10 Agosto
2020
Tempo Comum - Anos Pares
XIX Semana - Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: Ezequiel, 1, 2-5.24-28
2No quinto dia do mês - era o quinto ano do
cativeiro do rei Joiaquin - 3a palavra de Deus foi dirigida a Ezequiel, filho
do sacerdote Buzi, na Caldeia, nas margens do rio Cabar, e a mão do Senhor
estava sobre ele. 4Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma
nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à
volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal
resplandecente. 5E ao centro, distinguia-se a imagem de quatro seres viventes,
todos com aspecto humano. 24Eu escutava o ruído das asas como o barulho das
grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o
ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam. 25E, por cima da
abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, fazia-se um grande ruído; quando
paravam, as asas baixavam. 26Pela parte de cima da abóbada, que ficava sobre as
suas cabeças, estava uma coisa semelhante a pedra de safira, em forma de trono,
e sobre esta espécie de trono, no alto, pela parte de cima, um ser com aspecto
humano. 27E verifiquei que, do que parecia ser da cintura para cima, tinha como
que um brilho vermelho, algo como fogo, à sua volta; e da cintura para baixo,
vi como que fogo, espalhando um clarão à sua volta. 28O esplendor à sua volta
parecia o arco-íris que aparece nas nuvens nos dias de chuva. Era algo que
tinha o aspecto da glória do Senhor. Contemplei e prostrei-me com o rosto por
terra. E ouvi uma voz que falava.
Ezequiel aparece entre os primeiros exilados
para Babilónia, por Nabucodonosor, no ano 597 a. C. Aí vive e escuta o
chamamento para a missão profética. O nosso texto apresenta-nos a teofania em
que Deus se revela e manifesta a sua «glória» (v. 28) ao profeta. Com imagens
espectaculares, muito fora do nosso modo de pensar e de dizer, Ezequiel refere
a sua experiência de Deus, junto do rio Cabar. A «glória» de Deus transfere-se
do templo de Jerusalém para junto dos desterrados. Deus não é propriedade de um
povo, não está eternamente ligado nem ao templo nem à terra prometida, como
provavelmente pensava o povo de Israel. Deus é força, é luz... Os «seres
viventes» (vv 5ss.) significam algumas prerrogativas divinas: a inteligência, a
força, o poder, a rapidez. A tradição cristã medieval verá essas imagens,
retomados no Apocalipse, símbolos dos quatro evangelistas.
Deus manifesta-se onde está o homem, onde está o povo, mesmo no exílio.
Revela-se com «com aspecto humano» (v. 26), como que a dizer que está próximo
dos homens, que tem um rosto, um coração... Ezequiel convida a ver a presença e
a acção de Deus nas vicissitudes da história dos homens. Onde tudo parece
ruína, Ele está presente para salvar, para libertar o homem.
Ao ver a glória de Deus, Ezequiel cai «com o rosto por terra» (v. 28), manifestando
consciência de estar na presença de Deus.
Evangelho: Mateus 17, 22-27
Naquele tempo, 22estando os discípulos
reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue
nas mãos dos homens, 23que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E
eles ficaram profundamente consternados. 24Entrando em Cafarnaúm,
aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O
vosso Mestre não paga o imposto?» 25Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a
casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os
reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E
como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão
isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol,
apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um
estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»
Na primeira parte do nosso texto, a paixão
paira sobre Jesus como algo próximo e inevitável. Jesus vê agora, não com os
olhos do «eu» pessoal, que tem de se inclinar perante uma vontade superior (cf
Mt 16, 21-27), mas com os olhos do Filho do homem para quem nada está oculto.
Um só dos verbos, utilizados nesta parte, está na voz activa: o matarão (v.
23). Todos os outros estão na voz passiva: «ser entregue» (v. 22) nas mãos dos
homens (em geral), nas mãos «dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores
da Lei» (16, 21), isto é, das instituições religiosas hebraicas; «será
ressuscitado» (talvez seja melhor traduzir assim do que «ressuscitará»- v. 23),
indica a esperança de Jesus na acção do Pai.
Jesus sabe para onde caminha. O seu destino está anunciado nas antigas
profecias. Fala de Si como «Filho do homem», representante do povo dos santos
que, depois da perseguição, há-de receber todo o poder (Dn 7): «Todo o poder me
foi dado no céu e na terra», dirá o Ressuscitado (Mt 28, 18). A paixão, entrega
na mão de todos os homens, torna-se entrega nas mãos do Pai, manifestação da
sua glorificação.
A segunda parte do texto evangélico refere um episódio relacionado com a
questão do pagamento do imposto do templo. Em Mt 22, 15-22 surgirá a questão do
pagamento de impostos aos dominadores pagãos, problema que continuará a afligir
a comunidade cristã (cf. Rm 13, 6s.). Tem de pagar imposto para o templo quem é
«maior que o templo»? (cf. Mt 12, 6), quem é «o Filho de Deus vivo»? (16, 18).
Paga para não escandalizar. A hora da reedificação do novo templo ainda não
chegou.
Meditatio
Iniciamos a leitura do livro do profeta
Ezequiel, um homem que teve impressionantes visões de Deus. Hoje, escutamos a
primeira dessas visões, em que o profeta recebeu a vocação. Mais uma vez,
verificamos que a vocação profética está ligada a uma forte experiência de
Deus. Tudo acontece durante uma grandiosa teofania, junto ao rio Cabar, a sul
de Babilónia. O profeta começa por ver quatro seres misteriosos e, depois, no
firmamento, a «glória do Senhor» (v. 28). Tomado de um temor sagrado, cai por
terra, e ouve «a palavra de Deus» (v. 3), que «tem a mão sobre ele» (v. 3).
Se nos lembrarmos da narrativa da vocação de Isaías (Is 6), verificamos
semelhanças e diferenças com a de Ezequiel. Isaías vê Javé sentado num trono,
no interior do templo, casa de Deus, rodeado de serafins que O aclamam,
dizendo: «Santo, santo, santo...» (v. 3). Deus revela-se a Isaías no templo,
que é a sua casa, e em Jerusalém, que é a cidade santa. Mas, a Ezequiel,
revela-se em terra pagã, mostrando que a sua presença não está condicionado a
um lugar consagrado, à terra santa. Deus pode manifestar-se em qualquer lugar,
onde estiver o homem, particularmente o que sofre, mesmo em terra pagã. Isto
constitui uma grande novidade para a mentalidade hebraica. Mas há mais: enqu
anto a visão de Isaías é estática - Deus está sentado num trono, no templo - a
de Ezequiel é dinâmica: «Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo:
uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à
volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente»
(v. 4). Que há de mais dinâmico que uma trovoada? Num resplendor de fogo,
Ezequiel, além dos quatro animais, vê também rodas que podem mover-se em quatro
direcções, isto é, para todo o lado (cf. Ez 1, 15-20). Mas a leitura de hoje
ainda fala de mais movimentos: «Eu escutava o ruído das asas como o barulho das
grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o
ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam.» (v. 24).
A experiência do exílio não trouxe só desgraças. Trouxe também graças
espirituais, particularmente uma revelação mais profunda de Deus. Os hebreus
passaram a ver a Deus, não apenas como divindade da Terra santa, donde não se
movia, que não se podia encontrar noutro lado, mas como Deus de todos os povos.
Depois do exílio o universalismo bíblico cresceu notavelmente. Nas nossas
provações, também não faltam graças, que havemos de acolher com gratidão e
alegria. Quando vivemos os sofrimentos da vida unidos a Cristo, crescemos na
confiança em Deus, na comunhão com Ele, e tornamo-nos mais solidários com os
que sofrem. «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos
sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na
solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte
de Cristo pela redenção do mundo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados
por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo
pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1,24) (Cst 24).
Hoje, pela segunda vez, Jesus anuncia a sua paixão «O Filho do Homem tem de ser
entregue nas mãos dos homens» (v. 22). Vai «ser entregue» por Judas, pelos
chefes do povo, pelo Pai. Ele mesmo se entrega «nas mãos dos homens» (v. 22).
Todos podem acolher o dom que Jesus faz de se Si mesmo. Jesus tem consciência
do que está para acontecer, e não tenta escapar. Sabe que é o Filho isento e
livre, mas aceita pagar o tributo do escravo. Sabe que, fazendo assim, nos
liberta de sermos como que "estranhos" a Deus, nos faz filhos de
Deus, e nos isenta de qualquer dívida a alguém, ainda que seja uma autoridade
religiosa ou civil. Esta liberdade, que resulta da nova condição, de sermos
filhos de Deus no Filho, não nos afasta da vida e das obrigações para com os
outros. Se ainda devemos sentir-nos devedores, é da caridade e por causa da
caridade, «para não os escandalizarmos» (v. 27).
Oratio
Senhor, meu Deus, como são complexos os teus
caminhos! Revelas-Te onde, quando e como queres, porque estás em toda a parte,
és desde sempre e para sempre, e sabes adaptar-te às capacidades de cada homem.
Como são insondáveis os teus desígnios! No meio das maiores provações, estás
connosco, e ofereces-nos os teus dons. Assim foi com o teu primeiro povo
eleito, em Babilónia. Assim foi com os discípulos do teu Filho, quando se
debatiam com a tempestade no mar da Galileia. Assim foi com o teu próprio
Filho, quando O pescaste da morte. Assim tem sido com a tua Igreja, ao longo
dos séculos, tantas vezes perseguida e massacrada.
Faz-me compreender que queres fazer o mesmo comigo, desde que me mantenha unido
a Jesus, teu Filho, Morto e Ressuscitado, vivo no meio de nós, até ao fim dos
tempos. Nele, que entregámos à morte, encontramos o sentido para os nossos
sofrimentos, e a liberdade, que nos permite clamar: «Abbá! Pai!». Obrigado,
Senhor! Amen.
Contemplatio
S. Paulo dá-nos o amor de Nosso Senhor pela
cruz como um exemplo e um encorajamento nas nossas provas: Nosso Senhor pegou
na cruz com alegria (proposito sibi gaudio), desprezando as humilhações (Heb
12). Levava a cruz considerando os motivos que podiam autorizá-lo a encontrar
nela alegria. Estes motivos eram, com a alegria que daí derivava para o seu
Pai, o avanço da obra da nossa redenção. Cada passo que dava no caminho do
Calvário, pagava uma parte da nossa dívida e quebrava um anel da nossa cadeia.
Como é que não se teria alegrado, se nos amava? Era somente sobre a cruz que
devia ter acabado de pagar a nossa dívida. Era lá que devia rasgar e pregar o
documento dos nossos compromissos (Col 2,14).
A cada passo que dava neste caminho, as potências das trevas recuavam. Avançava
para a vitória definitiva do Calvário, como não teria estado alegre e
triunfante? «Avança com confiança, diz S. Paulo, triunfando em si mesmo, porque
despoja os principados e as potências do inferno» (Col 2,15).
Se o amamos, se desejamos avançar o reino do seu Coração, se queremos fazer
recuar o demónio, apagar os nossos pecados, enriquecer-nos com graças e
contribuir para a salvação das almas, para a libertação dos defuntos que
expiam, levemos generosamente a nossa cruz quotidiana. A nossa cruz, é a de
Nosso Senhor da qual nos deixou uma pequena parte, para que possamos provar-lhe
o nosso amor e participar na sua glória: «Completo o que falta à Paixão de
Cristo», diz S. Paulo (Col 1,24).
Regozijai-vos, portanto, no Senhor, mesmo no tempo da provação e do sofrimento.
Porque estas são as verdadeiras causas de uma verdadeira e santa alegria. Os
sacrifícios e os sofrimentos são outros tantos passos que nos conduzem ao nosso
fim, que nos tornam semelhantes a Nosso Senhor e que nos aproximam do seu
Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 248).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra
«O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens; mas, ao
terceiro dia, ressuscitará» (Mt 17, 22-23)
| Fernando Fonseca, scj |
Obrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
ResponderExcluirDEUS te abençoe e te ilumine. Obrigado pela reflexão.
ResponderExcluirSanta Maria, Rio Grande do Sul.
Este comentário foi removido pelo autor.
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