Comentários Prof.Fernando*
32ºdomingo (tempo Comum) – 8 de novembro de 2015
UM RETRATO DA FRAGILIDADE
HUMANA
·
Muito usada na
literatura bíblica a figura de uma mulher viúva era o retrato bem conhecido
pelo povo hebreu e pelo judaísmo como o típico exemplo de pobreza e carência. Numa
sociedade patriarcal estamos longe da mentalidade (moderna) de direitos
humanos, do valor do Indivíduo e do reconhecimento jurídico da igualdade entre
mulheres e homens. Se houve progresso na teoria social, entre nós também continua
havendo um retrato semelhante dos direitos menosprezados, sobretudo das
mulheres que estão na condição de pobre, negra e favelada. No caso do Povo
Escolhido (Israel), muitos séculos antes da Declaração dos Direitos Humanos de
1948, ele tinha a sua Toráh (o termo, em geral, indica “a Lei” ou os 5
primeiros livros da Bíblia; originalmente significa a “Instrução” ou o
direcionamento dado por Deus para as pessoas “acertarem o alvo” da vida, a começar
pelo conhecimento de Deus, que é Santo, e de sua ação no mundo). Os profetas insistiam
nesta orientação da Toráh. Amparar as viúvas e órfãos, era, afinal, uma das marcas
que distinguiam o Povo Escolhido, diferente das nações vizinhas. A “Constituição”
dos judeus corrigia a tendência espontânea (ou sociológica) da estrutura político-econômica
em que mulheres e crianças – sem o homem, chefe da família, marido ou pai –
acabaria no abandono. Tal proteção aos “órfãos e viúvas” era compreendida como a
vontade do Senhor que tinha especial carinho pelos mais frágeis na estrutura
social.
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Por isso o Mestre
de Nazaré usava com frequência a figura típica da “Viúva” ou mulher desamparada
em palavras (parábolas) e gestos (curas). Como os profetas ele queria a
realização e aperfeiçoamento da Toráh (cf. Mateus 5,17). Ele tem compaixão da “viúva
de Naim” e devolve à vida seu único filho; e ele conta a parábola da viúva insistente,
reclamando justiça. severante por justiça (cf. Lucas 7 e 18). Ele faz da viúva o
exemplo de quem aceita o Reino. Mais: ele critica a exploração das viúvas,
típica dos escribas e de outros poderosos da sociedade de seu tempo. Como no
episódio que hoje se lê em Marcos 12, 38ss.
UM RETRATO DA
BENEVOLÊNCIA DIVINA
·
A primeira
leitura de hoje, tirada do 1º Livro dos Reis (17,10-16) fala da “viúva da
cidade de Sarepta” – já disposta a aceitar a morte para si e seu filho, pela
miséria da fome – que. No entanto, transforma-se, de frágil e carente, e
encontra poder e recursos para sustentar Elias, o primeiro de todos os
Profetas. Esta “viúva de Sarepta”, é como a que Jesus viu colocar duas
moedinhas no cofre de ofertas do Templo. O Mestre a define protótipo da
generosidade que é maior que qualquer outra oferta. O tesouro (“gazofilácio”),
localizado no Pátio das Mulheres do Templo, servia de fonte de renda não só para
os sacrifícios e sustento dos sacerdotes, mas para ajuda aos necessitados. Dízimos,
esmolas ou ofertas destinam-se também a ajudar aos estrangeiros, aos órfãos e
viúvas (cf. Deut.13,28).
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Aqui está o núcleo
da reflexão do Mestre: a pobre viúva contribuiu mais do que aqueles que lançaram
muito dinheiro no cofre. Ela doou – não das sobras, como outros –, mas o que
oferece veio da sua pobreza e carência. Ela deu sua vida (seus bens, o próprio
sustento). O gesto da misericórdia é maior até do que qualquer oferta, como
lemos no profeta Oseias: “quero a
misericórdia e não sacrifícios, o conhecimento de Deus, mais do que os
holocaustos” (cap. 6,6, verso lembrado pelo próprio Jesus em Mateus 12, 7).
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Eis o paradoxo:
tirar da própria pobreza e dar tudo (ou toda sua vida). O que nos lembra Paulo (aos
filipenses 2,7), falando da encarnação de Deus na história humana: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve
em Cristo Jesus que, sendo de condição divina, não pensou ficar agarrado ao ser
igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo fazendo-se
semelhante aos homens, e sendo reconhecido na forma humana, humilhou-se ainda
mais, obediente até a morte, e morte de cruz”.
UM RETRATO DE DEUS
– EUROPA E BRASÍLIA
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A figura da
“Viúva” é em primeiro lugar a imagem do próprio Deus que, se faz pobre em seu
Filho e – “esvaziado” de si mesmo – é capaz de se dar totalmente (entregar-se
até a morte, dar a própria vida). Infelizmente vemos em países europeus os que
se comportam como os escribas, afastando-se da solidariedade com (já um milhão)
de refugiados, “órfãos e viúvas”. Infelizmente, entre lutas mesquinhas de poder
em Brasília, assistimos, estarrecidos, à proposta de certos “representantes do
povo” para “anistiar” a corrupção (aproveitando a lei de “repatriação” de
capital para diminuir o rombo fiscal). O título da proposta vai transfomar-se
em “Legalização da lavagem de dinheiro sujo do tráfico e das propinas” ?
Poderíamos fazer hoje do salmo do dia (145)146 nossa oração sobre nossa
realidade atual: O Senhor protege os
estrangeiros, sustenta o órfão e a viúva, e transforma os maus.
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Ao contrário
dos países ricos e fechados, vemos o Cristo como aquela Viúva, capaz de não
guardar nada para si doando todas as suas moedinhas. Cristo é Deus que se
entrega ao ser humano e sua história. Ao contrário do cinismo de muitos
políticos, assistimos à proposta de Deus para que o ser humano chegue a ser
como ele, “divino” (divinizado por sua ação).
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No
tempo-espaço do mundo e da história, ser como ele é ser como aquela pobre
viúva.
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