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Setembro 2020
ANO A
23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 23º Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo sugere-nos uma
reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam.
Afirma, claramente, que ninguém pode ficar indiferente diante daquilo que
ameaça a vida e a felicidade de um irmão e que todos somos responsáveis uns
pelos outros.
A primeira leitura fala-nos do profeta como uma "sentinela", que Deus
colocou a vigiar a cidade dos homens. Atento aos projectos de Deus e à
realidade do mundo, o profeta apercebe-se daquilo que está a subverter os
planos de Deus e a impedir a felicidade dos homens. Como sentinela responsável
alerta, então, a comunidade para os perigos que a ameaçam.
O Evangelho deixa clara a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar
consciência dos seus erros. Trata-se de um dever que resulta do mandamento do
amor. Jesus ensina, no entanto, que o caminho correcto para atingir esse
objectivo não passa pela humilhação ou pela condenação de quem falhou, mas pelo
diálogo fraterno, leal, amigo, que revela ao irmão que a nossa intervenção
resulta do amor.
Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Roma (e de todos os lugares e
tempos) a colocar no centro da existência cristã o mandamento do amor. Trata-se
de uma "dívida" que temos para com todos os nossos irmãos, e que
nunca estará completamente saldada.
LEITURA I - Ez 33,7-9
Leitura da Profecia de Ezequiel
Eis o que diz o Senhor:
«Filho do homem,
coloquei-te como sentinela na casa de Israel.
Quando ouvires a palavra da minha boca,
deves avisá-los da minha parte.
Sempre que Eu disser ao ímpio: 'Ímpio, hás-de morrer',
e tu não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho,
o ímpio morrerá por causa da sua iniquidade,
mas Eu pedir-te-ei contas da sua morte.
Se tu, porém, avisares o ímpio,
para que se converta do seu caminho,
e ele não se converter,
morrerá nos seus pecados,
mas tu salvarás a tua vida».
AMBIENTE
Ezequiel é conhecido como "o profeta da
esperança". Desterrado na Babilónia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin,
quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a
Babilónia a classe dirigente do país), Ezequiel exerce aí a sua missão
profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu
chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de
Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilónia).
Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao
contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar... Eles não só
não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam
a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já
estão desterrados na Babilónia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e
prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados
de templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam
da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a
esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e
libertador - esse Deus que Israel descobriu na sua história - não os abandonou
nem esqueceu.
Pelo conteúdo, não é possível dizer de forma clara se o texto que hoje nos é
proposto como primeira leitura pertence à primeira ou à segunda fase da
actividade profética de Ezequiel. Em qualquer caso, ele define - recorrendo à
imagem da sentinela - a missão profética: o profeta é, entre os exilados, como
uma sentinela atenta, que escuta os apelos de Deus e que avisa o Povo dos perigos
que aparecem no horizonte da comunidade.
MENSAGEM
A imagem da sentinela aplicada ao profeta não
é nova. Já Habacuc (cf. Hab 2,1), Isaías (cf. 21,6), Jeremias (cf. Jer 6,17) e
mesmo Oseias (cf. Os 5,8) recorrem a esta figura para definir a missão profética.
O que é que significa dizer que o profeta é uma "sentinela"? A
sentinela é o vigilante atento que, enquanto os outros descansam, perscruta o
horizonte e procura detectar o perigo que ameaça a sua cidade, os seus
concidadãos, os seus camaradas de armas. Quando pressente o perigo, tem a
obrigação de dar o alarme. Dessa forma, a comunidade poderá preparar-se para
enfrentar o desafio que o inimigo lhe vai colocar. Se a sentinela não vigiar ou
se não der o alarme, será responsável pela catástrofe que atingiu o seu Povo.
Assim é o profeta. Ele é esse guarda que Jahwéh colocou no meio da comunidade
do Povo de Deus, para perscrutar atentamente o horizonte da história e da vida
do Povo e para dar o alarme sempre que a comunidade corre riscos.
Para que o profeta seja uma sentinela eficiente, ele tem de ser,
simultaneamente, um homem de Deus e um homem atento ao mundo que o rodeia.
O profeta é, antes de mais, um homem que Jahwéh chamou ao seu serviço. Eleito
por Jahwéh, chamado para o serviço de Jahwéh, ele vive em comunhão com Deus; e
nessa intimidade que vai criando com Deus, ele descobre a vontade de Deus e
aprende a discernir os projectos que Deus tem para os homens e para o mundo. Ao
mesmo tempo, o profeta é um homem do seu tempo, mergulhado na realidade e nos
desafios da sociedade em que está integrado; conhece o mundo e é capaz de ler,
numa perspectiva crítica, os problemas, os dramas e as infidelidades dos seus
contemporâneos.
Ao contemplar os planos de Deus e a vida do mundo, o profeta dá-se conta do
desfasamento entre uma realidade e outra. Apercebe-se de que a realidade da
vida dos homens é muito diferente dessa realidade que Deus projectou.
Diante disto, o que é que o profeta faz? Sacode a água do capote e diz que não
é nada com ele? Fecha-se no seu mundo cómodo e ignora as infidelidades dos
homens aos projectos de Deus? Demite-se das suas responsabilidades e não se
incomoda com as escolhas erradas que os seus irmãos fazem?
Não. O profeta recebeu um mandato de Deus para alertar a comunidade para os
perigos que a ameaçam. Custe o que custar, doa a quem doer, o profeta tem que
dizer a todos - mesmo que os seus concidadãos não o compreendam ou recusem
escutá-lo - que continuar a trilhar esses caminhos errados não pode senão
conduzir à infelicidade, ao sofrimento, à morte.
O profeta/sentinela é, em última análise, um sinal vivo - mais um - do amor de
Jahwéh pelo seu Povo. É Deus que o chama, que o envia em missão, que lhe dá a
coragem de testemunhar, que o apoia nos momentos de crise, de desilusão e de
solidão... O profeta/sentinela é a prova de que Deus, cada dia, continua a
oferecer ao seu Povo caminhos de salvação e de vida. O profeta/sentinela
demonstra, sem margem para dúvidas, que Deus
não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir das seguintes questões:
• E hoje? Deus continua a amar o seu Povo?
Continua a querer que ele se converta e viva? Continua a preocupar-Se em
oferecer ao seu Povo a salvação - isto é, a possibilidade de ser feliz neste
mundo e de alcançar, no final da sua caminhada nesta terra, a vida definitiva?
O Deus de ontem não será o Deus de hoje e de amanhã?
• Na verdade, Ele continua a chamar, todos os
dias, profetas/sentinelas que alertem o mundo e os homens. Pelo Baptismo, todos
nós fomos constituídos profetas. Recebemos do nosso Deus a missão de dizer aos
nossos irmãos que certos valores que o mundo cultiva e endeusa são responsáveis
por muitos dos dramas que afligem os homens. Temos consciência de que recebemos
de Deus uma missão profética e que essa missão nos compromete com a denúncia do
que está errado no mundo e na vida dos homens?
• O que é que devemos denunciar? Tudo aquilo
que contradiz os projectos de Deus. Portanto, o profeta/sentinela tem de ser
alguém que vive em comunhão com Deus, que medita a Palavra de Deus, que dialoga
com Deus e que, nessa intimidade, vai percebendo o que Deus quer para os homens
e para o mundo. Aliás, é dessa relação forte com Deus que o profeta/sentinela
tira também a coragem para falar, para denunciar, para agir. Portanto,
dificilmente seremos fiéis à nossa missão profética sem um relacionamento forte
com Deus. Encontro tempo para potenciar a relação com Deus, para falar com
Deus, para escutar e meditar a sua Palavra?
• É preciso também que o profeta/sentinela
desenvolva uma consciência crítica sobre o mundo que o rodeia. Ele tem de estar
atento aos acontecimentos da vida nacional e internacional (o profeta tem de
ouvir as notícias e ler o jornal!), tem de conhecer a fundo as questões que os
homens debatem (senão, a sua intervenção dificilmente será levada a sério); e
tem, especialmente, de aprender a ler os acontecimentos à luz de Deus e do
projecto de Deus. Estou atento aos sinais dos tempos e procuro analisá-los a
partir de uma perspectiva de fé?
• É preciso, finalmente, que o
profeta/sentinela não se acomode no seu cantinho cómodo, demitindo-se das suas
responsabilidades. Tudo o que se passa no mundo, tudo o que afecta a vida de um
homem ou de uma mulher, diz respeito ao profeta. Podemos ficar calados diante
das escolhas erradas que o mundo faz? O nosso silêncio não nos tornará
cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam ao sofrimento e à
miséria tantos homens e mulheres?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 94 (95)
Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.
Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso Salvador.
Vamos à sua presença e dêmos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.
Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou.
Pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.
Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras».
LEITURA II - Rom 13,8-10
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Romanos
Irmãos:
Não devais a ninguém coisa alguma,
a não ser o amor de uns para com os outros,
pois, quem ama o próximo, cumpre a lei.
De facto, os mandamentos que dizem:
«Não cometerás adultério, não matarás,
não furtarás, não cobiçarás»,
e todos os outros mandamentos,
resumem-se nestas palavras:
«Amarás ao próximo como a ti mesmo».
A caridade não faz mal ao próximo.
A caridade é o pleno cumprimento da lei.
AMBIENTE
Continuamos a ler a segunda parte da Carta aos
Romanos (cf. Rom 12,1-15,13). Aí, Paulo mostra - em termos práticos - como
devem viver aqueles que Deus chama à salvação.
Deus oferece a todos a salvação; ao homem resta acolher o dom de Deus, aderindo
a Jesus e à sua proposta... Mas a adesão a Jesus implica assumir, na prática do
dia a dia, atitudes coerentes com essa vida nova que o cristão acolheu no dia
do seu baptismo. São essas atitudes que Paulo recomenda aos romanos (e aos
crentes em geral) nesta segunda parte da carta.
No ano 49, o imperador Cláudio tinha publicado um édito que expulsava de Roma
os judeus (incluindo os cristãos de origem judaica). Ora em 57/58 (quando a
Carta aos Romanos foi escrita), muitos desses judeus tinham já voltado a Roma.
Será que os cristãos de origem pagã, "donos" da comunidade durante
bastante tempo, ostentavam a sua superioridade e manifestavam desprezo pelos
cristãos de origem judaica entretanto regressados a Roma? Será que, por essa
razão, havia divisões e falta de amor na comunidade de Roma? Nessas
circunstâncias, Paulo teria escrito uma "carta de reconciliação",
destinada a unir uma comunidade dividida. O apelo ao amor que o nosso texto nos
apresenta poderia entender-se neste contexto.
MENSAGEM
Paulo exorta os crentes de Roma a construir
toda a sua vida sobre o amor. O cristianismo sem amor é uma mentira. Os
cristãos não podem nunca deixar de amar os seus irmãos.
Essa exigência, contudo, nunca estará completamente realizada... Qualquer
dívida pode ser liquidada de uma vez; mas o amor não: em cada instante é
preciso amar e amar sempre mais. O cristão nunca poderá cruzar os braços e
dizer que já ama o suficiente ou que já amou tudo: ele tem uma dívida eterna de
amor para com os seus irmãos.
O amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do
amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não
passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A ideia - aqui expressa
- de que toda a Lei se resume no amor não é uma "invenção" de Paulo,
mas é uma constante na tradição bíblica (cf. Mt 22,34-40).
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os seguintes
desenvolvimentos:
• Na última ceia, despedindo-se dos
discípulos, Jesus resumiu desta forma a proposta que veio apresentar aos homens:
"amai-vos uns aos outros como Eu vos amei" (Jo 15,12). Este não é
"mais um mandamento", mas é "o mandamento" de Jesus.
Entretanto, algures durante a nossa caminhada pela história, esquecemos "o
mandamento" de Jesus e distraímo-nos com questões secundárias...
Preocupamo-nos em discutir ritos litúrgicos, problemas de organização e de
autoridade, códigos de leis, questões de
disciplina... e esquecemos "o mandamento" do amor. Já é tempo de
voltarmos ao essencial. O cristão é aquele que, como Cristo, ama sem cálculo,
sem contrapartidas, sem limite, sem medida. Na nossa experiência cristã, só o
amor é essencial; tudo o resto é secundário.
• As nossas comunidades cristãs, a exemplo da
primitiva comunidade cristã de Jerusalém, deviam ser comunidades fraternas onde
se notam as marcas do amor. Os que estão de fora deviam olhar para nós e dizer:
"eles são diferentes, são uma mais valia para o mundo, porque amam mais do
que os outros". É isso que acontece? Quem contempla as nossas comunidades,
descobre as marcas do amor, ou as marcas da insensibilidade, do egoísmo, do
confronto, do ciúme, da inveja? Os estrangeiros, os doentes, os necessitados,
os débeis, os marginalizados são acolhidos nas nossas comunidades com
solicitude e amor?
• É importante sentirmos que a nossa dívida de
amor nunca está paga. Podemos, todos os dias, realizar gestos de partilha, de
serviço, de acolhimento, de reconciliação, de perdão... mas é preciso, neste
campo, ir sempre mais além. Há sempre mais um irmão que é preciso amar e
acolher; há sempre mais um gesto de solidariedade que é preciso fazer; há
sempre mais um sorriso que podemos partilhar; há sempre mais uma palavra de
esperança que podemos oferecer a alguém. Sobretudo, é preciso que sintamos que
a nossa caminhada de amor nunca está concluída.
ALELUIA - 2Cor 5,19
Aleluia. Aleluia.
Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo
e confiou-nos a palavra da reconciliação.
EVANGELHO - Mt 18,15-20
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Se o teu irmão te ofender,
vai ter com ele e repreende-o a sós.
Se te escutar, terás ganho o teu irmão.
Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas,
para que toda a questão fique resolvida
pela palavra de duas ou três testemunhas.
Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja;
e se também não der ouvidos à Igreja,
considera-o como um pagão ou um publicano.
Em verdade vos digo:
Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu;
e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.
Digo-vos ainda:
Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa,
ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus.
Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome,
Eu estou no meio deles».
AMBIENTE
O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é
conhecido como o "discurso eclesial". Apresenta uma catequese de
Jesus sobre a experiência de caminhada em comunidade. Aqui, Mateus ampliou de
forma significativa algumas instruções apresentadas por Marcos sobre a vida
comunitária (cf. Mc 9,33-37. 42-47) e compôs, com esses materiais, um dos cinco
grandes discursos que o seu Evangelho nos apresenta. Os destinatários desta
"instrução" são os discípulos e, através deles, a comunidade a que o
Evangelho de Mateus se dirige.
A comunidade de Mateus é uma comunidade "normal" - isto é, é uma
comunidade parecida com qualquer uma das que nós conhecemos. Nessa comunidade
existem tensões entre os diversos grupos e problemas de convivência: há irmãos
que se julgam superiores aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares;
há irmãos que tomam atitudes prepotentes e que escandalizam os pobres e os
débeis; há irmãos que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos
que têm dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros... Para
responder a este quadro, Mateus elaborou uma exortação que convida à
simplicidade e humildade, ao acolhimento dos pequenos, dos pobres e dos
excluídos, ao perdão e ao amor. Ele desenha, assim, um "modelo" de
comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de
ser uma família de irmãos, que vive em harmonia, que dá atenção aos pequenos e
aos débeis, que escuta os apelos e os conselhos do Pai e que vive no amor.
MENSAGEM
O fragmento do "discurso eclesial"
que nos é hoje proposto refere-se, especialmente, ao modo de proceder para com
o irmão que errou e que provocou conflitos no seio da comunidade. Como é que os
irmãos da comunidade devem proceder, nessa situação? Devem condenar, sem mais,
e marginalizar o infractor?
Não. Neste quadro, as decisões radicais e fundamentalistas raramente são
cristãs. É preciso tratar o problema com bom senso, com maturidade, com
equilíbrio, com tolerância e, acima de tudo, com amor. Mateus propõe um caminho
em várias etapas...
Em primeiro lugar, Mateus propõe um encontro com esse irmão, em privado, e que
se fale com ele cara a cara sobre o problema (vers. 15). O caminho correcto não
passa, decididamente, por dizer mal "por trás", por publicitar a
falta, por criticar publicamente (ainda que não se invente nada), e muito menos
por espalhar boatos, por caluniar, por difamar. O caminho correcto passa pelo
confronto pessoal, leal, honesto, sereno, compreensivo e tolerante com o irmão
em causa.
Se esse encontro não resultar, Mateus propõe uma segunda tentativa. Essa nova
tentativa implica o recurso a outros irmãos ("toma contigo uma ou duas
pessoas" - diz Mateus - vers. 16) que, com serenidade, sensibilidade e bom
senso, sejam capazes de fazer o infractor perceber o sem sentido do seu
comportamento.
Se também essa tentativa falhar, resta o recurso à comunidade. A comunidade
será então chamada a confrontar o infractor, a recordar-lhe as exigências do
caminho cristão e a pedir-lhe uma decisão (vers. 16a).
No caso de o infractor se obstinar no seu comportamento errado, a comunidade
terá que reconhecer, com dor, a situação em que esse irmão se colocou a si
próprio; e terá de aceitar que esse comportamento o colocou à margem da
comunidade. Mateus acrescenta que, nesse caso, o faltoso será considerado como
"um pagão ou um cobrador de impostos" (vers. 17b). Isto significa que
os pagãos e os cobradores de impostos não têm lugar na comunidade de Mateus?
Não. Ao usar este exemplo, o autor deste texto não pretende referir-se a
indivíduos, mas a situações. Trata-se de imagens tipicamente judaicas para
falar de pessoas que estão instaladas em situações de erro, que se obstinam no
seu mau proceder e que recusam todas as oportunidades de integrar a comunidade
da salvação.
A Igreja tem o direito de expulsar os pecadores? Mateus não sugere aqui, com
certeza, que a Igreja possa excluir da comunhão qualquer irmão que errou. Na
realidade, a Igreja é uma realidade divina e humana, onde coexistem a santidade
e o pecado. O que Mateus aqui sugere é que a Igreja tem de tom
ar posição quando algum dos seus membros, de forma consciente e obstinada,
recusa a proposta do Reino e realiza actos que estão frontalmente contra as
propostas que Cristo veio trazer. Nesse caso, contudo, nem é a Igreja que
exclui o prevaricador: ele é que, pelas suas opções, se coloca decididamente à
margem da comunidade. A Igreja tem, no entanto, que constatar o facto e agir em
consequência.
Depois desta instrução sobre a correcção fraterna, Mateus acrescenta três
"ditos" de Jesus (cf. Mt 18,18-20) que, originalmente, seriam
independentes da temática precedente, mas que Mateus encaixou neste contexto.
O primeiro (vers. 18) refere-se ao poder, conferido à comunidade, de
"ligar" e "desligar". Entre os judeus, a expressão
designava o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era
ou não permitido e para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de
Deus; aqui, significa que a comunidade (algum tempo antes - cf. Mt 16,19 -
Jesus dissera estas mesmas palavras a Pedro; mas aí Pedro representava a
totalidade da comunidade dos discípulos) tem o poder para interpretar as
palavras de Jesus, para acolher aqueles que aceitam as suas propostas e para
excluir aqueles que não estão dispostos a seguir o caminho que Jesus propôs.
O segundo (vers. 19) sugere que as decisões graves para a vida da comunidade
devem ser tomadas em clima de oração. Assegura aos discípulos, reunidos em
oração, que o Pai os escutará.
O terceiro (vers. 20) garante aos discípulos a presença de Jesus "no
meio" da comunidade. Neste contexto, sugere que as tentativas de correcção
e de reconciliação entre irmãos, no seio da comunidade, terão o apoio e a
assistência de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão e partilha, considerar as
seguintes questões:
• A palavra "tolerância" é uma
palavra profundamente cristã, que sugere o respeito pelo outro, pelas suas
diferenças, até pelos seus erros e falhas. No entanto, o que significa
"tolerância"? Significa que cada um pode fazer o mal ou o bem que
quiser, sem que tal nos diga minimamente respeito? Implica recusarmo-nos a
intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a
dignidade, os direitos dos outros? Quer dizer que devemos ficar indiferentes
quando alguém assume comportamentos de risco, porque ele "é maior e
vacinado" e nós não temos nada com isso? Quais são as fronteiras da
"tolerância"? Diante de alguém que se obstina no erro, que destrói a
sua vida e a dos outros, devemos ficar de braços cruzados? Até que ponto vai a
nossa responsabilidade para com os irmãos que nos rodeiam? A "tolerância"
não será, tantas vezes, uma desculpa que serve para disfarçar a indiferença, a
demissão das responsabilidades, o comodismo?
• O Evangelho deste domingo sugere a nossa
responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros.
Convida-nos a respeitar o nosso irmão, mas a não pactuar com as atitudes
erradas que ele possa assumir. Amar alguém é não ficar indiferente quando ele
está a fazer mal a si próprio; por isso, amar significa, muitas vezes,
corrigir, admoestar, questionar, discordar, interpelar... É preciso amar muito
e respeitar muito o outro, para correr o risco de não concordar com ele, de lhe
fazer observações que o vão magoar; no entanto, trata-se de uma exigência que
resulta do mandamento do amor...
• Que atitude tomar em relação a quem erra?
Como proceder? Antes de mais, é preciso evitar publicitar os erros e as falhas
dos outros. O denunciar publicamente o erro do irmão, pode significar
destruir-lhe a credibilidade e o bom-nome, a paz e a tranquilidade, as relações
familiares e a confiança dos amigos. Fazer com que alguém seja julgado na praça
pública - seja ou não culpado - é condená-lo antecipadamente, é não dar-lhe a
possibilidade de se defender e de se explicar, é restringir-lhe o direito de
apelar à misericórdia e à capacidade de perdão dos outros irmãos. Humilhar o
irmão publicamente é, sobretudo, uma grave falta contra o amor. É por isso que
o Evangelho de hoje convida a ir ao encontro do irmão que falhou e a
repreendê-lo a sós...
• Sobretudo, é preciso que a nossa intervenção
junto do nosso irmão não seja guiada pelo ódio, pela vingança, pelo ciúme, pela
inveja, mas seja guiada pelo amor. A lógica de Deus não é a condenação do
pecador, mas a sua conversão; e essa lógica devia estar sempre presente, quando
nos confrontamos com os irmãos que falharam. O que é que nos leva, por vezes, a
agir e a confrontar os nossos irmãos com os seus erros: o orgulho ferido, a
vontade de humilhar aquele que nos magoou, a má vontade, ou o amor e a vontade
de ver o irmão reencontrar a felicidade e a paz?
• A Igreja tem o direito e o dever de
pronunciar palavras de denúncia e de condenação, diante de actos que afectam
gravemente o bem comum... No entanto, deve distinguir claramente entre a pessoa
e os seus actos errados. As acções erradas devem ser condenadas; os que
cometeram essas acções devem ser vistos como irmãos, a quem se ama, a quem se
acolhe e a quem se dá sempre outra oportunidade de acolher as propostas de
Jesus e de integrar a comunidade do Reino.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO
DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PRIVILEGIAR O TEMPO DO ACOLHIMENTO.
É o recomeço. A maior parte dos fiéis estão agora de regresso à paróquia. Será
bom privilegiar o tempo do acolhimento, em particular dos novos paroquianos.
Depois do sinal da cruz, da saudação e da introdução à celebração, o presidente
pode convidar cada um a saudar os seus vizinhos de lugar. Pode igualmente pedir
aos novos paroquianos para se apresentarem e acolhê-los em nome de toda a
comunidade. Será igualmente bom privilegiar o gesto de paz. O presidente dá a
paz a algumas pessoas que vêm ao altar. A paz é em seguida transmitida
progressivamente por esse grupo e cada um dá a paz a outra pessoa, depois de a
ter recebido simbolicamente. Saudar-se, dar a paz... tal deve continuar depois
da celebração. Isso deve ser expresso nas palavras finais de envio. Se possível,
pode-se organizar um pequeno convívio após a celebração.
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Bendito sejas, Deus de santidade, que nos chamas a ser santos como Tu mesmo és
santo. Nós Te louvamos pelos profetas que nos envias em todo o tempo como
sentinelas, para vigiar o nosso caminho e para nos guiar.
Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: que o teu Espírito nos
purifique das más condutas que desvalorizam o nosso testemunho.
No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças, Deus de amor, pela Lei viva que nos deste em Jesus e pelos
teus apóstolos. Ela é comunicação do teu Espírito. Nós reconhecemos a imensa dívida
de amor que temos para contigo.
Nós Te pedimos: mantém-nos receptivos ao teu Espírito de amor. Que ele nos
torne conscientes da dívida de mútuo amor de uns para com os outros.
No final do Evangelho:
Deus justo e bom, se eu não interpelar o irmão ou a irmã que se perde, estou em
dívida para contigo, porque me torno cúmplice do mal que não me esforço de
impedir.
Que o teu Espírito seja para mim fonte de discernimento e de coragem!
4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II das Assembleias com Crianças, que
evoca com insistência o amor ao próximo e a comunhão fraterna aos quais nos
convidam a segunda leitura e o Evangelho de hoje.
5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Ser sentinela... A religião cristã não é um simples assunto pessoal que só a nós
diz respeito e que nos desinteressa dos outros. "Sentinela": qual é o
cuidado missionário que está em nós para transmitir a Palavra do Senhor aos
nossos irmãos? O nosso amor para com eles é suficientemente forte para os
convidar a uma mudança de conduta, se necessário? "Sentinelas": o
amor ao próximo é para nós uma dinâmica de conversão pessoal e comunitária?
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
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