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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Comentários Prof.Fernando

Comentários Prof.Fernando*                                            
                                                                                    Domingo 27 – 12 – 2015
Crescia (em estatura, sabedoria e graça) diante de Deus e dos humanos.
(cf. Lucas 2,52)

O sagrado na família
·                    Embora a tradição protestante denomine este dia como Primeiro Domingo depois do Natal, a leitura do Evangelho é a mesma (cf.Lecionário Comum: Lucas 2,40ss) em que se conta a aflição de José e Maria procurando o filho (Jesus já com cerca de 12 anos) numa peregrinação anual a Jerusalém. É ocasião para nossa meditação sobre a Família em suas dificuldades e maravilhas. A liturgia católica romana fixou em 1921 a celebração da Sagrada Família que seguia à festa da Epifania (mais conhecida como Reis). Depois do Concílio Vaticano II (out1962-dez65) a reforma litúrgica a Sagrada Família é lembrada no primeiro domingo depois do Natal.

Revelação divina na (“banalidade” da) família
·                    De fato o Natal é festividade muito ligada à vida familiar, porém a perspectiva do texto hoje está centrada principalmente na revelação de Jesus Cristo como Filho de Deus e não tanto na sua família humana. Aprofundamos o Natal que é o começo do Mistério da Encarnação. Sempre me chamou a atenção o fato de que Jesus ter vivido no anonimato de sua família, seu trabalho e sua minúscula aldeia do interior, durante cerca de 30 anos, ao passo que, em menos de 3 anos, percorreu seu país e a Judeia anunciando o Reino, a “Boa Notícia” (=ev-angelho) de qual era possível realizar a Utopia: o Projeto do Criador para todo ser humano. Durou pouco tempo a fala e o bem que fazia Jesus de Nazaré pois logo o ódio dos inimigos o levou à injusta sentença de morte obtida numa farsa de “julgamento” manipulado.
·                    Essa diferença entre o tempo da “vida pública” (cerca de 3 anos) e o da vida comum (uns 30) – como a de milhões de pessoas em qualquer cultura – é um contraste que, por si só, encerra uma mensagem. Trata-se da importância do quotidiano e das atividades humanas, “comuns”. O importante não é o tempo dedicado a isso ou aquilo, nem é o decisivo (para que a vida humana tenha valor) que a história de cada um seja marcada pela fama e grandes feitos. No meu tempo na escola a gente “decorava” História, geralmente memorizando datas e nomes dos reis e suas batalhas, de governantes e generais e suas façanhas incríveis. Na verdade um país, como o Brasil, por exemplo, foi construído não só por reis portugueses, grandes navegadores, famosos donos das sesmarias, imperadores e presidentes. Tudo o que somos e temos deve-se ao trabalho de milhões que viveram no anonimato na roça e nas cidades. Os filhos e filhas das nações indígenas. Os condenados e bandidos, exilados de Portugal. Os escravos oriundos de nações africanas. Os imigrantes europeus, libaneses, japoneses, etc.

O “Sagrado” na família é anterior à sacralização da família
·                    Em fins do século 19 a Igreja católica romana ainda tinha grandes dificuldades para entender a Modernidade que, além de outras coisas, trouxera um naturalismo derivado do progresso científico. Isso, é verdade, também contribuiu para a descrença na dimensão “sobrenatural”, como se dizia, do ser humano. Também o ateísmo crescene na Europa assustava as lideranças do catolicismo e, principalmente o afastamento – em relação à hegemonia eclesiástica – da política e do direito. Alguns Estados aprovaram o casamento civil que podia substituir o religioso. É nesse contexto que se pensava na festa da Sagrada Família para que os personagens da família de Jesus fossem o modelo ideal da célula matriz da sociedade. Para Roma a valorização da família era pensada como instituição cristã, sobre o fundamento da fé cristã e das doutrinas eclesiásticas.
·                    Hoje as sociedades ocidentais (para não falar de outras culturas no mundo) encontram novos e mais complexos problemas para a comunidade familiar e para os indivíduos. Neste mundo pluralista, de sociedades multiculturais, certamente é mais urgente a questão dos valores humanos esquecidos do que a questão da família cristã. A própria introdução desta Festa no calendário litúrgico diminuiu a intensidade do tema principal de Lucas (a manifestação de Jesus ao mundo em continuidade com os “ouvintes da Palavra” anteriores, os pastores e os magos) na figura dos Sábios da religião de Israel em Jerusalém. A festa, se vista superficialmente, corre o risco de diluir a Manifestação e comunicação de Jesus ao mundo para colocar em maior evidência (ainda que piedosa e verdadeira) a família histórica de Jesus.
·                    O núcleo de preocupações diante da Modernidade que inquietava a hierarquia católica em finas do século 19 e início do século 20, desloca-se atualmente para a compaixão que devemos ter com os órfãos da guerra no oriente, com os sequestrados pelo terrorismo em países africanos, com os torturados e suas famílias perseguidas na área dominada pelo Daesh. Fala-se muito em decadência e destruição da família a partir de debates morais sobre ideologias, novas influências culturais e conflitos entre gerações. É verdade que problemas concretos atingem as famílias desde a fertilidade e o sexo, até as separações de casais e educação das crianças. Mas pouco se fala – menos ainda se conhece – que caminhos seguir e quais seriam as formas de ajudar – diante de novas formas de destruição de famílias (e até etnias e povos inteiros). A destruição ocorre em regiões que não são predominantemente cristãs, mas também no Ocidente. Basta lembrar emigração em massa e a outra mobilidade humana gigantesca causada pelas guerras e perseguições políticas. Em nosso país as famílias são destruídas menos por ideologias e novos comportamentos sociais, e mais por balas perdidas e assassinato de policiais, por distribuição de entorpecentes em bailes populares e pelo comércio internacional de pessoas, de armas e de drogas, naturais e sintéticas. Famílias são destruídas pela carência de atendimento à saúde e pela incapacidade do poder público para atender aos mais necessitados. Crescem sobre as famílias, além do desemprego: a ameaça das milícias no bairro, dos comandos dentro e fora dos presídios, o medo do assalto e morte praticados nas esquinas e nos engarrafamentos.

Meu filho, que nos fizeste? Teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição”.
·                    O texto de Lucas mostra que aflição e sofrimento presentes também na Sagrada Família. Na figura da perda e reencontro de Jesus Menino no templo, prefigura-se a tensão que viverá o Mestre de Nazaré, da contínua objeção à hipocrisia de fariseus e líderes até o sofrimento no Horto e o “por quê me abandonaste?” na Cruz. Não adianta fazer a pregação de um modelo ideal de família bem comportada se esquecermos as tensões e conflitos presentes na busca em “ocupar-se nas coisas do Pai”. E fazer a vontade do Pai é ajudar na construção de seu Projeto de liberdade para o ser humano e solidariedade entre os seres humanos.
·                    Seguir o Modelo: crescer não só em tamanho, segurança, educação e saúde, mas, acima de tudo, “em sabedoria e graça, diante de Deus e diante dos seres humanos” (cf. Lucas 2,52).


ooooooooooooooo ( * ) Prof. (Edu/Teo/Fil,1975-2012) fesomor2@gmail.com

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