05 de abril
DOMINGO, 05 DE ABRIL
DE 2015
DOMINGO DE PÁSCOA
Vicente Ferrer
Atos 10,34a.37-43:
Comemos e bebemos com ele depois da ressurreição
Salmo 117: Este é o dia do Senhor fez para nós: seja nossa alegria e
nosso gozo
Colossenses 3,1-4: Busquem os bens do alto onde está Cristo
João 20,1-9: Ele devia ressuscitar dentre os mortos.
1 No primeiro dia que
se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando
ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. 2 Correu e foi dizer a
Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do
sepulcro, e não sabemos onde o puseram! 3 Saiu então Pedro com aquele outro
discípulo, e foram ao sepulcro. 4 Corriam juntos, mas aquele outro discípulo
correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. 5 Inclinou-se
e viu ali os panos no chão, mas não entrou. 6 Chegou Simão Pedro que o seguia,
entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. 7 Viu também o sudário que
estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado
num lugar à parte. 8 Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro
ao sepulcro. Viu e creu. 9 Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura,
segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.
COMENTÁRIO
No primeiro dia que se
seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda
estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. Correu e foi dizer a Simão
Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do sepulcro, e
não sabemos onde o puseram! Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e
foram ao sepulcro. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais
depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Inclinou-se e viu ali os
panos no chão, mas não entrou. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no
sepulcro e viu os panos postos no chão. Viu também o sudário que estivera sobre
a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à
parte. Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro.
Viu e creu. Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual
Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.
A) Primeiro comentário
Para este domingo de Páscoa a liturgia nos oferece como primeira leitura um dos
discursos de Pedro, uma vez transformado pela força de Pentecostes: aquele que
pronunciou em do centurião Cornélio, a propósito do consumo de alimentos puros
e impuros, o que estava em íntima relação com o tema do anúncio do Evangelho
aos não judeus e de seu ingresso à nascente comunidade cristã. O discurso de
Pedro é um resumo da proclamação típica do Evangelho que contém os elementos
essenciais da história da salvação e das promessas de Deus cumpridas em Jesus.
Pedro e os demais apóstolos pregam a morte de Jesus pelas mãos dos judeus,
porém, também sua ressurreição por obra do Pai, porque “Deus estava com ele”.
De modo que a morte e ressurreição de Jesus são a via de acesso de todos os
homens e mulheres, judeus e não judeus à grande família surgida da fé em sua
pessoa como Filho e Enviado de Deus, e como Salvador universal; uma família
onde não há exclusões de nenhum tipo. Esse é um dos principais sinais da
ressurreição de Jesus e o meio mais efetivo para comprovar ao mundo que ele se
mantém vivo na comunidade.
Uma comunidade, um povo, uma sociedade onde há excluídos ou marginalizados,
onde o rigor das leis divide e separa uns de outros, é a antítese do efeito
primordial da ressurreição; e em muito maior medida em se tratando de uma
comunidade ou de um povo que diz chamar-se cristão.
O evangelho de João apresenta Maria Madalena madrugando para ir ao sepulcro de
Jesus. “Contudo estava escuro”, sublinha o evangelista. É preciso ter em conta
este detalhe porque João gosta de usa esses símbolos em contraste: luz-trevas,
mundo-espírito, verdade-falsidade, etc. Maria, pois, permanece às escuras; não
experimentou ainda a realidade da ressurreição. Ao ver que a pedra com eu
haviam tapado o sepulcro tinha sido retirada, não entra, como o fazem as
mulheres no relato lucano, mas que volta para buscar a Pedro e o “outro
discípulo”. Ela permanece submissa à figura masculina; sua reação natural é
deixar que sejam eles quem vê e comprovem e que depois digam, eles mesmos, o
que viram. Este é outro contraste com o relato lucano. Porém, inclusive entre
Pedro e o outro discípulo que Jesus “amava muito”, existe no relato de João uma
certa rejeição de tipo hierárquico: em que pese que o “outro discípulo” correu
mais, devia ser Pedro, o de maior idade, quem deveria entrar por primeiro e
olhar. Efetivamente, na tumba somente estão as amarras e o sudário; o corpo de
Jesus desaparece. Vendo isto creram, entenderam que a escritura dizia que ele
tinha que ressuscitar e partiram para comunicar tão transcendental noticia aos
demais discípulos. A estrutura simbólica do relato fica perfeitamente
construída.
A ação transformadora mais palpável da ressurreição de Jesus foi a partir de
então sua capacidade de transformar o interior dos discípulos – antes
desagregados, egoístas, divididos e atemorizados – para voltar a convoca-los ou
reunidos em torno da causa do Evangelho e enchê-los do seu espírito de perdão.
A pequena comunidade dos discípulos, não somente havia sido dissolvida pela
falta de justiça contra Jesus, mas também pelo medo de seus inimigos e pela
insegurança que deixa em um grupo a traição de um de seus integrantes.
Os corações de todos estavam feridos. À hora da verdade, todos eram dignos de
reprovação: ninguém havia entendido corretamente a proposta do Mestre. Por
isso, quem não havia traído o havia abandonado à própria sorte. E se todos eram
dignos de reprovação, todos estavam necessitados de perdão. Voltar a dar coesão
à comunidade de seguidores, dar-lhes unidade interna no perdão mútuo, na
solidariedade, na fraternidade e na igualdade, era humanamente impossível.
Contudo, a presença e a força interior do ressuscitado conseguiu reunir
novamente o grupo.
Quando os discípulos desta primeira comunidade sentem interiormente esta
presença transformadora de Jesus e quando a comunhão é quando realmente
experimental sua ressurreição. E é então quando já não precisam mais das provas
exteriores da mesma. O conteúdo simbólico dos relatos do ressuscitado atuante
que apresentam à comunidade, revela o processo renovador que opera o
ressuscitado no interior das pessoas e do grupo.
Magnífico exemplo do que o efeito da ressurreição pode produzir também hoje em
nós, no âmbito pessoal e comunitário. A capacidade do perdão; da reconciliação
conosco mesmos, como naquele punhado de homens tristes, covardes e dispersos a
que o milagre da ressurreição transformou.
B) SEGUNDO ESQUEMA – O
RESSUSCITADO E O CRUCIFICADO
Como em outros anos, incluímos aqui um segundo esquema de homilia, nitidamente
na linha da espiritualidade latino-americana da libertação, que intitulamos “O
Ressuscitado é o Crucificado”.
O que não é a
ressurreição de Jesus
Costuma-se dizer teologicamente que a ressurreição de Jesus não é um fato
“histórico”, com isto não se quer dizer que seja um fato irreal, mas que sua realidade
está mais além do físico. A ressurreição de Jesus não é um fato realmente que
possa ser registrado pela história: ninguém teria a possibilidade de fotografar
a ressurreição. Objeto de nossa fé, a ressurreição de Jesus é mais que um
fenômeno físico. De fato, os evangelhos não narram a ressurreição: ninguém a
viu. As testemunhas falam a partir de suas experiências de crentes: sentem que
o ressuscitado “está vivo”, porém não são testemunhas do fato mesmo da
ressurreição.
A ressurreição de Jesus não tem semelhança alguma com o “reavivamento” de
Lázaro. Jesus não voltou a esta vida nem aconteceu a reanimação de um cadáver
(de fato, em teoria, não teríamos problema em acreditar na ressurreição de
Jesus ainda que seu cadáver houvesse ficado entre nós, porque o corpo
ressuscitado não é, sem mais, o cadáver). A ressurreição (tanto de Jesus quanto
a nossa) não é uma volta para trás, mas um passo adiante, um passo para outra
forma de vida, a vida de Deus.
Importa realçar este aspecto para que nos demos conta de que nossa fé na
ressurreição não é a adesão a um “mito” como ocorre em tantas religiões, que
possuem seus mitos de ressurreição. Nossa afirmação da ressurreição não tem por
objetivo um fato físico, mas uma verdade de fé com um sentido mais profundo, que
é o que queremos desenvolver.
A “boa notícia” da
ressurreição foi conflitiva
Uma primeira leitura de Atos provoca estranheza: por que a notícia da
ressurreição suscitou a ira e a perseguição por parte dos judeus? Notícias de
ressurreição não eram tão infrequentes naquele mundo religioso. Não deveria
ofender a ninguém a notícia de que alguém tivesse tido a sorte de ser
ressuscitado por Deus. Contudo, a ressurreição de Jesus foi recebida com uma
gravidade extrema por parte das autoridades judaicas. Faz pensar no forte
contraste com a situação atual: hoje ninguém se irrita ao escutar essa notícia.
A ressurreição de Jesus hoje provoca indiferença? Por que esta indiferença?
Será que não anunciamos a mesma ressurreição? Ou não anunciamos a mesma coisa
no anúncio da ressurreição de Jesus?
Lendo mais atentamente o livro de Atos, percebe-se que o anúncio mesmo que
faziam os apóstolos tinha um ar polêmico: anunciavam a ressurreição “desse
Jesus a quem vocês crucificaram”. Isto é, não anunciavam a ressurreição em
abstrato, como se a ressurreição de Jesus fosse simplesmente a afirmação do
prolongamento da vida depois da morte. Tampouco estavam anunciando a
ressurreição de alguém qualquer, como se o que importante fosse simplesmente
que um ser humano, qualquer que fosse, havia transpassado as portas da morte.
O crucificado e o
ressuscitado
Os apóstolos anunciavam uma ressurreição muito concreta: a daquele homem
chamado Jesus, a quem as autoridades civis e religiosas haviam rejeitado,
excomungado e condenado. Quando Jesus foi atacado pelas autoridades, ficou só.
Seus discípulos o abandonaram, e Deus mesmo guardou silencio como se estivesse
de acordo. Tudo parecia concluir com a crucificação.
Porém, aí ocorreu algo. Uma experiência nova e poderosa se lhes impôs: sentiram
que estava vivo. Foram invadidos por uma certeza estranha: que Deus confirmava
a missão de Jesus e se empenhava em reivindicar seu nome e sua honra. “Jesus
está vivo; não puderam vencê-lo com a morte. Deus o ressuscitou, sentou-o à sua
direita, confirmando a veracidade e o valor de sua vida, de sua palavra, de sua
Causa. Jesus tinha razão e não as autoridades que o expulsaram deste mundo e
desprezaram sua Causa. Deus está do lado de Jesus, Deus respalda a Causa do
Crucificado. O crucificado ressuscitou e vive!
E foi isto que verdadeiramente irritou as autoridades judaicas: Jesus deixou-as
irritadas estando vivo e, igualmente, estando ressuscitado. Também a elas, o
que as irritava não era o fato físico mesmo de uma ressurreição, que um ser
humano morra ou ressuscite; o que não podiam tolerar era pensar que a Causa de
Jesus, seu projeto, sua utopia, que já haviam considerado tão perigosa em vida
e que já acreditavam enterrada, voltasse e se colocasse novamente em pé, isto
é, que houvesse ressuscitado. E não podiam aceitar que Deus estivesse se
comprometendo por aquele crucificado, condenado e excomungado. Eles acreditavam
em outro Deus.
Crer com a fé de
Jesus
Porém, os discípulos que redescobriram em Jesus o rosto de Deus (como o Deus de
Jesus) compreenderam que Jesus era o Filho, o Senhor, a Verdade, o Caminho, a
Vida, o Alfa, o Ômega. A morte não tinha nenhum poder sobre ele. Estava vivo.
Havia ressuscitado. E não podiam senão confessá-lo e “segui-lo”, “aderindo à
sua Causa”, obedecendo a Deus antes que aos homens, ainda que custasse a vida.
Trata-se de crer que a ressurreição não é para eles a afirmação de um fato
físico-histórico, que aconteceu ou não, nem uma verdade teórica abstrata (a
vida pós-morte), mas a afirmação contundente da validez suprema da Causa de Jesus,
à altura mesma de Deus (à direita de Deus Pai), pela qual é necessário viver e
lutar até a doação da própria vida.
E se nossa fé reproduz realmente a fé de Jesus (sua visão da vida, sua opção
diante da história, sua atitude diante dos pobres... ), será tão conflitiva
como o foi na pregação dos apóstolos ou na vida mesma de Jesus.
Se, no entanto, reduzimos a ressurreição de Jesus a um símbolo universal da
vida pós-morte, ou à simples afirmação de uma vida para além da morte, ou a um
fato físico-histórico que ocorreu há vinte séculos... então essa ressurreição
fica esvaziada do conteúdo que teve em Jesus e já não diz nada a ninguém, nem
irrita os poderes deste mundo, mas chega até a desmotivar ou desmobilizar o
seguimento e o compromisso pala Causa de Jesus.
O importante não é crer em Jesus, mas crer como Jesus. Não é ter fé em Jesus,
mas ter a fé de Jesus: sua atitude diante da história, sua opção pelos pobres,
sua proposta, sua luta decidida, sua Causa...
Crer lucidamente em Jesus na América Latina, ou neste Continente “cristão”,
onde a notícia de sua ressurreição já não irrita a tantos que invocam seu nome
para justificar inclusive as atitudes contrarias às de Jesus, implica voltar a
descobrir o Jesus histórico e o sentido da fé na ressurreição.
Crendo com essa fé de Jesus, as “coisas de cima” e as da terra não são já duas
direções opostas, nem sequer distintas. As “coisas de cima” são da Terra Nova
que está enxertada já aqui embaixo. É preciso fazê-la nascer no doloroso parto
da História, sabendo que nunca será fruto adequado de nossa planificação, mas
dom gratuito daquele que vem. Buscar as “coisas de cima” não é esperar
passivamente que soe a hora escatológica (que já soou na ressurreição de
Jesus), mas tornar realidade em nosso mundo o Reinado do Ressuscitado e sua
Causa: Reino de vida, de Justiça, de Amor e de Paz.
Oração comunitária:
Ó Deus, origem e fonte de nossa vida, que nos enches de alegria por ocasião das
festas da Páscoa, ajuda-nos. Renovados pela grande alegria experimentada pela
comunidade, queremos trabalhar sempre para vencer a morte e fazer crescer a
vida, até que a experimentemos em sua consumação plena. Por teu Filho Jesus,
morto e ressuscitado. Amém.
Complementamos a
reflexão com este soneto de Pedro Casaldáliga:
“Eu mesmo O verei”
E seremos nós, para sempre,
como és Tu o que foste, em nossa terra,
companheiro de todos os caminhos.
Seremos o que somos,
para sempre,
porém gloriosamente restaurados,
como são tuas essas cinco chagas,
imprescritivelmente gloriosas.
Como Tu és o que
foste, humano, irmão,
exatamente igual na tua morte,
Jesus, o mesmo e totalmente outro,
Assim seremos para
sempre, exatos,
o que fomos, somos e seremos,
totalmente outros, porém, tão nós mesmos.