Recebeste teus bens durante a vida e Lázaro os males. Agora ele encontra, aqui, consolo e tu és atormentado.
Neste Evangelho – a parábola do rico e do Lázaro – Jesus nos mostra que na outra vida a situação se inverterá. Quem se coloca acima dos pobres e não os socorre, lá será relegado. Quem aqui sofre a pobreza, a exclusão e a injustiça, lá será premiado. Lázaro tem nome, o rico não. Lázaro tem advogado (Abraão), o rico não. Lázaro é cidadão, o rico é excluído.
O rico faz vários pedidos, todos recusados: “Molhar a ponta do dedo para lhe refrescar a língua”. Resposta: Recebeste teus bens na terra e Lázaro os males; agora ele encontra consolo e tu és atormentado. Além disso, há um abismo intransponível entre nós.
“Manda Lázaro à casa de meu pai, alertar meus cinco irmãos...” Resposta: Eles têm lá Moisés e os profetas. Que os escutem! “Moisés e os profetas” significam a Sagra-da Escritura (Moisés) e os pastores da santa Igreja (profetas). Nós damos pouco valor à Palavra de Deus; entra por um ouvido e sai pelo outro. Moisés e os profetas são os últimos alertas de Deus a nós. A sua próxima manifestação será no Juízo Final, momento em que não dá para voltar atrás e o Juiz não ouvirá apelações. “Não, pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter.” Resposta: Se não escutam a Moisés e aos profetas, eles não acreditarão, mesmo que um morto ressuscite.
Fica claro que o nosso amor aos pobres – amor levado à ação – é necessário para entrarmos no céu. Nós não podemos considerar-nos donos absolutos dos bens que Deus deixou na terra, pois ele os deixou para todos. Precisamos ver o necessitado como nosso irmão, nossa irmã. Se alguém me pede ajuda, sem necessitar, o problema é dele. Mas se eu não o atendo, o problema é meu.
Em Mt 25,31-46, Jesus, ao dizer como será o Juízo Final, nos fala quase a mesma coisa. Apesar desta clareza, alguns ainda têm dúvida sobre o caminho seguro para entrarmos no céu!
A nossa sociedade é parecida com a casa daquele rico. O povo usa todo tipo de segurança para se prevenir dos Lázaros: chaves, portões eletrônicos, cães bravos, polícia, condomínios fechados... Queremos que os Lázaros fiquem bem distantes, para não os vermos, e assim a nossa consciência não nos tocar. Vendo isso, os jovens, a nova geração que se prepara para entrar nessa sociedade, se revolta e parte para a droga, a delinqüência, a rebeldia...
Veja que o rico não é condenado pelo fato de ser rico, mar porque não teme a Deus e é insensível aos necessitado. “O jejum que eu quero não é... repartir a tua comida com quem tem fome, hospedar na tua casa os pobres sem destino, vestir uma roupa naquele que encontras nu e jamais tentar te esconder do pobre teu irmão?” (Is 58,6-7).
A riqueza é perigosa, porque facilmente cria o esquecimento de Deus, destrói o seu temor e cria surdez para não ouvir os apelos sociais. O rico pode tornar-se tão insensível que não se toca nem se um morto ressuscitar para o advertir. “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Nós “ajeitamos” a nossa fé de tal modo que ela permite que 6% da humanidade desfrute de 50% da riqueza do mundo, 20% possua a outra metade, ficando 30% da humanidade condenada à fome e à miséria.
Se não somos solidários, partilhando os nossos bens e dinheiro com os que são mais pobres que nós, as nossas eucaristias não serão autênticas (Cf 1Cor,17ss).
O perigo, ao lermos este Evangelho, é pensar que ele se dirige somente aos ricos. Como não sou rico, a parábola não me toca. Mas ele se dirige a todos nós. Rico e pobre são conceitos relativos. Há pobres que têm coração de rico e rico que têm coração do pobre. Mas que o acúmulo de bens dificulta a nossa salvação não há dúvida.
Todos nos encontramos diariamente com muitos Lázaros. São pessoas mais necessitadas do que nós: desempregados, doentes, velhos abandonados, alcoólatras, drogados, população de rua... Se lhes fecharmos o coração, como nos julgarmos em dia com Deus? Estudar a pobreza, refletir sobre ela não basta.
A nossa sociedade tem progressos, mas tem também grandes pecados. Nela, cada um busca os seus interesses, sem se importar com as necessidades dos menos favorecidos. Nós criamos uma economia baseada no interesse pessoal e no lucro, onde tudo se vende, tudo se compra e tudo se paga. Assim, quem não tem dinheiro não consegue viver. O dinheiro é o verdadeiro deus da sociedade. O pior é que, nessa situação perversa, cada um de nós se sente vítima, e não participante, por isso se julga isento de culpa.
Havia uma senhora que tinha uma galinha que lhe dava um ovo todos os dias. Ela pensou consigo como fazer a galinha botar dois ovos por dia. E resolveu dar à galinha o dobro da ração. Com isso, a galinha engordou, ficou preguiçosa e não botava mais ovo nenhum.
A ganância nos leva a perder até o que temos, especialmente as virtudes e a fé e os valores espirituais.
Maria Santíssima era bastante sensível aos necessitados do seu tempo. Socorreu os noivos, ajudou a prima... e uma das páginas mais veementes da Bíblia sobre este assunto é o seu hino Magnificat. Que ela nos ajude neste tempo de conversão!
Recebeste teus bens durante a vida e Lázaro os males. Agora ele encontra, aqui, consolo e tu és atormentado.
Padre Queiroz
Só bênção de Deus
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