02º Domingo do Advento – Ano A
4 Dezembro 2016
ANO A
2º DOMINGO DO ADVENTO
Tema do 2º Domingo do Advento
A liturgia deste
domingo convida-nos a despir esses valores efémeros e egoístas a que, às vezes,
damos uma importância excessiva e a realizar uma revolução da nossa
mentalidade, de forma a que os valores fundamentais que marcam a nossa vida
sejam os valores do “Reino”.
Na primeira leitura, o profeta Isaías apresenta um enviado de Jahwéh, da
descendência de David, sobre quem repousa a plenitude do Espírito de Deus; a
sua missão será construir um reino de justiça e de paz sem fim, de onde estarão
definitivamente banidas as divisões, as desarmonias, os conflitos.
No Evangelho, João Baptista anuncia que a concretização desse “Reino” está
muito próxima… Mas, para que o “Reino” se torne realidade viva no mundo, João
convida os seus contemporâneos a mudar a mentalidade, os valores, as atitudes,
a fim de que nas suas vidas haja lugar para essa proposta que está para chegar…
“Aquele que vem” (Jesus) vai propor aos homens um baptismo “no Espírito Santo e
no fogo” que os tornará “filhos de Deus” e capazes de viver na dinâmica do
“Reino”.
A segunda leitura dirige-se àqueles que receberam de Jesus a proposta do
“Reino”: sendo o rosto visível de Cristo no meio dos homens, eles devem dar
testemunho de união, de amor, de partilha, de harmonia entre si, acolhendo e
ajudando os irmãos mais débeis, a exemplo de Jesus.
LEITURA I – Is 11,1-10
Leitura do Livro de
Isaías
Naquele dia,
sairá um ramo do tronco de Jessé
e um rebento brotará das suas raízes.
Sobre ele repousará o espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e de inteligência,
espírito de conselho e de fortaleza,
espírito de conhecimento e de temor de Deus.
Animado assim do temor de Deus,
não julgará segundo as aparências,
nem decidirá pelo que ouvir dizer.
Julgará os infelizes com justiça
e com sentenças rectas os humildes do povo.
Com o chicote da sua palavra atingirá o violento
e com o sopro dos seus lábios exterminará o ímpio.
A justiça será a faixa dos seus rins
e a lealdade a cintura dos seus flancos.
O lobo viverá com o cordeiro
e a pantera dormirá com o cabrito;
o bezerro e o leãozinho andarão juntos
e um menino os poderá conduzir.
A vitela e a ursa pastarão juntamente,
suas crias dormirão lado a lado;
e o leão comerá feno como o boi.
A criança de leite brincará junto ao ninho da cobra
e o menino meterá a mão na toca da víbora.
Não mais praticarão o mal nem a destruição
em todo o meu santo monte:
o conhecimento do Senhor encherá o país,
como as águas enchem o leito do mar.
Nesse dia, a raiz de Jessé surgirá como bandeira dos povos;
as nações virão procurá-la e a sua morada será gloriosa.
AMBIENTE
A primeira leitura
apresenta-nos um poema que alimenta o sonho do regresso a essa época ideal do
reinado de David e que dá fôlego à corrente messiânica.
Não é claro o enquadramento histórico em que este oráculo aparece. Para alguns
autores, contudo, este poema (e outros semelhantes) surge na fase final da
actividade profética de Isaías…
Quando o rei Ezequias atingiu a maioridade e começou a dirigir os destinos de
Judá (por volta de 714 a.C.), preocupou-se em consolidar uma frente anti-assíria
(a potência que, nessa época, ameaçava os países da zona), com o Egipto, a
Fenícia e a Babilónia. Isaías condenou essas iniciativas… Elas significavam um
colocar a confiança e a esperança no poder de exércitos estrangeiros,
negligenciando o poder de Jahwéh: eram, portanto, um grave sinal de
infidelidade ao Deus de Judá. Essas iniciativas, na opinião do profeta, não
poderiam conduzir senão à ruína da nação… De facto, as previsões funestas de
Isaías realizaram-se quando Senaquerib invadiu Judá, cercou Jerusalém e obrigou
Ezequias a submeter-se ao poderio assírio (701 a.C.).
Por essa altura, desiludido com a política dos reis de Judá, o profeta teria
começado a sonhar com um tempo novo, sem armas e sem guerras, de justiça e de
paz sem fim. Tal “reino” só poderia surgir da iniciativa de Jahwéh (os reis
humanos de há muito que se haviam revelado incapazes de conduzir o Povo em
direcção a um futuro de paz); e o instrumento de Jahwéh na implementação desse
“reino” seria, na opinião do profeta, um descendente de David. Este texto será,
talvez, dessa época em que a profecia e o sonho de um mundo melhor se combinam.
MENSAGEM
Na primeira parte do
poema (vers. 1-5), o profeta apresenta a personagem que será o instrumento de
Deus na realização desse “reino” de justiça e de paz…
Em primeiro lugar, o profeta anuncia que esse instrumento de Deus virá “da raiz
de Jessé”. Jessé era o pai de David; portanto, ele será da descendência de
David (o que nos liga à promessa feita por Deus a David – cf. 2 Sm 7) e,
presumivelmente, fará voltar esse tempo ideal de bem-estar, de abundância e de
paz que o Povo de Deus conheceu durante o reinado ideal de David.
Em segundo lugar, essa personagem será animada pelo Espírito de Deus (“ruah
Jahwéh”). É o mesmo Espírito que ordenou o universo na aurora da criação (cf.
Gn 1,2), que animou os heróis carismáticos de Israel (cf. Jz 3,10; 6,34;
11,29), que inspirou os profetas (cf. Nm 11,17; 1 Sm 10,6.10; 19,20; 2 Sm 23,2;
2 Re 2,9; Mi 3,8; Is 48,16; 61,1; Zac 7,12). Esse Espírito confere a esse
enviado de Deus as virtudes eminentes dos seus antepassados: sabedoria e
inteligência como Salomão, espírito de conselho e de fortaleza como David,
espírito de conhecimento e de temor de Deus como os patriarcas e profetas (aos
seis dons aqui enunciados, a tradução grega dos “Setenta” acrescentará a
“piedade”: é esta a origem da nossa lista dos sete dons do Espírito Santo).
Da plenitude dos carismas brota o exercício da justiça e a construção de um
“reino” onde os direitos dos mais pobres são respeitados e onde os oprimidos
conhecerão a liberdade e a paz. Desse “reino” serão excluídas, definitivamente,
a injustiça, a mentira, a opressão… Tal será o “reino” que o “messias” virá
inaugurar.
Na segunda parte do oráculo (vers. 6-9), o profeta apresenta – recorrendo a
imagens muito belas – o quadro desse mundo novo que o “Messias” vai instaurar.
A revolta do homem contra Deus (cf. Gn 3) havia introduzido no mundo factores
de desequilíbrio que quebraram a harmonia entre o homem e a natureza (cf. Gn
3,17-19), entr
e o homem e o seu irmão (cf. Gn 4)… Mas agora o “Messias” trará a paz e, dessa
forma, cumprir-se-á o projecto inicial que Deus tinha para o mundo e para o
homem: os animais selvagens e os animais domésticos viverão em harmonia (o lobo
e o cordeiro; a pantera e o cabrito, o bezerro e o leão; a vaca e o urso) e
todos eles estarão submetidos ao homem (representado pela criança – isto é, o
homem na sua fragilidade máxima). A própria serpente (o animal que despoletou a
desarmonia universal, ao estar na origem do afastamento do homem do Deus
criador) comungará desta harmonia e desta paz sem fim: é a superação total do
desequilíbrio, do conflito, da divisão que o pecado do homem introduziu no
mundo.
Destruídas as inimizades, superadas as desarmonias, o homem viverá em paz, em
comunhão total com o seu Deus (vers. 9). No primeiro paraíso, o homem escolheu
ser adversário de Deus e escolheu viver no orgulho e na auto-suficiência;
agora, por acção do “Messias”, ele regressou à comunhão com o seu criador e
passou a viver no “conhecimento de Deus”. É o regresso ao paraíso original.
ACTUALIZAÇÃO
Para a reflexão,
considerar as seguintes questões:
• Para nós, cristãos, Jesus Cristo é o “Messias” que veio tornar realidade o
sonho do profeta. Ele iniciou esse “reino” novo de justiça, de harmonia, de paz
sem fim… Cheio do Espírito de Deus, Ele passou pelo mundo convidando os homens
a tornarem-se “filhos de Deus” e a viverem no amor, na partilha, no dom da
vida… Nós, seguidores de Jesus, temos dado um contributo efectivo para que o
“Reino” se torne realidade no mundo?
• A Igreja deve ser o sinal vivo desse “reino” novo de justiça e de paz… É isso
que acontece? Ela tem anunciado – com palavras e com gestos – o projecto de
Jesus? As nossas comunidades cristãs e religiosas dão testemunho de harmonia,
de entendimento, de amor sem limites?
• Que a realidade do “Reino” se concretize ou não, depende também daquilo que
faço ou não faço. Em termos pessoais: o que é que, nas minhas atitudes, nos
meus comportamentos, é contra-testemunho e impede o nascimento do “Reino” da
felicidade e da paz?
SALMO RESPONSORIAL –
Salmo 71 (72)
Refrão: Nos dias do
Senhor nascerá a justiça e a paz para sempre.
Ó Deus, dai ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.
Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.
Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.
O seu nome será eternamente bendito
e durará tanto como a luz do sol;
nele serão abençoadas todas as nações,
todos os povos da terra o hão-de bendizer.
LEITURA II – Rom
15,4-9
Leitura da Epístola do
apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Tudo o que foi escrito no passado
foi escrito para nossa instrução,
a fim de que, pela paciência e consolação que vêm das Escrituras,
tenhamos esperança.
O Deus da paciência e da consolação vos conceda
que alimenteis os mesmos sentimentos uns para com os outros,
segundo Cristo Jesus,
para que, numa só alma e com uma só voz,
glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Acolhei-vos, portanto, uns aos outros,
como Cristo vos acolheu,
para glória de Deus.
Pois Eu vos digo que Cristo Se fez servidor dos judeus,
para mostrar a fidelidade de Deus
e confirmar as promessas feitas aos nossos antepassados.
Por sua vez, os gentios dão glória a Deus pela sua misericórdia,
como está escrito:
«Por isso eu Vos bendirei entre as nações
e cantarei a glória do vosso nome».
AMBIENTE
A Carta aos Romanos –
já o dissemos no passado domingo – é uma carta de reconciliação, endereçada aos
romanos, mas dirigida a toda a Igreja fundada por Jesus. Pretende – numa altura
em que fundos culturais diversos e sensibilidades diferentes dividiam os
cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo – afastar o
perigo da divisão da Igreja e levar todos os crentes (judeo-cristãos e
pagano-cristãos) a redescobrir a unidade da fé e a igualdade fundamental de
todos diante de Deus. Desde que optaram por Cristo e receberam o baptismo,
todos receberam o dom de Deus, tiveram acesso à salvação e tornaram-se irmãos,
chamados a viver no amor.
O texto que nos é proposto pertence à segunda parte da carta. Nessa parte (que
vai de Rm 12,1 a 15,13), Paulo exorta os cristãos a viver no amor; em concreto,
dá aos cristãos algumas indicações de carácter prático acerca do comportamento
que devem assumir para com os irmãos.
MENSAGEM
O texto que nos é
apresentado como segundo leitura tem de ser entendido no contexto mais amplo de
uma perícopa que vai de 15,1 a 15,13. Literariamente, esta perícopa está
construída na base de dois parágrafos simétricos (cf. Rm 15,1-6 e 15,7-13) que
apresentam uma mesma sequência e uma mesma organização: a) exortação; b)
motivação cristológica; c) iluminação a partir da Escritura; d) súplica final.
Na primeira parte da perícopa (cf. Rm 15,1-6), Paulo exorta os cristãos a
vencer qualquer tipo de egoísmo e de auto-suficiência e a dar as mãos aos mais
débeis e necessitados (a); como motivo para este comportamento, Paulo apresenta
o exemplo de Cristo, que não procurou seguir um caminho de facilidade, mas
escolheu o amor e o dom da vida (b); este comportamento que Paulo pede aos
cristãos (e é aqui que começa o nosso texto de hoje) é aquele que a Escritura –
que foi escrita para nossa instrução – nos sugere (c); e, finalmente, Paulo
pede ao “Deus da perseverança e da consolação” que dê aos cristãos de Roma a
harmonia, a fim de que louvem a Deus com um só coração e uma só alma (d).
Na segunda parte da perícopa (cf. Rm 15,7-13), Paulo começa por exortar os
crentes a não fazerem discriminações, mas a acolherem todos (a); como motivo
para este comportamento, Paulo aponta o exemplo de Cristo, que acolheu a todos
os homens (b); e Paulo justifica o que disse atrás com o exemplo da Escritura
(e é neste ponto que termina o trecho que a liturgia nos propõe como segunda
leitura), citando explicitamente vários textos do Antigo Testamento (c);
finalmente, Paulo pede ao “Deus da esperança” que cumule os crentes “de alegria
e de paz, na fé” (d).
O mais importante de tudo isto é a mensagem fundamental que sobressai
nesta dupla estrutura: a comunidade deve viver em harmonia, acolhendo e
ajudando os mais fracos, sem discriminar nem excluir ninguém, no amor e na
partilha. Cristo é o exemplo que os membros da comunidade devem ter sempre
diante dos olhos… Convém também não esquecer que o ser capaz de viver deste
jeito é um dom de Deus – dom que os crentes devem pedir em todos os momentos ao
Pai.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir as seguintes
questões:
• A comunidade cristã – como rosto visível de Cristo no mundo – tem de ser o
lugar do amor, da partilha fraterna, da harmonia, do acolhimento. No entanto,
com bastante frequência encontramos comunidades onde os irmãos estão divididos:
criticam os outros de forma avulsa, tomam atitudes agressivas que afastam os
mais débeis, discriminam aqueles que não entram na sua “panelinha”, estão
aferrados ao poder e fazem tudo para dominar os outros e para afirmar a sua
superioridade… Isto acontece na minha comunidade? Eu tenho algumas
responsabilidades nessa situação? O que posso fazer para mudar as coisas?
• Convém não esquecer que a conversão à harmonia, à partilha com os mais
pobres, ao amor fraterno, ao dom da vida, é algo exigente, que não pode ser
feito contando apenas com a boa vontade do homem; mas é algo que só pode ser
feito com a força e com a ajuda de Deus… Lembro-me de pedir a Deus a sua ajuda
para vencer o meu egoísmo e a minha auto-suficiência e para amar
verdadeiramente os meus irmãos? Estou disposto a ir ao seu encontro e a deixar
que Ele converta o meu coração e a minha vida?
ALELUIA – Lc 3,4.6
Aleluia. Aleluia.
Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
e toda a criatura verá a salvação de Deus.
EVANGELHO – Mt 3,1-12
Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naqueles dias,
apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judeia, dizendo:
«Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus».
Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer:
«Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’».
João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo
e uma cintura de cabedal à volta dos rins.
O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre.
Acorria a ele gente de Jerusalém,
de toda a Judeia e de toda a região do Jordão;
e eram baptizados por ele no rio Jordão,
confessando os seus pecados.
Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo,
disse-lhes:
«Raça de víboras,
quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?
Praticai acções
que se conformem ao arrependimento que manifestais.
Não penseis que basta dizer:
‘Abraão é o nosso pai’,
porque eu vos digo:
Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão.
O machado já está posto à raiz das árvores.
Por isso, toda a árvore que não dá fruto
será cortada e lançada ao fogo.
Eu baptizo-vos com água,
para vos levar ao arrependimento.
Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu
e não sou digno de levar as suas sandálias.
Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo.
Tem a pá na sua mão:
há-de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro.
Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
AMBIENTE
Depois do Evangelho da
Infância (cf. Mt 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para
acolher Jesus: João Baptista.
João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a
proximidade do juízo de Deus. Vivia no deserto de Judá, nas margens do rio
Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão (pois o “juízo
de Deus” estava iminente); incluía um rito de purificação pela água – um rito
muito frequente, aliás, entre alguns grupos judeus da época. É possível que
João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa comunidade essénia que
estava instalada em Qûmran (o tema do juízo de Deus e os rituais de purificação
pela água faziam parte do dia a dia da comunidade essénia).
Segundo a mais antiga tradição cristã, Jesus esteve muito relacionado com o
movimento de João, nos inícios da sua vida pública e alguns discípulos de João
tornaram-se, a partir de certa altura, discípulos de Jesus (cf. Jo 1,35-42).
Os primeiros cristãos identificaram João com o mensageiro anunciado em Is 40,3
e com Elias (2 Re 1,8) que, segundo a tradição judaica, anunciaria a chegada do
Messias (Mt 11,14; 17,11; Mal 3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta
interpretação, João seria o precursor que vem preparar o caminho e Jesus o
Messias, enviado por Deus para anunciar o reinado de Jahwéh.
MENSAGEM
Nesta primeira
apresentação do Baptista, há vários factores que nos interessa pôr em relevo: a
figura, a mensagem, as reacções ao anúncio e a comparação entre o baptismo de
João e o baptismo de Jesus.
A figura do Baptista é uma figura que, por si só, nos questiona e interpela.
João aparece ligado ao deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas
também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo
ou aos sítios “in” onde se reúne a sociedade selecta de Jerusalém; usa “uma
veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é
dessa forma que se vestia, também, Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas,
com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua
alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste
com as iguarias finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é,
portanto, um homem que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa
– questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens
materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a
esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial.
O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase:
“convertei-vos (“metanoeite”), porque está perto o Reino dos céus” (vers. 2). O
verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de “mudar de
mentalidade”; mas, aqui, deve ser visto na perspectiva do Antigo Testamento –
isto é, como um apelo a um retorno incondicional ao Deus da Aliança.
Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está
perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo
de Deus”, que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo
(por isso, fala da “cólera que est&a
acute; para vir” – vers. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das
árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao
fogo” – vers. 10). A conversão era urgente, na perspectiva de João, pois
aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não
estivesse do lado de Deus seria aniquilado… É uma perspectiva muito em voga em
certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essénios
de Qûmran.
Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem
destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a
Judeia e de toda a região do Jordão” e que era baptizada “por ele no rio
Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6).
No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para
quem João tem palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir
da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento
que manifestais. Não penseis que basta dizer: «Abraão é nosso pai»…” (vers.
7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou por curiosidade, vêm ao encontro
de João; no entanto, sentem que o “juízo de Deus” não os atingirá porque eles
são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado
dos bons: Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar
o mundo e condenar os maus. João avisa que não há salvação assegurada
obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registos do Povo eleito: é
preciso viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: “toda a árvore
que não dá fruto, será cortada e lançada ao fogo” (vers. 10).
Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na
imersão na água do rio Jordão das pessoas que aderiam a esse apelo à conversão.
Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a
purificação do coração (nos ambiente essénios, os banhos quotidianos expressavam
o esforço em direcção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)… O
baptismo de João significava o arrependimento, o perdão dos pecados e a
agregação ao “resto de Israel”, subtraído à ira de Deus.
No entanto, João avisa: “aquele que vem depois de mim (…) baptizar-vos-á no
Espírito Santo e no fogo” (vers. 11). De facto, o baptismo de Jesus vai muito
além do baptismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e
torna-o “filho de Deus”; implica, além disso, uma incorporação na Igreja (a
comunidade dos que aderiram à proposta de salvação que Cristo trouxe) e a
participação activa na missão da Igreja (cf. Act 2,1-4). Não significa, apenas,
o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida
completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com
Jesus e com todos os outros baptizados.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir
dos seguintes dados:
• A questão dominante que o Evangelho de hoje nos apresenta é a da conversão.
Não é possível acolher “aquele que vem” se o nosso coração estiver cheio de
egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preocupação com os bens materiais…
É preciso, portanto, uma mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos
nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um
despojamento de tudo o que rouba espaço ao “Senhor que vem”. Estou disposto a
esta mudança, para que no meu coração haja lugar para Jesus? O que é que,
prioritariamente, deve mudar na minha vida?
• A figura de João Baptista obriga-nos a questionar as nossas prioridades e
valores fundamentais. Ele não se apresenta de “smoking”, pois a sua prioridade
não é brilhar em alguma festa do jet-set; nem usa gravata e camisa de seda,
pois a sua prioridade não é impressionar os chefes ou mostrar que é um homem de
sucesso em termos de ganhos anuais; nem petisca pratos delicados com molhos
esquisitos e nomes franceses, pois a sua prioridade não é a satisfação de
apetites físicos; nem promete bem-estar e riqueza aos seus interlocutores, pois
a sua prioridade não é receber aplausos das massas; nem busca o apoio da
hierarquia civil ou religiosa, pois a sua prioridade não é o triunfo, as
honras, o poder… João Baptista é alguém para quem a prioridade é o anúncio do
“Reino dos céus”. Ora, o “Reino” é despojamento, simplicidade, amor total,
partilha, dom da vida… São esses valores que ele procura anunciar, com palavras
e com atitudes. E quanto a mim, quais são os valores que me fazem “correr”?
Quais são as minhas prioridades? Os meus valores são os valores do “Reino” ou
são esses valores efémeros e fúteis a que a civilização ocidental dá tanta
importância, mas que não trazem nada de duradouro e de verdadeiro à vida dos
homens?
• O nosso texto deixa claro que não chega ser “filho de Abraão” para ter acesso
à salvação que Jesus veio oferecer, mas é preciso viver uma vida de fidelidade
a Deus. Quer dizer: não chega ter o nome inscrito no livro de registos de
baptismo da paróquia, nem ter casado na Igreja, nem ter posto os filhos na
catequese e aparecer lá para tirar fotografias na festa da primeira comunhão (o
estatuto do “cristão não praticante” faz tanto sentido como um círculo
quadrado); mas é preciso uma conversão séria, empenhada, nunca acabada ao
“Reino” e aos seus valores e uma vida coerente com a fé que escolhemos quando
fomos baptizados.
• João deixa claro que receber o baptismo de Jesus é receber o baptismo do
Espírito… Equivale a aceitar ser “filho de Deus”, a viver em comunhão com Deus,
no amor e na partilha com os irmãos que caminham ao nosso lado. É esse o
caminho que eu procuro, dia a dia, percorrer?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DO ADVENTO
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA
AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo do Advento, procurar meditar
a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada
dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PRESTAR ATENÇÃO À
VIRGEM MARIA.
A proximidade da Solenidade da Imaculada Conceição, ontem celebrada, cujo dogma
foi proclamado a 8 de Dezembro de 1854 pelo Papa Pio IX, pode convidar hoje a
uma atenção particular à Virgem Maria. Esta atenção pode ser expressa por uma
decoração mais cuidada de uma imagem da Virgem. Mas ao longo da celebração
(talvez no final da missa), algumas crianças podem levar um ramo de flores e/ou
algumas lamparinas acesas que colocam aos pés da imagem, enquanto a assembleia
canta um cântico a Nossa Senhora com tonalidade do Advento ou alguém lê uma
oração ou um poema.
3. JOÃO BAPTISTA,
PROFETA-PERCURSOR.
João Baptista é, em cada ano, uma grande figura deste tempo do Advento. Falamos
bastante dele, mas será que o conhecemos bem? Na preparação da liturgia,
pode-se comunicar melhor como João Baptista tem um verdadeiro lugar de
charneira entre o Antigo e o Novo Testamento. Pode ser uma maneira de sublinhar
nas celebrações destes domingos a iminência da vinda de Cristo, a iminência do
Reino. As admonições e algumas intenções da oração dos fiéis podem ser
redigidas nesse sentido. Ou ainda, porque não viver de perto esta celebração
com João Baptista? Ele pode ser mencionado no início do rito penitencial, no
início do credo, no início do “Cordeiro de Deus” (foi João Baptista que assim
designou Jesus).
4. BILHETE DE
EVANGELHO.
Aos homens à procura de um coração novo, Deus dá uma terra nova. Jesus veio
para falar de novidade: “Convertei-vos! Acreditai na Boa Nova!” Temos
necessidade de ouvir palavras novas (ternura, amor, perdão, solidariedade,
respeito…) que façam calar as palavras antigas (violência, ódio, vingança,
indiferença, racismo…). Temos necessidade de ver gestos novos (assinatura de
paz, reconciliação, dom, partilha…) que façam desaparecer os gestos antigos
(declaração de guerra, rancor, crispação, egoísmo…). Preparar-se para o Natal…
não será dispor-se a falar uma linguagem nova e a fazer actos novos? Isso será
a nossa maneira de acolher Aquele que vem fazer todas as coisas novas. Mas não
as fará sem nós…
5. ORAÇÃO NA LECTIO
DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Bendito sejas, nosso Pai, por nos teres enviado e dado o teu Filho Jesus. N’Ele
reconhecemos a plenitude do teu Espírito: sabedoria, discernimento, conselho,
fortaleza, conhecimento e piedade.
Nós Te pedimos pela nossa terra: que o conhecimento de Jesus lhe obtenha a paz,
realizando o tempo em que o lobo habitará com o cordeiro.
No final da segunda leitura:
Nós Te bendizemos pelo dom dos livros santos que lemos nas nossas assembleias e
pelo dom do teu Filho, que Se fez servidor da nossa humanidade e nos acolheu,
apesar dos nossos pecados.
Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: faz com que estejamos de
acordo e vivamos em comunhão segundo o teu Espírito Santo.
No final do Evangelho:
Nós Te damos graças por João Baptista, o precursor, pelos apelos à conversão e
pelo baptismo no Espírito, que nos incorporou no teu Filho.
Abrimos as mãos para Ti e pedimos-Te ainda por nós mesmos: pelo teu Espírito,
produz nos nossos corações os frutos que esperas.
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, pois relaciona-se mais explicitamente
com os textos da liturgia da Palavra de hoje…
7. PALAVRA EXPLICADA
1: ESCRITURAS OU LIVROS SAGRADOS.
No início da segunda leitura deste domingo, o apóstolo refere-se às Escrituras,
que se poderiam denominar também Livros Sagrados. Tais referências são
frequentes no Novo Testamento. Assim, Jesus podia mesmo dizer que as Escrituras
d’Ele dão testemunho (Jo 5,39) e os evangelistas apresentam, muitas vezes, as
suas palavras e os seus actos como o cumprimento das Escrituras (Mt 1,22; 2,15;
etc.). Trata-se aqui dos Livros que os cristãos consideram como constituindo o
Antigo Testamento (expressão empregue pelo apóstolo Paulo, 2 Cor 3,14) e aos
quais juntaram progressivamente os escritos que constituem o Novo Testamento. O
catálogo dos livros reconhecidos, que se chama o Cânon (ou regra) das
Escrituras, foi estabelecido pela prática litúrgica. Dito de outro modo, eram
considerados como Livros Sagrados aqueles que poderiam ser lidos nas assembleias
das sinagogas, para os judeus (como Isaías em Lc 4,17), ou nas igrejas, para os
cristãos (primeira menção em 1 Tes 5,27).
8. PALAVRA EXPLICADA
2: FILHOS DE ABRAÃO.
Na Oração Eucarística I, recordamos que a Deus Lhe agradou “acolher o
sacrifício do nosso pai Abraão”. Assim, como cristãos, reconhecemo-nos filhos
de Abraão. Este título refere-se à Aliança que Deus fez com Abraão,
prometendo-lhe uma descendência inumerável (Gen 15,1-6). Ora, Abraão e a sua
mulher Sara, estéril até essa altura, eram de idade avançada (Gen 18,9-15). O
nascimento do seu filho, Isaac, foi para eles um dom inesperado de Deus. Em
seguida, Deus recusou que este filho Lhe fosse oferecido em sacrifício (Gen
22,11-18). Isaac foi, pois, reconhecido como o filho da promessa, e Abraão como
o pai dos crentes, porque tinha dado a Deus a sua plena confiança (Gen 15,6).
Isso foi amplamente comentado nos escritos do Novo Testamento, para demonstrar
que a verdadeira descendência de Abraão não vinha da geração física, mas da fé:
são filhos de Abraão todos aqueles que dão a Deus a sua confiança sem reservas;
é por esta fé que são justificados por Deus e não em razão dos seus próprios
actos (Rom 4, etc.).
9. ATENÇÃO ÀS
CRIANÇAS: A MARAVILHOSA HISTÓRIA CONTADA POR ISAÍAS.
A primeira leitura deste domingo é uma página profética muito bela. Se houver
oportunidade de passar algum tempo com as crianças durante a liturgia da
Palavra, pode-se utilizar algumas linguagens mais adaptadas: explicar às
crianças que Isaías representa aqui a felicidade que Jesus nos traz (harmonia,
paz, reconciliação para toda a criação); com as cartas de jogo que representam
diversos animais, pode-se ver os que podem estar juntos ou não (por exemplo, um
lobo e um cordeiro juntos, o que pode acontecer?); depois, descobrimos que, em
Jesus, a felicidade é possível. O que Isaías imagina para os animais pode
acontecer também com os homens, se eles quiserem…
10. PALAVRA PARA O
CAMINHO.
Convertei-vos! Um sonho muito belo este de Isaías! No estado actual do mundo,
como imaginar a sua realização? A chave é-nos dada por João: “Convertei-vos!”
Reconhecer o nosso pecado! Deixar o Fogo do Espírito queimar-nos e
transformar-nos! É a partir de cada um de nós que começa o mundo novo. É a
partir do coração novo de cada um de nós que o mundo poderá ter um novo
coração! Mais uma semana para rezar e praticar a conversão! Mãos à obra!
UNIDOS PELA PALAVRA DE
DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org