo, aceitassem a Lei de Moisés e a circuncisão. O
Espírito Santo veio, contudo, mostrar que a salvação oferecida por Deus,
trazida por Cristo e testemunhada pelos discípulos, não é património ou
monopólio dos judeus ou dos cristãos oriundos do judaísmo, mas um dom oferecido
a todos os homens e mulheres que têm o coração aberto às propostas de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
• O nosso texto pretende deixar claro que a
salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo é um dom destinado a todos
os homens e mulheres. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça
ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher a
oferta que Ele faz. A salvação só não chega àqueles que se fecham no orgulho e
na auto-suficiência, recusando os dons de Deus. O Baptismo foi, para todos nós,
o momento do nosso “sim” a Deus e à salvação que Ele oferece; mas é preciso
que, em cada instante, renovemos esse primeiro “sim” e que vivamos numa
permanente disponibilidade para acolher Deus, as suas propostas, os seus dons.
• Para nós, a ideia de que Deus não exclui ninguém
da salvação e não faz acepção de pessoas parece um dado perfeitamente lógico e
evidente. No entanto, a lógica universalista de Deus deve convidar-nos a
reflectir acerca da forma como, na prática, acolhemos os irmãos que caminham ao
nosso lado… O Deus que ama todos os homens, sem excepção, convida-nos a acolher
todos os irmãos – mesmo os “diferentes”, mesmo os incómodos – com bondade, com
compreensão, com amor; o Deus que derrama sobre todos a sua salvação
convida-nos a não discriminar “bons” e “maus”, “santos” e “pecadores”
(frequentemente, os nossos juízos acerca da “bondade” ou da “maldade” dos
outros falham redondamente); o Deus que convida cada homem e cada mulher a
integrar a comunidade da salvação diz-nos que temos de acolher e amar todos,
independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem, da sua
preparação cultural, do seu lugar na escala social. Não apenas em teoria, mas
sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados a anunciar esse mundo de
Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem intolerância, sem preconceitos.
• Quando Pedro chega a casa de Cornélio, este
veio-lhe ao encontro e prostrou-se a seus pés… Mas Pedro disse-lhe
imediatamente: «levanta-te, que eu também sou um simples homem» (vers. 25-26).
A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como são ridículas e desprovidas de
sentido certas tentativas de afirmação pessoal diante dos irmãos, certas poses
de superioridade, a busca de privilégios e de honras, as lutas pelos primeiros
lugares… Aqueles a quem, numa comunidade, foi confiada a responsabilidade de
presidir, de coordenar, de organizar, de animar, devem sentir-se “simples
homens”, humildes instrumentos de Deus. A sua missão é testemunhar Jesus e não
procurar privilégios ou a adoração dos irmãos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão 1: O Senhor manifestou a salvação a todos
os povos.
Refrão 2: Diante dos povos manifestou Deus a
salvação.
Cantai ao Senhor um cântico novo
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.
O Senhor deu a conhecer a salvação,
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.
Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.
LEITURA II – 1 Jo 4,7-10
Leitura da Primeira Epístola de São João
Caríssimos:
Amemo-nos uns aos outros,
porque o amor vem de Deus
e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus.
Quem não ama não conhece a Deus,
porque Deus é amor.
Assim se manifestou o amor de Deus para connosco:
Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
para que vivamos por Ele.
Nisto consiste o amor:
não fomos nós que amámos a Deus,
mas foi Ele que nos amou
e enviou o seu Filho
como vítima de expiação pelos nossos pecados.
AMBIENTE
A Primeira Carta de João é, como vimos nos
domingos anteriores, um escrito destinado às Igrejas joânicas da Ásia Menor,
afectadas pelos ensinamentos de certas seitas heréticas. Essas seitas (que
negavam elementos fundamentais da proposta cristã a propósito da encarnação de
Cristo e do “mandamento do amor”) traziam os cristãos confusos e baralhados,
sem saberem o caminho da verdadeira fé. Nesse contexto, o autor da carta vai
apresentar uma espécie de síntese da doutrina cristã, detendo-se especialmente
a esclarecer as questões mais polémicas.
Uma dessas questões polémicas (e à qual o autor da Primeira Carta de João dá
grande importância) é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos
afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus e
negligenciavam as realidades do mundo. Achavam que se podia descobrir “a luz” e
estar próximo de Deus, mesmo odiando o próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo
com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência
central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer
que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor.
O texto que nos é proposto pertence à terceira parte da carta (cf. 1 Jo
4,7-5,12). Aí, o autor estabelece como critério da vida cristã autêntica a
relação entre o amor a Deus e o amor aos irmãos. É nessa dupla dimensão que os
cristãos devem encontrar a sua identidade.
MENSAGEM
Como cenário de fundo da reflexão que o autor da
Primeira Carta de João apresenta, está a convicção de que “Deus é amor”. A
expressão sugere que a característica mais marcante do ser de Deus é o amor; a
actividade mais específica de Deus é amar. A prova indesmentível de que Deus é
amor é o facto de Ele ter enviado o seu único Filho ao encontro dos homens,
para os libertar do egoísmo, do sofrimento e da morte (vers. 9). Jesus Cristo,
o Filho, cumprindo o plano do Pai, mostrou em gestos concretos, visíveis,
palpáveis, o amor de Deus pelos homens, sobretudo pelos mais pobres, pelos
excluídos, pelos marginalizados… Lutou até à morte para libertar os homens da
escravidão, da opressão, do egoísmo, do sofrimento; aceitou morrer para nos
indicar que o caminho da vida eterna e verdadeira é o caminho do dom da vida,
da entrega a Deus e aos irmãos, do amor que se dá completamente sem guardar
nada para si. Mais ainda: esse amor derrama-se sobre o homem mesmo quando ele
segue caminhos errados e recusa Deus e as suas propostas. O amor de Deus é um
amor incondicional, gratuito, desinteressado, que não exige nada em troca
(vers. 10).
Os crentes são “filhos de Deus”. É a vida de Deus que circula neles e que deve
transparecer nos seus gestos… Ora, se Deus é amor (e amor total, incondicional,
radical), o amor deve ser uma realidade sempre presente na vida dos “filhos de
Deus. Quem “conhece” Deus – isto é, quem vive numa relação próxima e íntima com
Deus – tem de manifestar em gestos concretos essa vida de amor que lhe enche o
coração (vers. 8). Os que “nasceram de Deus” devem, pois, amar os irmãos com o
mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito que caracteriza o ser de
Deus (vers. 7). O amor aos irmãos não é, pois, algo de acessório, de
secundário, para o crente; mas é algo de essencial, de obrigatório. Ser “filho
de Deus” e viver em comunhão com Deus exige que o amor transpareça nos gestos
de todos os dias e nas relações que estabelecemos uns com os outros.
ACTUALIZAÇÃO
• “Deus é amor”. O autor da Primeira Carta de João
não chegou a esta definição de Deus através de raciocínios académicos e
abstractos, mas através da constatação do modo de actuar de Deus em relação aos
homens. Sobretudo, ele “viu” o que aconteceu com Jesus e como Jesus mostrou, em
gestos concretos, esse incrível amor de Deus pela humanidade. João convida-nos
a contemplar Jesus e a tirar conclusões sobre o amor de Deus; convida-nos,
também, a reparar nessas mil e uma pequenas coisas que trazem à nossa
existência momentos únicos de alegria, de felicidade, de paz e a perceber nelas
sinais concretos do amor de Deus, da sua presença ao nosso lado, da sua preocupação
connosco. A certeza de que “Deus é amor” e que Ele nos ama com um amor sem
limites é o melhor caminho para derrubar as barreiras de indiferença, de
egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho que tantas vezes nos impedem de viver
em comunhão com Deus.
• O que é “nascer de Deus” ou ser “filho de Deus”?
É ter sido baptizado e ter passado, por um acto institucional, a pertencer à
Igreja? “Nascer de Deus” é receber vida de Deus e deixar que a vida de Deus
circule em nós e se transforme em gestos. Não somos “filhos de Deus” porque um
dia fomos baptizados; mas somos “filhos de Deus” porque um dia optámos por
Deus, porque continuamos dia a dia a acolher essa vida que Ele nos oferece,
porque vivemos em comunhão com Ele e porque damos testemunho desse Deus que é
amor através dos nossos gestos.
• Se somos “filhos” desse Deus que é amor,
“amemo-nos uns aos outros” com um amor igual ao de Deus – amor incondicional,
gratuito, desinteressado. Um crente não pode passar a vida a olhar para o céu,
ignorando as dores, as necessidades e as lutas dos irmãos que caminham pela
vida ao seu lado… Também não pode fechar-se no seu egoísmo e comodismo e
ignorar os dramas dos pobres, dos oprimidos, dos marginalizados… Não pode,
tampouco, ser selectivo e amar só alguns, excluindo os outros… A vida de Deus
que enche os corações dos crentes deve manifestar-se em gestos concretos de
solidariedade, de serviço, de dom, em benefício de todos os irmãos.
ALELUIA – Jo 14,23
Aleluia. Aleluia.
Se alguém Me ama, guardará a minha palavra.
Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.
EVANGELHO – Jo 15,9-17
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São
João
Naquele tempo,
Disse Jesus aos seus discípulos:
«Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei.
Permanecei no meu amor.
Se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis no meu amor.
Se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis no meu amor,
Assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai
e permaneço no seu amor.
Disse-vos estas coisas,
para que a minha alegria esteja em vós
e a vossa alegria seja completa.
É este o meu mandamento:
que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei.
Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a vida pelos amigos.
Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando.
Já não vos chamo servos,
porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
mas chamo-vos amigos,
porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai.
Não fostes vós que Me escolhestes;
fui eu que vos escolhi e destinei,
para que vades e deis fruto
e o vosso fruto permaneça.
E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome,
Ele vo-lo concederá.
O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo situa-nos, outra vez, em
Jerusalém, numa noite de Quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta. A festa da
Páscoa está muito próxima e a cidade está cheia de forasteiros. Jesus também
está na cidade com o seu grupo de discípulos.
Há já alguns dias que as autoridades judaicas tinham decidido eliminar Jesus
(cf. Jo 11,45-57). A morte na cruz é agora mais do que uma probabilidade: é o
cenário imediato; e Jesus está plenamente consciente disso. Os discípulos
também já perceberam que estão num momento decisivo e que, nas próximas horas,
Jesus lhes vai ser tirado. Estão apreensivos e com medo. Será que a aventura
com Jesus chegou ao fim?
É neste contexto que podemos situar a última ceia de Jesus com os discípulos.
Trata-se de uma “ceia de despedida” e tudo o que aí é dito por Jesus soa a
“testamento final”… Jesus sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos
ficarão no mundo, continuando e testemunhando o projecto do “Reino”. Nesse
momento de despedida, as palavras de Jesus recordam aos discípulos o essencial
da mensagem e apresentam-lhes as grandes coordenadas desse projecto que eles
devem continuar a concretizar no mundo.
No texto que nos é proposto, Jesus procura apontar à sua comunidade (de ontem,
mas também de hoje e de sempre) o verdadeiro “caminho do discípulo” – o caminho
da união a Jesus e ao Pai. Na perícopa anterior (cf. Jo 15,1-8), Jesus tinha
usado, para tratar este tema, a imagem dos ramos (discípulos) que hão-de dar
fruto (missão) pela sua união com a videira (Jesus), plantada pelo agricultor
(Deus); agora, Jesus fala dos discípulos como “os amigos” que Ele escolheu para
colaborarem com Ele na missão.
MENSAGEM
Neste discurso de despedida de Jesus aos
discípulos, João propõe-nos uma catequese onde são apresentadas as principais
coordenadas desse “caminho” que os discípulos devem percorrer, após a partida
de Jesus deste mundo. João refere-se, de forma especial, à relação de Jesus com
os discípulos e à missão que os discípulos serão chamados a desempenhar no
mundo.
1. A relação do Pai com Jesus é o modelo da relação de Jesus com os discípulos.
O Pai amou Jesus e demonstrou-Lhe sempre o seu amor; e Jesus correspondeu ao
amor do Pai, cumprindo os seus mandamentos… Da mesma forma, Jesus amou os
discípulos e demonstrou-lhes sempre o seu amor; e os discípulos devem
corresponder ao amor de Jesus, cumprindo os seus mandamentos (vers. 9-10).
2. Quais são esses mandamentos do Pai que Jesus procurou cumprir com total
fidelidade e obediência? João refere-se aqui, evidentemente, ao cumprimento do
projecto de salvação que Deus tinha para os homens e que confiou a Jesus.
Jesus, com absoluta fidelidade, cumpriu os “mandamentos” do Pai e apresentou
aos homens uma proposta de salvação… Libertou os homens da opressão da Lei,
lutou contra as estruturas que escravizavam os homens e os mantinham
prisioneiros das trevas; ensinou os homens a viver no amor – no amor que se faz
serviço, doação, entrega até às últimas consequências. Apresentou-lhes, dessa
forma, um caminho de liberdade e de vida plena. Da acção de Jesus nasceu o
Homem Novo, livre do egoísmo e do pecado, capaz de estabelecer novas relações
com os outros homens e com Deus.
Os discípulos são o fruto da obra de Jesus. Eles formam uma comunidade de
homens livres, que acolheram e assimilaram a proposta salvadora que o Pai lhes
apresentou em Jesus. Eles nasceram do amor do Pai, amor que se fez presente na
acção, nos gestos, nas palavras de Jesus.
3. Agora os discípulos, nascidos da acção de Jesus, estão vinculados a Jesus.
Devem, portanto, cumprir os “mandamentos” de Jesus como Jesus cumpriu os
“mandamentos” do Pai. Eles devem, como Jesus, ser testemunhas da salvação de
Deus e levar a libertação aos irmãos. Essa proposta que Jesus faz aos
discípulos é uma proposta que conduz à vida, à realização plena, à alegria
(vers. 11).
4. A proposta de salvação que Jesus faz aos homens e da qual nascerá o Homem
Novo resume-se no amor (“é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros,
como Eu vos amei” – vers. 12). Jesus amou totalmente, até às últimas
consequências, até ao dom da vida (vers. 13). Como Jesus, através do amor,
manifestou aos homens a salvação de Deus, assim também devem fazer os discípulos.
Eles devem amar-se uns aos outros com um amor que é serviço simples e humilde,
doação total, entrega radical. Desse amor nasce a comunidade do Reino, a
comunidade do mundo novo, que testemunha, através do amor, a salvação de Deus.
Deus faz-Se presente no mundo e age para libertar os homens através desse amor
desinteressado, gratuito, total, que tem a marca de Jesus e que os discípulos
são chamados a testemunhar.
5. Como é a relação entre Jesus e esta comunidade de Homens Novos que
aprenderam com Jesus a viver no amor e que são as testemunhas no mundo da
salvação de Deus?
Esta comunidade de homens novos, que ama sem medida e que aceita fazer da
própria vida um dom total aos irmãos, é a comunidade dos “amigos” de Jesus
(vers. 14). A relação que Jesus tem com os membros dessa comunidade não é uma
relação de “senhor” e de “servos”, mas uma relação de “amigos”, pois o amor
colocou Jesus e os discípulos ao mesmo nível. Jesus continua a ser o centro do
grupo, mas não se põe acima do grupo.
Estes “amigos” colaboram todos numa tarefa comum. Têm todos a mesma missão
(testemunhar, através do amor, a salvação de Deus) e são todos responsáveis
para que a missão se concretize. Os discípulos não são servos a soldo de um
senhor, mas amigos que, voluntariamente e cheios de alegria e entusiasmo,
colaboram na tarefa.
Entre esses “amigos”, há total comunicação e confiança (o “servo” não conhece
os planos do “senhor”; mas o “amigo” partilha com o outro “amigo” os seus
planos e projectos). Aos seus “amigos”, Jesus comunicou-lhes o projecto de
salvação que o Pai tinha para os homens e também a forma de realizar esse
projecto (através do amor, da entrega, do dom da vida). Jesus revela Deus aos
“amigos”, não através de enunciados sobre o ser de Deus, mas mostrando, com a
sua pessoa e a sua actividade, que o Pai é amor sem limites e trabalha em favor
do homem.
6. Os discípulos (os “amigos”) são os eleitos de Jesus, aqueles que Ele
escolheu, chamou e enviou ao mundo a dar fruto (vers. 16a). Tal não significa
que Jesus chame uns e rejeite outros; significa que a iniciativa não é dos
discípulos e que a sua aproximação à comunidade do Reino é apenas uma resposta
ao desafio que Jesus apresenta.
O objectivo desse chamamento é a missão (“escolhi-vos e destinei-vos para que
vades e deis fruto” – vers. 16b). Jesus não quer constituir uma comunidade
fechada, isolada, voltada para si própria, mas uma comunidade que vá ao
encontro do mundo, que continue a sua obra, que testemunhe o amor, que leve a
todos os homens o projecto libertador e salvador de Deus. O resultado da acção
dos discípulos de Jesus será o nascimento do Homem Novo – isto é, de homens
adultos, livres, responsáveis, animados pelo Espírito, que reproduzem os gestos
de amor de Jesus no meio do mundo. Dessa forma, concretizar-se-á o projecto
salvador de Deus. Esse “fruto” deve permanecer – quer dizer, deve tornar-se uma
realidade efectivamente presente no mundo, capaz de transformar o mundo e a
vida dos homens. Quanto mais forte for a intensidade do vínculo que une os
discípulos a Jesus, mais frutos nascerão da acção dos discípulos.
Nessa acção, os discípulos não estarão sozinhos. O amor do Pai e a união com
Jesus sustentarão os discípulos que, no meio do mundo, se empenham em realizar
o projecto de salvar o homem (16c).
7. O nosso texto termina com uma nova referência ao mandamento de Jesus:
“amai-vos uns aos outros” (vers. 17). O amor partilhado é a condição para estar
vinculado a Jesus e para dar fruto. Se este mandamento se cumpre, Jesus estará
sempre presente ao lado dos seus discípulos; e, essa presença impulsionará a
comunidade e sustentá-la-á na sua actividade em favor do homem.
ACTUALIZAÇÃO
• As palavras de Jesus aos discípulos na “ceia de
despedida” deixam claro, antes de mais, que os discípulos não estão sozinhos e
perdidos no mundo, mas que o próprio Jesus estará sempre com eles,
oferecendo-lhes em cada instante a sua vida. Este é o primeiro grande
ensinamento do nosso texto: a comunidade de Jesus continuará, ao longo da sua
marcha pela história, a receber vida de Jesus e a ser acompanhada por Jesus.
Nos momentos de crise, de desilusão, de frustração, de perseguição, não podemos
esquecer que Jesus continua ao nosso lado, dando-nos coragem e esperança,
lutando connosco para vencer as forças da opressão e da morte.
• Os discípulos são os “amigos” de Jesus. Jesus
escolheu-os, chamou-os, partilhou com eles o conhecimento e o projecto do Pai,
associou-os à sua missão; estabeleceu com eles uma relação de confiança, de
proximidade, de intimidade, de comunhão. Este tipo de relação que Jesus quis
estabelecer com os discípulos não exclui, no entanto, que Ele continue a ser o
centro e a referência, à volta da qual se constrói a comunidade dos discípulos.
Jesus é, de facto, o centro à volta do qual se articula a vida das nossas
comunidades? Que lugar é que Ele ocupa na nossa vida? Como é que no dia a dia
desenvolvemos e aprofundamos o nosso encontro e a nossa comunhão com Ele?
• Fazer parte da comunidade dos “amigos” de Jesus
não é ficar “a olhar para o céu”, contemplando e admirando Jesus; mas é aceitar
o convite que Jesus faz no sentido de colaborar na missão que o Pai Lhe confiou
e que consiste em testemunhar no mundo o projecto salvador de Deus para os
homens. Compete-nos a nós, os “amigos” de Jesus, mostrar em gestos concretos
que Deus ama cada homem e cada mulher – e de forma especial os pobres, os
marginalizados, os débeis, os pequenos, os oprimidos; compete-nos a nós, os
“amigos” de Jesus, eliminar o sofrimento, o egoísmo, a miséria, a injustiça,
tudo o que oprime e escraviza os irmãos e desfeia o mundo; compete-nos a nós,
os “amigos” de Jesus, sermos arautos da justiça, da paz, da reconciliação, do
amor; compete-nos a nós, “amigos” de Jesus, denunciarmos os pseudo-valores que
oprimem e escravizam os homens… Nós, os “amigos” de Jesus, temos de ser
testemunhas desse mundo novo que Deus quer oferecer aos homens e que Jesus
anunciou na sua pessoa, nas suas palavras e nos seus gestos. Estamos, de facto,
disponíveis para colaborar com Jesus nessa missão?
• Sobretudo, os “amigos” de Jesus devem amar como
Ele amou. Jesus cumpriu os “mandamentos” do Pai – isto é, o projecto de Deus
para salvar e libertar os homens – fazendo da sua vida um dom total de amor,
sem limites nem condições; a cruz é a expressão máxima dessa vida vivida
exclusivamente para os outros. É esse o caminho que Jesus propõe aos seus
discípulos (“é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos
amei”). É aqui que reside a “identidade” dos discípulos de Jesus… Os cristãos
são aqueles que testemunham diante do mundo, com palavras e com gestos, que o
mundo novo que Deus quer oferecer aos homens, se constrói através do amor. O
que é que condiciona a nossa vida, as nossas opções, as nossas tomadas de
posição: o amor, ou o egoísmo? As nossas comunidades são, realmente, cartazes
vivos que anunciam o amor, ou são espaços de conflito, de divisão, de luta
pelos próprios interesses, de realização de projectos egoístas?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6º DOMINGO DE
PÁSCOA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 6º Domingo de Páscoa, procurar meditar
a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada
dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno
a Palavra de Deus…
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não se contentou em dizer: “amai-vos uns aos outros”. Antes e depois
d’Ele, muitos recomendaram isso. Mas Jesus precisa: “como o Pai Me amou, também
Eu vos amei”. Tudo está nesta conjunção “como”, porque Jesus pede para vivermos
o que Ele próprio viveu. É isso um verdadeiro testemunho. É o testemunho que
Ele dá algumas horas antes da sua última refeição, quando lava os pés aos seus
discípulos, dizendo-lhes: “é um exemplo que vos dei a fim de que vós façais
também como Eu fiz”. Isso chama-se coerência. Jesus manifestou sempre a
coerência entre as suas palavras e os seus actos. Se Ele chama os discípulos
“amigos” e não “servos”, é porque os faz confidentes do seu pensamento e
convivas da sua refeição, e é pelo seu testemunho, o do amor mútuo, que eles
serão, por sua vez, autênticos testemunhos.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
O amor, sempre o amor… Não haverá exagero, na Igreja, em falar sempre de amor?
Muitos cristãos hoje, incluindo muitos jovens, têm saudade de uma religião
forte, que ensine a lei, os mandamentos e a exigência da moral, recorrendo a
uma estrita disciplina. Evidentemente, para que isso seja eficaz, é preciso
falar mais do pecado e insistir na ameaça das punições divinas! Porém… Nestes
nove versículos de São João, as palavras “amar”, “amor”, “amigo” aparecem doze
vezes! Como fugir a isso? Jesus faz depender tudo de uma fonte primeira: “assim
como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor”. Falando do
amor de Deus, cometemos muito facilmente o erro de transpor para Deus a nossa
maneira humana de amar. O amor que conhecemos implica sempre uma reciprocidade:
ser amado para amar, receber para dar. Imaginamos então que o amor de Deus por
nós depende da nossa maneira de o receber e de lhe responder. Ora, fazendo
assim, esquecemos a palavra de São João: “não fomos nós que amámos Deus, foi
Ele que primeiro nos amou”. O amor de Deus por nós existe antes de nós. Eu
posso recusar este amor, mas Deus jamais deixará de me amar. Nunca poderei
esgotar o seu amor. Somente deixando-me amar por Ele, chegarei, pouco a pouco,
a amar como Ele me ama!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Ser verdadeiro… Tenhamos, nesta semana, a coragem de responder em verdade à
declaração de amor que o Senhor nos faz. A cada um de nós, Ele diz:
“Escolhi-te”. Sinceramente, no fundo de mim mesmo, o que respondo? Sou
verdadeiramente feliz por isso? Como é que esta escolha do Senhor dá fruto?
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
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