Comentários Prof.Fernando*
último domingo do ano (litúrgico 2014/15) : J.Cristo,
Rei
(Último antes do Advento de 15/2016) : 22 de
novembro de 2015
- ao povo de Mariana e das cidades banhadas pelo
rio que era Doce , versos do Salmo 92/93:
elevam os rios a sua voz
- porém mais poderoso que a voz das águas
é o Senhor
nas alturas do céu
Reis, rainhas
e impérios
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Ao menos em
nosso mundo Ocidental em que vivemos, o governo das nações não se exerce mais
pela monarquia (permanecendo num ou noutro país como figura da tradição, sem
poder efetivo). O imaginário social, no entanto, conserva o simbolismo de reis
e rainhas dando a nome famosos o título “real”: rei do rock, rainha do baile,
rei Pelé, rei Roberto Carlos, ou dando nome comercial a produto ou loja: rei do
bachalhau, da picanha, da empada, rei dos pneus, etc.
·
O domingo de
Cristo Rei é celebrado habitualmente no último domingo antes de começar o Advento
(ciclo de 4 domingos preparatórios para o Natal, iniciando novo calendário litúrgico
anual). Assim o fazem as Igrejas: Luterana, Metodista , Presbiteriana e Católica
romana. Nesta, a inserção no calendário foi determinada pelo Papa Pio XI em
1925.
Cristo Rei
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Para ler aquele
documento escrito há 110 anos atrás (11/12/1925), a carta encíclica “Quas
primas” – sobre Cristo Rei” é preciso entender a linguagem da época,
própria de uma Igreja Católica em tom triunfalista. Ressoava num contexto
histórico 40 anos antes do Concílio “Vaticano2” que sacudiu a Igreja católica
nos anos 60 do século passado. Seu idealizador: o homem simples que entrou para
a história com o nome de “João23”. Há 100 anos ainda mais longe estávamos dos
atuais esforços da reforma proposta por outro João 23. De nome Francisco.
·
No documento
referido escutamos certamente os ecos de uma Europa que acabava de sair
Primeira grande guerra. A violência terrível da chamada 1ª.guerra Mundial
enterrou definitivamente as ilusões da belle
époque e o sonho que embalava o Ocidente no século 19: o da paz garantida pelo
progresso das ciências, da indústria e da técnica. Mas a era da técnica não
trouxe a paz. E a Igreja de Roma ainda tinha dificuldades para compreender a
Modernidade que não combinava com monarquias, absolutismos e com a própria hegemonia
eclesiástica no mundo. O documento ainda pensa em termos de uma “cristandade”
onde a fé cristã podia moldar a sociedade: Com dar à autoridade dos príncipes e chefes de governo certo
caráter sagrado, a dignidade real de Nosso Senhor enobrece com isto mesmo os
deveres e a sujeição dos cidadãos. E
chega a ser ingênuo imaginando que todas as pessoas e sociedades reconhecessem
o domínio universal de Cristo: Oh! que
ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade
se deixasse reger por Cristo! "Então, finalmente – para citarmos as
palavras que, há 25 anos, Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos Bispos do
mundo inteiro – então fora possível sanar tantas feridas; o direito recobrara
seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; então tornaria a paz com todos
os seus encantos e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado
aceitassem o império de Cristo, lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que
"Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre" (Enc. Annum
Sacrum).
Os Poderes
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A ideia
tradicional de um “Rei” ou de Impérios leva-nos à experiência humana do poder.
Desde a antiguidade a realeza era justificada como uma espécie de prolongação
da autoridade divina no mundo. E todos nós corremos sempre o risco de polarizar
a vida a partir do poder. Ele pode depender da força e da violência, ou das
riquezas que podem comprar que se julga capaz de comprar tudo (e hoje os votos na
sociedade democrática). O poder dos costumes e da tradição sempre existiu nas
comunidades humanas. Na vida atual surgem, além dos 3 poderes na democracia
(executivo, legislativo e judiciário) o 4º poder dos meios de comunicação de
massa. Hitler soube usar o poder da propaganda para construir sua máquina
infernal de morte. Mas há os pequenos, mas fortes poderes no quotidiano: o dos
costumes e tradições na cultura, o das religiões, o do medo diante do
desconhecido e até do novo. Mais recentemente tomamos consciência da
importância do conhecimento, da educação e da informação e então dizemos que detém
o poder quem tem as informações.
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A trama que constitui as sociedades contemporâneas
lançou-nos na complexidade da política e da economia, e a sobrevivência de
pessoas e grupos está submetida inevitavelmente a poderes tão diversos como a
tecnologia, o governo e seu impostos, a imprensa e suas notícias, etc. Os
poderes na sociedade podem ser produtores de bens, saúde e vida, como podem ser
responsáveis por novas escravidões e promotores da morte. L.Sakamoto, doutor em
ciência política e jornalista leva-nos a ver que tanto o terror em Paris como a
lama em Mariana têm em comum o fato de ser um crime contra a Humanidade.
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Fatos recentes nos questionam sobre o poder do
terrorismo com sua carnificina que têm a repercussão “extraordinária” pela
morte inesperada e de centenas em grandes capitais como Nova York (Torres
Gêmeas, Pentágono), Madri (Metrô), Paris (bares e teatro lotado). Mas outros
atos terroristas têm já uma repercussão “ordinária”, pois são “habituais”,
como: o deslocamento de milhões de refugiados e migrantes; as guerras, ditaduras,
bombas e sequestros em muitos países: Síria, Iêmen, Palestina, Israel, Lìbano
(e vários na África); o povo yazíde, curdo e outras minorias lutam para
sobreviver sob a expansão do grupo “DAESH” (sigla do nome árabe para o auto-intitulado
“Estado Islâmico” que, de “islâmico”, não têm nada; na França a imprensa passou
a evitar esta palavra e usa DAESH para não reforçar o preconceito que leva a
identificar terrorismo e religião islâmica). A rotina quase elimina em nós a Compaixão
– marca do humano em nós. Ela tende a desaparecer ao vermos diariamente uma
imensa marcha de refugiados e migrantes em deslocamento. Outros poderes também tornam-se
banais para nós, como tiroteios nas favelas e periferias e assaltos com morte nas
esquinas dos centros urbanos. Enquanto para os mais pobres – como se não
bastassem desemprego e inflação – surge a microcefalia, muitos fariseus lá no
planalto central, discutem a partilha do império.
Raízes do Poder
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Todo poder (como dominação) traz a satisfação do agir
sem obstáculos. Embora o grupo DAESH tente justificar suas ações escudando-se
no Alcorão são os próprios muçulmanos que o temem, começam a rever apoios e o
declaram fora do verdadeiro Islam e seus ramos históricos (sunitas e xiitas com
suas subdivisões, como o Wahabismo saudita ou os Alauítas sírios); O DAESH é
uma peça do xadrez regional, onde jogam as grandes potências regionais e
mundiais.
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Mais intrigante, porém, é a adesão de centenas de jovens
(de origem árabe ou ocidental) à ideologia terrorista. Mesmo que muitos sejam fanáticos
adeptos de certas interpretações religiosas, o que a maioria encontra nas armas
é a satisfação do Poder. Crianças ou adultos gostam de torcer pelos mocinhos em
faroeste, “jogos vorazes”, agente OO7 ou “guerra nas estrelas”. É um modo de
exorcizar o medo dos inimigos. Os Games trouxeram para a ponta dos dedos
inimigos, guerras e mortes e muitos jovens encontram certamente um real prazer
na dominação (real) sobre vida ou morte de outros, quando forem equipados com fuzis
reais e bombas reais.
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Em qualquer grupo social, ou Dinheiro ou Prestígio abrem
caminho para realizar toda sorte de desejos. Dinheiro dá poder (de compra) e
Prestígio facilita a Corrupção. O pobre se define pela impotência e o anônimo sempre
imagina os famosos abrindo todas as portas da felicidade. Todo ser humano arrisca
ficar reduzido a seu lado (negativo) de pulsão de morte, que mora dentro dele
ao lado do (positivo) que leva ao bem e ao amor. É inegável que esta “pulsão de
morte” é perigosa como a lama das represas frágeis de Minas Gerais. E pode
tornar-se incontrolável em sua força desmedida, (assemelha-se à hýbris na Grécia antiga). A 1ª.carta de
João (2,16) a chama de “concupiscência” da “carne” (= em sentido negativo,
ausência do “jeito” divino de ser) e dos “olhos” (= cobiça como criança que
quer tudo o que vê, sem critérios). Esta “epithymía”
(“desejo” descontrolado) acompanha a “soberba” da vida, ou arrogância.
Entregues à “concupiscência” e à “arrogância” vivem os inimigos do “Reino”. O
Mestre dava o nome aos bois: fariseus, líderes e intelectuais da época, como em
Marcos 12,38: Guardai-vos dos escribas, pois
eles gostam das saudações na rua, das primeiras cadeiras nas sinagogas, e primeiros
assentos nos banquetes.
A estátua do Corcovado e o Cristo Rei
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O Cristo Redentor, símbolo mundialmente conhecido, abre
os braços como num desejo de abraço universal. Talvez essa estátua nos ajude a
perceber o Cristo (ou o Deus de cada um segundo suas crenças e religião) não
como uma Príncipe feudal alimentando-se e vivendo às custas do que produzem seus
vassalos. Esta pode ser uma imagem primitiva e rude do “Todo-poderoso”, mas
seria ridículo imaginá-lo como exigindo sacrifícios ou divertindo-se com suas
criaturas – histórias divertidas da mitologia grega. A fonte da vida e do
universo, porém, não devora os filhos como o deus Crónos/Saturno da mitologia. Vem
oferecer Vida e eternidade.
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Jesus, diante do representante (Pilatos) do maior
poder do maior império de seu tempo (talvez de todos os tempos) aceita o título
de rei, explicando que vem dar testemunho da Verdade. O texto lido hoje (cap. 1
Apocalipse) lembra que ele é rei universal, e sua autoridade está muito além
dos poderosos deste mundo – “autoridade maior, acima dos reis da terra”. Nos
versos 5 e 6 ele é “testemunha confiável” (o único que pode falar de Deus para
nós). Aquele “que nos ama” pode livrar-nos de tantos micropoderes sujos e
pérfidos, na medida em que agirmos como ele agiu. Porque “ele fez para nós um
Reino”. Ele nos constituiu “sacerdotes” (simbolicamente, não para uma função
religiosa, pois é o único Sacerdote entre o Pai e os seres humanos) no sentido
de com-sagrados a Deus e Pai. Ele “nos desatou das amarras de nossos pecados (o
termo “hamartía” significa os desacertos,
isto é – lieralmente – desvios da direção certa e boa).
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No próximo domingo começa o “Advento”, 4 semanas de
preparação do Natal, tempo de meditação sobre esse Rei que vem até nós sem o
poder desejado, seja por terroristas, seja por políticos hipócritas – uns e
outros se julgam melhores do que o resto do mundo. O grande mistério ainda está
por vir no próximo ciclo de meditações: o Rei do universo chega junto de nós
como frágil e mortal criancinha. O “Filho do Homem” (ver leitura de Daniel 7) é
filho de Maria.
[Textos hoje: Daniel 7 especialmente 13-14; Apocalipse
1,4-8; João 18,33-37]
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