24/07/2016
ANO C
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema
do 17º Domingo do Tempo Comum
O tema fundamental que
a liturgia nos convida a reflectir, neste domingo, é o tema da oração. Ao
colocar diante dos nossos olhos os exemplos de Abraão e de Jesus, a Palavra de
Deus mostra-nos a importância da oração e ensina-nos a atitude que os crentes
devem assumir no seu diálogo com Deus.
A primeira leitura sugere que a
verdadeira oração é um diálogo “face a face”, no qual o homem – com humildade,
reverência, respeito, mas também com ousadia e confiança – apresenta a Deus as
suas inquietações, as suas dúvidas, os seus anseios e tenta perceber os
projectos de Deus para o mundo e para os homens.
O Evangelho senta-nos no banco da
“escola de oração” de Jesus. Ensina que a oração do crente deve ser um diálogo
confiante de uma criança com o seu “papá”. Com Jesus, o crente é convidado a
descobrir em Deus “o Pai” e a dialogar frequentemente com Ele acerca desse
mundo novo que o Pai/Deus quer oferecer aos homens.
A segunda leitura, sem aludir
directamente ao tema da oração, convida a fazer de Cristo a referência
fundamental (neste contexto de reflexão sobre a oração, podemos dizer que
Cristo tem de ser a referência e o modelo do crente que reza: quer na
frequência com que se dirige ao Pai, quer na forma como dialoga com o Pai).
LEITURA
I – Gen 18,20-32
Leitura do Livro do
Génesis
Naqueles
dias, disse o Senhor:
«O
clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte,
o
seu pecado é tão grave
que
Eu vou descer para verificar
se
o clamor que chegou até Mim
corresponde
inteiramente às suas obras.
Se
sim ou não, hei-de sabê-lo».
Os
homens que tinham vindo à residência de Abraão
dirigiram-se
então para Sodoma,
enquanto
o Senhor continuava junto de Abraão.
Este
aproximou-se e disse:
«Irás
destruir o justo com o pecador?
Talvez
haja cinquenta justos na cidade.
Matá-los-ás
a todos?
Não
perdoarás a essa cidade,
por
causa dos cinquenta justos que nela residem?
Longe
de Ti fazer tal coisa:
dar
a morte ao justo e ao pecador,
de
modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte!
Longe
de Ti!
O
juiz de toda a terra não fará justiça?»
O
Senhor respondeu-lhe:
«Se
encontrar em Sodoma cinquenta justos,
perdoarei
a toda a cidade por causa deles».
Abraão
insistiu:
«Atrevo-me
a falar ao meu Senhor,
eu
que não passo de pó e cinza:
talvez
para cinquenta justos faltem cinco.
Por
causa de cinco, destruirás toda a cidade?»
O
Senhor respondeu:
«Não
a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos».
Abraão
insistiu mais uma vez:
«Talvez
não se encontrem nela mais de quarenta».
O
Senhor respondeu:
«Não
a destruirei em atenção a esses quarenta».
Abraão
disse ainda:
«Se
o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez:
talvez
haja lá trinta justos».
O
Senhor respondeu:
«Não
farei a destruição, se lá encontrar esses trinta».
Abraão
insistiu novamente:
«Atrevo-me
ainda a falar ao meu Senhor:
talvez
não se encontrem lá mais de vinte justos».
O
Senhor respondeu:
«Não
destruirei a cidade em atenção a esses vinte».
Abraão
prosseguiu:
«Se
o meu Senhor não levar a mal,
falarei
ainda esta vez:
talvez
lá não se encontrem senão dez».
O
Senhor respondeu:
«Em
atenção a esses dez, não destruirei a cidade».
AMBIENTE
Este texto do Livro do
Génesis vem na sequência da primeira leitura do passado domingo. Depois de
terem deixado a tenda de Abraão, os três personagens dirigiram-se para a cidade
de Sodoma, a fim de constatar “in loco” o pecado dos habitantes da cidade.
Abraão acompanhou os seus visitantes divinos durante algum tempo. O autor
jahwista situa num lugar alto, a Este de Hebron – de onde se avista Sodoma (cf.
Gn 19,27) – esse diálogo entre Abraão e Deus que o texto nos apresenta.
Sodoma era uma cidade
antiga, que se supõe ter existido nas margens do Mar Morto, ao sul da península
de El-Lisan. De acordo com as lendas, foi uma das cidades destruídas (as outras
teriam sido Gomorra, Adama, Seboim e Segor) por um cataclismo que ficou na
memória do povo bíblico. Alguns estudiosos modernos têm procurado uma
explicação para a lenda na geologia da área: a região fica situada na falha do
vale do Jordão, numa zona sujeita a terramotos e a actividades vulcânicas. Depósitos
de betume e de petróleo têm sido descobertos nesta região; e alguns escritores
antigos atestam a presença de gases que, uma vez inflamados, poderiam causar
uma terrível destruição, do tipo relatado em Gn 19. Terá sido isso que
aconteceu nessa zona?
É, provavelmente, essa
recordação de um antigo cataclismo que, em tempos imemoriais, destruiu a área,
que originou a reflexão que esta leitura nos apresenta. Poder-se-ia pensar que
um acontecimento pré-histórico muito remoto, cujos traços enigmáticos eram
ainda visíveis no tempo de Abraão (como o são ainda hoje), tenha excitado a
fantasia religiosa, no sentido de procurar as causas de uma tão terrível
catástrofe.
O diálogo que a
primeira leitura de hoje nos propõe é um texto de transição que serve para ligar
a lenda de Mambré com as lendas que relatam a destruição de Sodoma e das
cidades vizinhas. Os autores jahwistas aproveitaram o ensejo para propor uma
catequese sobre o peso que o justo e o pecador têm diante de Deus.
MENSAGEM
Deus prepara-se para iniciar
a “investigação”, a fim de constatar da culpabilidade ou da não culpabilidade
de Sodoma. É precisamente aí que o autor jahwista resolve inserir essa pergunta
fundamental que o inquieta: que acontecerá se essa “investigação” revelar a
existência na cidade de um pequeno grupo de justos? Deus vai castigar toda a
comunidade? Será que um punhado de justos vale tanto que, por amor deles, Deus
esteja disposto a perdoar o castigo a uma multidão de culpados?
A ideia de que um
punhado de “justos” possa salvar a cidade pecadora é, em pleno séc. X a.C. (a
época do jahwista), uma ideia revolucionária. Para a mentalidade religiosa dos
israelitas desta altura, todos os membros de uma comunidade (família, cidade,
nação) eram solidários no bem e no mal; se alguém falhasse, o castigo devia,
invariavelmente, derramar-se sobre o grupo. No entanto, os catequistas
jahwistas atrevem-se a sugerir que talvez a “justiça” de uns
tantos seja, para Deus, mais importante do que o pecado da maioria. Apesar de
tudo, ainda estamos longe da perspectiva da retribuição e da responsabilidade
individuais: essas ideias só serão consagradas pela catequese de Israel a
partir do séc. VI a.C. (época do exílio na Babilónia).
O problema que Abraão
procura resolver é, portanto, se aos olhos de Deus um grupo de “justos” tem tal
peso que, por amor deles, Deus esteja disposto a suspender o castigo que pesa
sobre toda a colectividade. Os números sucessivamente avançados por Abraão (em
forma descendente, de 50 até 10) fazem parte do folclore do “regateio”
oriental; mas servem, também, para pôr em relevo a misericórdia e a “justiça de
Deus”: a descida até aos dez “justos” e as sucessivas manifestações da vontade
de Deus em suspender o castigo mostram que, n’Ele, a misericórdia é maior do
que vontade de castigar, que a vontade de salvar é infinitamente maior do que a
vontade de perder.
Definida a questão
fundamental que o jahwista quer abordar, detenhamo-nos agora um pouco na forma
como se desenrola a “conversa” entre Abraão e Deus. É um diálogo “face a face”
no qual Abraão se apresenta com humildade, com respeito, pois sente-se “pó e
cinza” diante da omnipotência de Deus. No entanto, à medida que o diálogo
avança e que Abraão se confronta com a benevolência de Deus, vai surgindo a
confiança. Abraão chega a ser importuno na sua insistência e ousado no seu
regateio. Recordando a Deus os seus compromissos, ele aparece como o
“intercessor”, que consegue da misericórdia de Deus que um número
insignificante de justos tenha mais peso do que um número muito elevado de
culpados.
É possível dialogar
com Deus desta forma familiar, confiante, insistente, ousada? Certamente, pois
o Deus de Abraão é esse Deus que veio ao encontro do homem, que entrou na sua
tenda, que Se sentou à sua mesa, que estabeleceu com ele comunhão, que realizou
os sonhos desse homem que O acolheu, que aceitou partilhar com Ele os seus
projectos. Um Deus que Se revela dessa forma é um Deus com quem o homem pode
dialogar, com amor e sem temor.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, para a
reflexão, os seguintes dados:
¨ O
diálogo entre Abraão e Deus a propósito de Sodoma confirma esse Deus da
comunhão, que vem ao encontro do homem, que entra na sua casa, que Se senta à
mesa com ele, que escuta os seus anseios e que lhes dá resposta; e mostra, além
disso, um Deus cheio de bondade e de misericórdia, cuja vontade de salvar é
infinitamente maior do que a vontade de condenar. É esse Deus “próximo”, cheio
de amor, que quer vir ao nosso encontro e partilhar a nossa vida que temos de
encontrar: só será possível rezar, se antes tivermos descoberto este “rosto” de
Deus.
¨ A
“oração” de Abraão é paradigmática da “oração” do crente: é um diálogo com Deus
– um diálogo humilde, reverente, respeitoso, mas também cheio de confiança, de
ousadia e de esperança. Não é uma repetição de palavras ocas, gravadas e
repetidas por um gravador ou um papagaio, mas um diálogo espontâneo e sincero,
no qual o crente se expõe e coloca diante de Deus tudo aquilo que lhe enche o
coração. A minha oração é este diálogo espontâneo, vivo, confiante com Deus, ou
é uma repetição fastidiosa de fórmulas feitas, mastigadas à pressa e sem
significado?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)
Refrão: Quando Vos invoco, sempre me atendeis,
Senhor.
De todo o coração,
Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as
palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos hei-de
cantar-Vos
e adorar-Vos, voltando
para o vosso templo santo.
Hei-de louvar o vosso
nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes
acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei,
me respondestes,
aumentastes a
fortaleza da minha alma.
O Senhor é excelso e
olha para o humilde,
ao soberbo conhece-o
de longe.
No meio da tribulação
Vós me conservais a vida,
Vós me ajudais contra
os meus inimigos.
A vossa mão direita me
salvará,
o Senhor completará o
que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa
bondade é eterna,
não abandoneis a obra
das vossas mãos.
LEITURA
II – Col 2,12-14
Leitura da Epístola do
apóstolo São Paulo aos Colossenses
Irmãos:
Sepultados
com Cristo no baptismo,
também
com Ele fostes ressuscitados
pela
fé que tivestes no poder de Deus
que
O ressuscitou dos mortos.
Quando
estáveis mortos nos vossos pecados
e
na incircuncisão da vossa carne,
Deus
fez que voltásseis à vida com Cristo
e
perdoou-nos todas as nossas faltas.
Anulou
o documento da nossa dívida,
com
as suas disposições contra nós;
suprimiu-o,
cravando-o na cruz.
AMBIENTE
Pela terceira semana
consecutiva, temos como segunda leitura um trecho dessa Carta aos Colossenses
em que Paulo defende a absoluta suficiência de Cristo para a salvação do homem.
O texto que hoje nos é
proposto integra uma perícopa em que Paulo polemiza contra os “falsos doutores”
que confundiam os cristãos de Colossos com exigências acerca de anjos, de ritos
e de práticas ascéticas (cf. Col 2,4-3,4). Depois de exortar os Colossenses à
firmeza na fé frente aos erros dos “falsos doutores” (cf. Col 2,4-8), Paulo
afirma que Cristo basta, pois é n’Ele que reside a plenitude da divindade; Ele
é a cabeça de todo o principado e potestade e foi Ele que nos redimiu com a sua
morte (cf. Col 2,9-15).
MENSAGEM
A questão fundamental
é, neste texto breve, a afirmação da supremacia de Cristo e da sua suficiência
na salvação do crente. Pelo Baptismo, o crente aderiu a Cristo e identificou-se
com Cristo; a vida de Cristo passou a circular nele: por isso, o crente – revivificado
por Cristo – morreu para o pecado e nasceu para a vida nova do Homem Novo. Em
Cristo encontramos, portanto, a vida em plenitude, sem que seja necessário
recorrer a mais nada (poderes angélicos, ritos, práticas) para ter acesso à
salvação.
Para representar, de
forma mais explícita, o que significa este “morrer” e “ressuscitar”, Paulo
refere-se a um “documento de dívida” que a morte de Cristo teria “anulado”.
Este “documento” em que se reconhece a nossa dívida para com Deus pode designar
aqui, quer a Lei de Moisés (com as suas leis, exigências, prescrições,
impossíveis de cumprir na totalidade e constituindo, portanto, um documento de
acusação contra as falhas dos homens), quer o “registo” onde, de acordo com as
tradições judaicas da época, Deus inscreve as contas da humanidade (cf. Sal
139,16). De uma forma ou de outra, não interessa acentuar demasiado esta imagem
do “documento de dívida”: ela é, apenas, uma linguagem, utilizada para
significar que Cristo anulou os nossos débitos (no sentido em que o nosso
egoísmo e o nosso pecado morreram, no instante em que Ele nos libertou); e,
através de Cristo, começou para nós uma vida nova, liberta de tudo o que nos
oprime, nos escraviza, nos rouba a felicidade, nos impede o acesso à vida
plena.
ACTUALIZAÇÃO
Para a reflexão e
actualização da Palavra, considerar os seguintes elementos:
¨ Mais uma
vez, a Palavra de Deus afirma a absoluta centralidade de Cristo na nossa
experiência cristã. É por Ele – e apenas por Ele – que o nosso pecado e o nosso
egoísmo são saneados e que temos acesso à salvação – quer dizer, à vida nova do
Homem Novo. É nisto que reside o fundamental da nossa fé e é à volta de Cristo
(da sua vida feita doação, entrega, amor até à morte) que se deve centralizar a
nossa existência de cristãos. Ao denunciar a atitude dos Colossenses (mais
preocupados com os poderes dos anjos e com certas práticas e ritos do que com
Cristo), Paulo adverte-nos para não nos deixarmos afastar do essencial por
aspectos secundários. O critério fundamental, no que diz respeito à vivência da
nossa fé, deve ser este: tudo o que contribui para nos levar até Cristo é bom;
tudo o que nos distrai de Cristo é dispensável.
¨ É
necessário ter consciência de que o Baptismo, identificando-nos com Jesus,
constitui um ponto de partida para uma vida vivida ao jeito de Jesus, na
doação, no serviço, na entrega da vida por amor. É este “caminho” que temos
vindo a percorrer? A minha vida caminha, decisivamente, em direcção ao Homem
Novo, ou mantém-me fossilizado no homem velho do egoísmo, do orgulho e do
pecado?
ALELUIA – Rom 8,15bc
Aleluia.
Aleluia.
Recebestes o espírito
de adopção filial;
nele clamamos: «Abba,
ó Pai».
EVANGELHO
– Lc 11,1-13
Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele
tempo,
Estava
Jesus em oração em certo lugar.
Ao
terminar, disse-Lhe um dos discípulos:
«Senhor,
ensina-nos a orar,
como
João Baptista ensinou também os seus discípulos».
Disse-lhes
Jesus:
«Quando
orardes, dizei:
‘Pai,
santificado
seja o vosso nome;
venha
o vosso reino;
dai-nos
em cada dia o pão da nossa subsistência;
perdoai-nos
os nossos pecados,
porque
também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende;
e
não nos deixeis cair em tentação’».
Disse-lhes
ainda:
«Se
algum de vós tiver um amigo,
poderá
ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer:
‘Amigo,
empresta-me três pães,
porque
chegou de viagem um dos meus amigos
e
não tenho nada para lhe dar’.
Ele
poderá responder lá de dentro:
‘Não
me incomodes;
a
porta está fechada,
eu
e os meus filhos estamos deitados
e
não posso levantar-me para te dar os pães’.
Eu
vos digo:
Se
ele não se levantar por ser amigo,
ao
menos, por causa da sua insistência,
levantar-se-á
para lhe dar tudo aquilo de que precisa.
Também
vos digo:
Pedi
e dar-se-vos-á;
procurai
e encontrareis;
batei
à porta e abrir-se-vos-á.
Porque
quem pede recebe;
quem
procura encontra
e
a quem bate à porta, abrir-se-á.
Se
um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe,
em
vez de peixe dar-lhe-á uma serpente?
E
se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião?
Se
vós, que sois maus,
sabeis
dar coisas boas aos vossos filhos,
quanto
mais o Pai do Céu
dará
o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».
AMBIENTE
Continuamos, ainda,
nesse “caminho de Jerusalém” – quer dizer, a percorrer esse caminho espiritual
que prepara os discípulos para se assumirem, plenamente, como testemunhas do
Reino. A catequese que, neste contexto, Jesus apresenta aos discípulos é, hoje,
sobre a forma de dialogar com Deus.
Lucas é o evangelista
da oração de Jesus. Ele refere a oração de Jesus no Baptismo (cf. Lc 3,21),
antes da eleição dos Doze (cf. Lc 6,12), antes do primeiro anúncio da paixão
(cf. Lc 9,18), no contexto da transfiguração (cf. Lc 9,28-29), após o regresso
dos discípulos da missão (cf. Lc 10,21), na última ceia (cf. Lc 22,32), no
Getsemani (cf. Lc 22,40-46), na cruz (cf. Lc 23,34.46). Em geral, a oração é o
espaço de encontro de Jesus com o Pai, o momento do discernimento do projecto
do Pai.
O texto que hoje nos é
proposto apresenta-nos Jesus a orar ao Pai e a ensinar aos discípulos como orar
ao Pai. Não se trata tanto de ensinar uma fórmula fixa, que os discípulos devem
repetir de memória, mas mais de propor um “modelo”. De resto, o “Pai nosso”
conservado por Lucas é um tanto diferente do “Pai nosso” conservado por Mateus
(cf. Mt 6,9-13) – o que pode explicar-se por tradições litúrgicas distintas. A
versão de Mateus condiz com um meio judeo-cristão, enquanto que a de Lucas –
mais breve e com menos embelezamentos litúrgicos – está mais próxima
(provavelmente) da oração original. Nenhuma destas versões pretende, na
realidade, reproduzir literalmente as palavras de Jesus, mas mostrar às
comunidades cristãs qual a atitude que se deve assumir no diálogo com Deus.
MENSAGEM
Como é que os
discípulos devem, então, rezar? Lucas refere-se a dois aspectos que devem ser
considerados no diálogo com Deus. O primeiro diz respeito à “forma”: deve ser
um diálogo de um filho com o Pai; o segundo diz respeito ao “assunto”: o
diálogo incidirá na realização do plano do Pai, no advento do mundo novo.
Tratar Deus como “Pai”
não é novidade nenhuma. No Antigo Testamento, Deus é “como um pai” que
manifesta amor e solicitude pelo seu Povo (cf. Os 11,1-9). No entanto, na boca
de Jesus, a palavra “Pai” referida a Deus não é usada em sentido simbólico, mas
em sentido real: para Jesus, Deus não é “como um pai”, mas é “o Pai”.
A própria linguagem
com que Jesus Se dirige a Deus mostra isto: a expressão “Pai” usada por Jesus
traduz o original aramaico “abba” (cf. Mc 14,36), tomada da maneira comum e
familiar como as crianças chamavam o seu “papá”. Ao referir-se a Deus desta
forma, Jesus manifesta a intimidade, o amor, a comunhão de vida, que o ligam a
Deus.
No entanto, o aspecto
mais surpreendente reside no facto de Jesus ter aconselhado os seus discípulos
a tratarem a Deus da mesma forma, admitindo-os à comunhão que existe entre Ele
e Deus. Porque é que os discípulos podem chamar “Pai” a Deus? Porque, ao
identificarem-se com Jesus e ao acolherem as propostas de Jesus, eles
estabelecem uma relação íntima com Deus (a mesma relação de comunhão, de
intimidade, de familiaridade que unem Jesus e o Pai). Tornam-se, portanto,
“filhos de Deus”.
Sentir-se “filho”
desse Deus que é “Pai” significa outra coisa: implica reconhecer a fraternidade
que nos liga a uma imensa família de irmãos. Dizer a Deus “Pai” implica sair do
individualismo que aliena, superar as divisões e destruir as barreiras que
impedem de amar e de ser solidários com os irmãos, filhos do mesmo “Pai”.
Desta forma, Cristo
convida os discípulos a assumirem, na sua relação e no seu diálogo com Deus, a
mesma atitude de Jesus: a atitude de uma criança que, com simplicidade, se
entrega confiadamente nas mãos do pai, acolhe naturalmente a sua ternura e o
seu amor e aceita a proposta de intimidade e de comunhão que essa relação
pai/filho implica; convida, também, os discípulos a assumirem-se como irmãos e
a formarem uma verdadeira família, unida à volta do amor e do cuidado do “Pai”.
Definida a “atitude”,
falta definir o “assunto” ou o “tema” da oração. Na perspectiva de Jesus, o
diálogo do crente com Deus deve, sobretudo, abordar o tema do advento do Reino,
do nascimento desse mundo novo que Deus nos quer oferecer. A referência à
“santificação do nome” expressa o desejo de que Deus se manifeste como salvador
aos olhos de todos os povos e o reconhecimento por parte dos homens, da justiça
e da bondade do projecto de Deus para o mundo; a referência à “vinda do Reino”
expressa o desejo de que esse mundo novo que Jesus veio propor se torne uma
realidade definitivamente presente na vida dos homens; a referência ao “pão de
cada dia” expressa o desejo de que Deus não cesse de nos alimentar com a sua
vida (na forma do pão material e na forma do pão espiritual); a referência ao
“perdão dos pecados” pede que a misericórdia de Deus não cesse de derramar-se
sobre as nossas infidelidades e que, a partir de nós, ela atinja também os
outros irmãos que falharam; a referência à “tentação” pede que Deus não nos
deixe seduzir pelo apelo das felicidades ilusórias, mas que nos ajude a
caminhar ao encontro da felicidade duradoura, da vida plena…
Duas parábolas finais
completam o quadro. O acento da primeira (vers. 5-8) não deve ser posto tanto
na insistência do “amigo importuno”, mas mais na acção do amigo que satisfaz o
pedido; o que Jesus pretende dizer é: se os homens são capazes de escutar o
apelo de um amigo importuno, ainda mais Deus atenderá gratuitamente aqueles que
se Lhe dirigem. A segunda parábola (vers. 9-13) convida à confiança em Deus:
Ele conhece-nos bem e sabe do que necessitamos; em todas as circunstâncias Ele
derramará sobre nós o Espírito, que nos permitirá enfrentar todas as situações
da vida com a força de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na
reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
¨ O
Evangelho de Lucas sublinha o espaço significativo que Jesus dava, na sua vida,
ao diálogo com o Pai – nomeadamente, antes de certos momentos determinantes,
nos quais se tornava particularmente importante o cumprimento do projecto do
Pai. Na minha vida, encontro espaço para esse diálogo com o Pai? Na oração,
procuro “sentir o pulso” de Deus a propósito dos acontecimentos com que me
deparo, de forma a conhecer o seu projecto para mim, para a Igreja e para o
mundo?
¨ A forma
como Jesus Se dirige a Deus mostra a existência de uma relação de intimidade,
de amor, de confiança, de comunhão entre Ele e o Pai (de tal forma que Jesus
chama a Deus “papá”); e Ele convida os seus discípulos a assumirem uma atitude
semelhante quando se dirigem a Deus… É essa a atitude que eu assumo na minha
relação com Deus? Ele é o “papá” a quem amo, a quem confio, a quem recorro, com
quem partilho a vida, ou é o Deus distante, inacessível, indiferente?
¨ A minha
oração é uma oração egoísta, de “pedinchice” ou é, antes de mais, um encontro,
um diálogo, no qual me esforço para escutar Deus, por estar em comunhão com
Ele, por perceber os seus projectos e acolhê-los?
¨ A minha
oração é uma “negociata” entre dois parceiros comerciais (“dou-te isto, se me
deres aquilo”) ou é um encontro com um amigo de quem preciso, a quem amo e com
quem partilho as preocupações, os sonhos e as esperanças?
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes
d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA
AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da
semana anterior ao 17º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de
Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por
exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num
grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa
comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a
Palavra de Deus.
2. RECORDAR OS LUGARES DE ORAÇÃO.
Este domingo “da
oração” pode ser ocasião para recordar os lugares de oração da paróquia
(igreja, capela…), dalgum santuário próximo, dalguns lugares que são destino de
férias… Pode-se colocar essas indicações à entrada da igreja, precisando os
lugares, horários e todas as informações úteis. De qualquer modo, para além do
lugar de culto, é bom recordar que o grande espaço de oração é o coração da
própria pessoa, aberto a Deus, e a nossa casa-família.
3. O LIVRO DAS INTENÇÕES DE ORAÇÃO.
Pode-se colocar um
livro à entrada da igreja, para quem quiser escrever uma intenção de oração.
Todas essas orações (ou apenas algumas) podem ser proclamadas no momento da
oração universal.
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da
Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras
com a oração.
No final da primeira
leitura:
“Deus de bondade, nós
Te damos graças pelo teu Filho Jesus; inocente, aceitou morrer pelos pecadores.
Como é grande o clamor
que sobe de todas as regiões atingidas pelos cataclismos, os da natureza divina
e os de origem humana. Ilumina-nos sobre as formas de socorrer as vítimas”.
No final da segunda
leitura:
“Deus da vida e da
ressurreição, nós Te damos graças pelo nosso baptismo. Estávamos votados à morte
e Tu nos deste a vida, perdoaste os pecados da humanidade e apagaste os nossos.
Nós Te pedimos pelos
jovens e os adultos que se preparam para o baptismo e por aqueles que
reencontram a fé, após períodos de abandono. Mantém-nos no caminho de
conversão”.
No final do Evangelho:
“Pai Nosso, nós Te
damos graças pela oração, porque Jesus teu Filho ensinou-nos a procurar-Te, a
bater à tua porta, a pedir-Te o pão e a falar-Te directamente e com confiança,
como filhos a seu Pai.
Nós Te pedimos: que o
teu nome seja santificado, que venha a nós o teu reino, dá-nos o teu pão de
vida, perdoa, dá-nos o teu Espírito Santo”.
5. BILHETE DE EVANGELHO.
Nós não pedimos a
mesma coisa a um pai, a um filho, a um amigo, a um vizinho, ao chefe da
empresa. A oração dirige-se a Deus que chamamos “Pai” (“Abba” em arameu,
palavra cuja melhor tradução seria “Paizinho querido”). Não se trata de pedir
qualquer coisa sem mais ao nosso Pai. Jesus indica-nos os objectos do nosso
pedido. Primeiro, que Deus seja reconhecido como Deus e que o seu projecto de
amor sobre o mundo seja posto em acção. Em seguida, pedimos-lhe aquilo que é
vital para nós: o alimento para viver, o perdão para amar, a liberdade para
permanecer de pé. Eis os pedidos essenciais. Então, não hesitemos em insistir
de todos os modos: se Lhe pedimos isso, Ele não pode ficar surdo.
6. À ESCUTA DA PALAVRA.
O “Pai Nosso” é a
única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. É também a própria oração
de Jesus. “Senhor, ensina-nos a orar”. Como ensinar os outros a rezar, se nós
próprios não rezamos? Jesus foi buscar à sua experiência a oração que deu aos
seus discípulos. Assim, dizemos palavras que o próprio Jesus diz connosco. A
sua oração e a nossa oração são uma única e mesma súplica. Jesus está sempre
vivo para interceder em nosso favor. Cada dia, Jesus reza connosco a seu Pai e
nosso Pai. Hoje, coloca-se o acento numa oração de louvor e acção de graças. A
oração de pedido não é tão valorizada. Porém, a oração que Jesus ensina aos
seus discípulos é, antes de mais, uma oração de pedido. O verbo “pedir” aparece
seis vezes na passagem de hoje (ver no Evangelho). A experiência parece dizer
que os nossos pedidos não são atendidos. Mas Jesus dá-nos uma chave de leitura:
é o Espírito Santo que o Pai nos quer dar, o Amor infinito. Trata-se, portanto,
de pedir, antes de mais, que este Amor infinito nos modele cada vez mais
profundamente, para que aprendamos a ver como Deus nos vê, a amar como Ele nos
ama. Ora, entrar numa aventura de amor exige paciência, e também renúncia a nós
mesmos para nos abrirmos cada vez mais ao outro. Na realidade, aí está todo o
sentido da nossa vida. Nós somos muitas vezes impacientes, ficamos no imediato,
na superfície das coisas. Deus olha o coração, vai além das aparências, numa
confiança total. Caminho exigente, este que nos conduzirá para além de nós
próprios, até à Casa do Nosso Pai.
7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a
Oração Eucarística I para a Reconciliação. Ela recorda, de maneira
significativa, a intercessão e a mediação de Cristo, de que fala a primeira
leitura.
8. PALAVRA PARA O CAMINHO…
Como se fosse a
primeira vez… Como os discípulos, coloquemo-nos sem cessar na escola de Jesus
para rezar. Reaprender d’Ele o sentido e a força das palavras que Ele nos
deixou. Redizê-las, saboreá-las e deixar que elas nos transformem… Nesta
semana, procuremos rezá-las como se fizéssemos uma primeira descoberta
recebendo-as da própria boca de Jesus. Rezar o Pai Nosso como se fosse a
primeira vez…
UNIDOS
PELA PALAVRA DE DEUS
Proposta
para
Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas
Comunidades Dehonianas
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P.
Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10
– 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax:
218540909
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