Comentários Prof.Fernando* 11ºpós-Pentec.ou 19º
do tempo Comum
9 de agosto
de 2015
Pedaços de vida e vidas despedaçadas
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Nas últimas semanas me morreram vários amigos e
conhecidos. Ainda ontem fui à despedida de A. para dar um abraço à sua mulher e a seus filhos. Eles
cresceram junto com os meus, na mesma rua de boa parte de suas infâncias. Nesta
semana também todos acompanhamos (mais uma vez horrorizados) as recordações dos
sobreviventes, as matérias na TV e nos jornais – reportagens e análises daquele
terrível 6 de agosto de 1945. Nas ilhas do oceano que um dia foi chamado de Pacífico
continuava a carnificina que arrebentava corpos e almas de soldados americanos
e japoneses. Em Hiroshima e Nagasaki as vitimas não eram soldados, mas idosos,
crianças e as mães, esposas e filhos dos que foram para a guerra. Em dois
altares de poucos kilos de urânio e plutônio foram sacrificadas as vítimas em
número de 70 mil – na hora, outro tanto até o fim daquele ano e outro tanto nas
várias décadas seguintes.
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O impacto da morte natural e da outra, ainda mais
intolerável 9porque escolhida e decidida pelos dirigentes da guerra) levam-nos
a meditar nos textos deste domingo sobre os fios que tecemos como pequenas
aranhas, no espaço-tempo.
Elias, profeta desanimado, acaba aceitando alimentar-se com o
pão do amigo
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(cf. livro 1 dos Reis, cap.19). Andando pelo deserto ele está cansado.
Senta-se. E deseja morrer. Adormece, mas é despertado pelo Mensageiro de
seu Deus: Levanta-te e come. Viu um
pão e uma jarra de água). Comeu, bebeu, mas voltou a dormir. Retorna o anjo: tens um longo caminho a percorrer. Depois de
comer e beber andou 40 dias e 40 noites.
Paulo diz que temos “cobertura total “(melhor ainda: o
“seguro” é gratuito)
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(cf. carta aos cristãos de Éfeso 4,30 até 5,2): não entristeçam o Espírito Santo de
Deus (por ele marcados com um selo = vocês são sua propriedade) para o dia
da Libertação (de todos os pecados, doenças e problemas desta vida). Toda
amargura, ira, indignação, gritaria e palavra blasfema sejam removidas para
longe de vocês, bem como toda malícia. Mas sejam bondosos e compassivos
uns com os outros. Perdoem como Deus lhes perdoou em Cristo. Assim vocês
imitarão Deus, como filhos muito amados.
O pão alimenta quem precisa viver (João cap.6)
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João é o evangelho da Encarnação (No princípio era
o Verbo... e se fez Carne – cap.1). João mostra nessa discussão que o Deus que
decidiu ser Homem é rejeitado pelos seus contemporâneos porque eles não aceitam
sua humanidade (veio para o que era seu e os seus não o receberam – idem). O
descrédito vinha exatamente porque não podiam ver que “descera do céu”
exatamente aquele homem cujos pais eles conheciam, cuja profissão, vida,
origens conheciam. Como é que pode? Afinal seus antepassados tinham comido o
Maná no deserto (este, sim, pão que veio do céu!). O Mestre porém contra-argumenta:
mas... morreram... como quem diz: como é que pode ser do céu um pão que não
garante a Vida? (vossos pais comeram o
maná... e morreram )Mas Eu sou o pão vivo. E é um pão que garante a Vida.
No capítulo 6 de João a questão central: murmuravam
porque dissera: ‘Eu sou o pão que desceu do céu’; e perguntavam: ‘Mas esse não
é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como então diz: Desci do
céu?’ Resposta: Eu sou o pão da vida.
Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do
céu, para que não morra todo aquele que dele comer. Eu sou o pão vivo que
desceu do céu. Quem dele comer viverá eternamente.
Viver é saciar muitas fomes e muitas sedes
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Deus “desceu” do céu: em que pese a figura espacial
(das “alturas” do céu até nossa pobre Terra) “Céu” indica a morada de Deus, ou
o próprio mundo divino, ou melhor, o próprio Criador. Encarnação, como insiste João
em seus escritos: fez-se Carne. Tornou-se “um de nós” na História, no Mundo. A “resposta”
humana ao dom divino passa pela aceitação da Encarnação e pelo reconhecimento
do Pão vivo que “desceu do céu” prometido a toda a humanidade. Isso não serve
só para os cristãos. Encarnados na História e neste mundo cabe a todo ser humano
reconhecer os sinais da presença do Criador e Pai. Os adversários do Mestre praticavam
uma religião que tinha obrigação de ser “luz para todas as nações”. Mas,
exatamente por serem muito “religiosos”, julgavam-se garantidos pelas glórias
de seu passado. Acabaran “congelados”, escravos dos ritos e doutrinas. Jesus sacudiu
suas certezas: mesmo comendo o maná os seus antepassados morreram. O que vem “do
céu” não deixa morrer.
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Para Elias o “pão” oferecido pelo Mensageiro de
Deus é capaz de matar fome e sede na caminhada deste mundo (simbolizada no
atravessar o deserto). A vida humana (símbolo= 40 dias e 40 noites), conforme
insiste Paulo já está “marcada” ou “selada” para chegar à plenitude,
realizar-se completamente. No texto grego: “apolytrósis” é “resgate (lýtron)
pago”; o verbo (“apolytróo”) = “livrar alguém da escravidão, comprando sua
liberdade. Deus não gosta da escravidão: todos podem ter a “carta de alforria”.
No vocabulário bíblico “dia da Libertação” é a consumação, o auge da perfeição
(no espaço-tempo muita coisa se agarra como crustáceos ao que flutua no mar). Tens um longo caminho a percorrer, dizia
o Mensageiro a Elias. O “dia da Libertação” limpará os “crustáceos” agarrados ao
ser humano: fim das dores e feridas, das doenças (como a de meu amigo que
morreu) e de todos os desastres (como os de Hiroshima e das guerras atuais). No
vocabulário cristão isso tem o nome de “ressurreição”.
“Quem comer desse pão viverá para
sempre”
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Qual o sentido profundo da expressão? É muito comum
reduzi-la à linguagem religiosa indicando: rezar, celebrar eucaristia,
comungar, frequentar igreja, “alimentar-se” de práticas próprias desta ou
daquela religião, igreja, tradição, etc. Mas seu significado primeiro, no
contexto dos evangelhos, particularmente em João é: 1) Crer (na Boa Nova anunciada
pelo Mestre de Nazaré que a “do céu”, como o Filho que recebeu esta missão do
Pai). Quem crê na Boa Notícia quer praticá-la e acaba sendo “discípulo”. 2)
viver como “imitadores de Deus” – expressão de Paulo – é afastar toda malícia,
sendo compassivo e misericordioso. É na força desse pão que se consegue caminhar
(Elias) 40 dias e 40 noites (a vida).
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Ser discípulo (cf. J.Vitório) é deixar-se guiar
pela palavra do Mestre, ser sensível ao movimento que vem “do céu” (dado pelo
Espírito de Deus): “ninguém pode vir a
mim se o Pai não o atrair e eu o ressuscitarei no último dia – como escreveram
os profetas: ‘todos serão ensinados por Deus’. Assim, todo aquele que ouviu o
Pai e foi por ele instruído, vem a mim”(versos 44-45).
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Podemos então concluir: as religiões e suas
práticas só fazem sentido na medida em que ajudem a “prestar atenção” e
perceber a inspiração do Pai. Para saber viver.
Como fez Elias. Como orientou Paulo.
Como viveu Jesus de Nazaré.
ooooooooo ( * ) Prof.(1975-2012-Edu/Teo/Fil)
fesomor2@gmail.com
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