16 Agosto
2020
ANO A
20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 20º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum
reflecte sobre a universalidade da salvação. Deus ama cada um dos seus filhos e
a todos convida para o banquete do Reino.
Na primeira leitura, Jahwéh garante ao seu Povo a chegada de uma nova era, na
qual se vai revelar plenamente a salvação de Deus. No entanto, essa salvação
não se destina apenas a Israel: destina-se a todos os homens e mulheres que
aceitarem o convite para integrar a comunidade do Povo de Deus.
O Evangelho apresenta a realização da profecia do Trito-Isaías, apresentada na
primeira leitura deste domingo. Jesus, depois de constatar como os fariseus e
os doutores da Lei recusam a sua proposta do Reino, entra numa região pagã e
demonstra como os pagãos são dignos de acolher o dom de Deus. Face à grandeza
da fé da mulher cananeia, Jesus oferece-lhe essa salvação que Deus prometeu
derramar sobre todos os homens e mulheres, sem excepção.
A segunda leitura sugere que a misericórdia de Deus se derrama sobre todos os
seus filhos, mesmo sobre aqueles que, como Israel, rejeitam as suas propostas.
Deus respeita sempre as opções dos homens; mas não desiste de propor, em todos
os momentos e a todos os seus filhos, oportunidades novas de acolher essa
salvação que Ele quer oferecer.
LEITURA I - Is 56,1.6-7
Leitura do Livro de Isaías
Eis o que diz o Senhor:
«Respeitai o direito, praticai a justiça,
porque a minha salvação está perto
e a minha justiça não tardará a manifestar-se.
Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor
para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos,
se guardarem o sábado, sem o profanarem,
se forem fiéis à minha aliança,
hei-de conduzi-los ao meu santo nome,
hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração.
Os seus holocaustos e os seus sacrifícios
serão aceites no meu altar,
porque a minha casa
será chamada casa de oração para todos os povos».
AMBIENTE
A primeira leitura deste domingo faz parte de
um bloco de textos a que se convencionou chamar "Trito-Isaías" (cfr.
Is 56-66). Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que
exerceu o seu ministério em Jerusalém, entre os retornados da Babilónia, nos
anos 537-520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de uma
pluralidade de autores, e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo
relativamente longo (provavelmente entre os séc. VI e V a.C.). Estamos, em
qualquer caso, na época pós-exílica.
Não é uma época fácil. Os retornados estão desiludidos, pois a tarefa da
reconstrução apresenta-se demorada e difícil. O país está arruinado, as cidades
destruídas e desabitadas, os campos incultos e abandonados. Os ricos bem
depressa começam a oprimir os pobres e a esmagar os humildes. Do ponto de vista
religioso, o ambiente caracteriza-se pela incompreensão dos planos de Deus,
pelo cepticismo e desconfiança, por um culto meramente exterior e pelo retorno
às práticas idolátricas. Nesta fase, desempenham um papel fundamental o
sacerdote Josué e o governador Zorobabel, responsáveis pelos trabalhos de
reconstrução do Templo.
Como é que os regressados a Jerusalém se relacionam, nesta fase, com os outros
povos? A resposta não é clara, até porque não conhecemos bem este período da
história do Povo de Deus. Alguns textos desta época mostram uma certa abertura
à universalidade, sugerindo que o exílio, ao permitir o contacto com outras
realidades culturais e religiosas, levou o Povo de Deus a uma certa tolerância
para com as outras nações... No entanto, outros textos da época manifestam um
fechamento cada vez mais acentuado (além da experiência dramática do exílio, a
oposição dos povos vizinhos na altura em que os retornados tentam reconstruir
Jerusalém aumenta a desconfiança em relação aos estrangeiros), que culminará na
política xenófoba de Esdras e Neemias, na segunda metade do séc. V a.C. (os
casamentos mistos entre judeus e estrangeiros são anulados e proibidos - cf.
Esd 9,1-10,44; Nee 13,23-31).
Não podemos situar exactamente, em termos cronológicos, o texto que nos é
proposto. Provavelmente, ele aparece nos primeiros decénios após o exílio,
quando a comunidade discute se os eunucos e os estrangeiros devem ou não
integrar a comunidade do Povo de Deus (cf. Is 56,3). De qualquer forma, o texto
leva-nos coloca-nos, sem dúvida, nesse ambiente - rico de desafios, mas cheio
de contradições - da época pós-exílica.
MENSAGEM
A essa comunidade desiludida e decepcionada, o
profeta anuncia que está para chegar um tempo novo. O que caracterizará essa
nova era é a presença na comunidade do Povo de Deus da salvação e da justiça.
A comunidade precisa, no entanto, de se preparar para receber o dom de Deus.
Como? Guardando o direito e praticando a justiça ("mishpat" e
"zedaqa" - as decisões justas dos tribunais, que fundamentam uma
recta ordem social).
Até aqui, a "promessa" não apresenta nada de verdadeiramente novo. A
"justiça" foi pregada e anunciada, vezes sem conta (com estas mesmas
palavras ou com outras semelhantes), por todos os profetas de Israel...
A verdadeira novidade aparece a seguir... A salvação que Deus vai oferecer não
se destina apenas a Israel, mas também aos estrangeiros. Trata-se de uma espantosa
revolução no universo religioso do Povo de Deus.
Para os autores do livro do Deuteronómio, os estrangeiros deveriam ser vencidos
e votados à destruição; Israel não podia jamais fazer qualquer pacto, nem
aceitar qualquer aliança matrimonial com eles. Os altares dos povos
estrangeiros deveriam ser destruídos, os seus monumentos quebrados, os seus
postes sagrados cortados, os seus ídolos queimados no fogo. Se Israel não
procedesse dessa forma e tolerasse os estrangeiros, a cólera de Jahwéh
inflamar-se-ia contra o seu Povo e exterminá-lo-ia rapidamente (cf. Dt 7,2-5).
Agora, é o próprio Deus que quer oferecer a sua salvação a todos os povos,
inclusive aos estrangeiros. O que é necessário aos estrangeiros para entrarem
na comunidade do Povo de Deus ("os estrangeiros que desejam unir-se ao
Senhor para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos" -
vers. 6)? Duas coisas: "guardarem o sábado, sem o profanarem" e serem
"fiéis à Aliança". Serão, então, membros de pleno direito da
comunidade do Povo de Deus. Participarão plenamente na vida litúrgica do Povo
de Deus e o próprio Jahwéh os conduzirá ao Templo, onde poderão oferecer
holocaustos e sacrifícios, como os israelitas. O Templo não será, então, um
condomínio fechado a que só
Israel tem acesso, mas será a "casa de oração para todos os povos"
(esta perspectiva deve ter conhecido uma tal dificuldade para se firmar em
Israel que, mesmo na época neo-testamentária, os estrangeiros que visitavam
Jerusalém não podiam passar da esplanada exterior do Templo - o "átrio dos
gentios" - e em nenhum caso podiam penetrar no "átrio dos
israelitas").
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
• Também nós vivemos num mundo de
contradições. Por um lado, o intercâmbio de ideias, de experiências, de
notícias, o contacto fácil, rápido e directo com qualquer pessoa, em qualquer
canto do mundo, contribuem para nos abrir horizontes, para nos ensinar o
respeito pela diferença, para nos fazer descobrir a riqueza de cada povo e de
cada cultura... Por outro lado, o egoísmo, a auto-suficiência, o medo dos
conflitos sociais, o sentimento de que um determinado estilo de vida pode estar
ameaçado, provocam o racismo e a xenofobia e levam-nos a fechar as portas
àqueles que querem cruzar as nossas fronteiras à procura de melhores condições
de vida... Não é, evidentemente, uma questão simples e que possa ser objecto de
demagogia... No entanto, o nosso Deus convida-nos a abrir o nosso coração à
universalidade, à diferença. Os outros homens e mulheres - estrangeiros,
diferentes, com outra cor de pele, com outra língua, com outros valores ou com
outra religião - são irmãos nossos, que devemos acolher e amar.
• A Igreja é a comunidade do Povo de Deus.
Todos os seus membros são filhos do mesmo Deus e irmãos em Jesus, embora
pertençam a raças diferentes, a culturas diferentes e a extractos sociais
diferentes. No entanto: todos são lá acolhidos da mesma forma? O rico e o pobre
são sempre tratados da mesma forma nas recepções das nossas igrejas? Aqueles
que têm comportamentos considerados social ou religiosamente incorrectos são
sempre tratados com amor e acolhidos com respeito nas nossas comunidades
cristãs, ou são tratados como cristãos de segunda?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 66 (67)
Refrão: Louvado sejais, Senhor, pelos povos de
toda a terra.
Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
Na terra se conhecerão os vossos caminhos
e entre os povos a vossa salvação.
Alegrem-se e exultem as nações,
porque julgais os povos com justiça
e governais as nações sobre a terra.
Os povos Vos louvem, ó Deus,
todos os povos Vos louvem.
Deus nos dê a sua bênção
e chegue o seu temor aos confins da terra.
LEITURA II - Rom 11,13-15.29-32
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Romanos
Irmãos:
É a vós, os gentios, que eu falo:
Enquanto eu for Apóstolo dos gentios,
procurarei prestigiar o meu ministério
a ver se provoco o ciúme dos homens da minha raça
e salvo alguns deles.
Porque, se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo,
o que será a sua reintegração
senão uma ressurreição de entre os mortos?
Porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis.
Vós fostes outrora desobedientes a Deus
e agora alcançastes misericórdia,
devido à desobediência dos judeus.
Assim também eles desobedeceram agora,
devido à misericórdia que alcançastes,
para que, por sua vez,
também eles alcancem agora misericórdia.
Efectivamente, Deus encerrou a todos na desobediência,
para usar de misericórdia para com todos.
AMBIENTE
Continuamos, com Paulo, a reflectir a questão
posta pela segunda leitura do passado domingo... Israel, apesar de ser o Povo
de eleito de Deus e o Povo da Promessa, recusou a salvação que Cristo veio
oferecer. Que lhe acontecerá, então? Ficará, devido a essa recusa, à margem da
salvação?
Vimos como esse problema afectava Paulo e como o fazia sofrer. Na introdução a
esta questão (cf. Rom 9,1-5), Paulo confessava a sua dor e tristeza ao ver o
seu povo obstinado na recusa da vida nova de Deus. Paulo admitia, até, aceitar
ser separado - ele próprio - de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu
aceitasse a salvação que Deus não desiste de lhe oferecer.
A desilusão e a tristeza de Paulo significarão a convicção de que não há mais
saída, que Israel vai manter-se fechado aos dons de Deus e que está,
definitivamente, à margem da salvação? Deus terá rejeitado o seu Povo?
De modo nenhum. Paulo vai, aliás, constatar que a questão não está encerrada.
Em primeiro lugar, porque uma parte (uma parte pequena, um "resto")
de Israel aderiu a Jesus (cf. Rom 11,1-6) e entrou na comunidade do Reino (o
próprio Paulo faz parte desse grupo); em segundo lugar, porque o endurecimento
de Israel face à oferta de salvação feita por Deus já estava prevista na
Escritura e insere-se, certamente, nos planos de Deus (cf. Rom 11,7-10).
De resto, a recusa de Israel fez com que o Evangelho fosse proposto aos gentios
(cf. Rom 11,11-12). Há males que vêm por bem; Deus escreve direito por linhas
tortas...
MENSAGEM
Entretanto, Paulo continua o seu ministério
entre os gentios, com a esperança de que os israelitas sintam ciúmes e acolham
os dons de Deus (vers. 13-14).
De resto, Paulo está convencido de que, um dia, todo o Israel será salvo. Assim
será, não só porque está anunciado na Escritura (cf. Rom 11,26-27), mas
sobretudo porque Deus permanece fiel às suas promessas.
Da sua parte, os gentios não têm nada que se sentir superiores aos israelitas.
Israel foi chamado por Deus desde os seus inícios e o chamamento de Deus é
irrevogável (vers. 29). Os gentios, que antes estavam longe de Deus, agora
tiveram acesso à sua graça; e os judeus, que agora se afastaram dos dons de
Deus, hão-de também alcançar a graça. Parece enquadrar-se tudo no projecto
salvífico de um Deus que permitiu que todos sejam rebeldes, a fim de sobre
todos deixar cair a sua misericórdia. E Israel, o Povo eleito, chamado por Deus
desde os seus inícios, não pode deixar de ser objecto especial da misericórdia
de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, as seguintes
propostas:
• Em primeiro lugar, o nosso texto convida-nos
a ter sempre presente que a misericórdia de Deus não abandona nenhum dos seus
filhos, mesmo aqueles que numa determinada fase da caminhada rejeitam as suas
propostas. Deus respeita sempre as opções livres dos homens; mas não desiste de
propor oportunidades infindáveis de salvação, que só esperam o "sim"
do homem.
• Em segundo lugar, o nosso text
o sugere que "Deus escreve direito por linhas tortas". Do mal, Ele é
sempre capaz de retirar o bem (se os judeus - com a sua mentalidade fechada aos
estrangeiros e com a sua mentalidade de que a salvação era uma proposta
exclusiva, só a eles destinada - tivessem aderido em massa ao Evangelho,
dificilmente teriam aceite que a proposta de salvação se tornasse universal).
Aquilo que, muitas vezes, nos parece ilógico e sem sentido, talvez faça parte
dos projectos de Deus - projectos que nem sempre conseguimos entender e
enquadrar nos nossos esquemas mentais. Temos de aprender a confiar em Deus e na
forma como Ele dirige a história, mesmo quando não conseguimos entender os seus
projectos.
• Em terceiro lugar, o nosso texto convida-nos
- implicitamente - a não nos arvorarmos em juízes dos nossos irmãos. Por um
lado, porque o comportamento tolerante de Deus nos convida a uma tolerância semelhante;
por outro, porque aquilo que nos parece estranho e reprovável pode fazer parte,
em última análise, dos projectos de Deus.
ALELUIA - cf. Mt 4,2
Aleluia. Aleluia.
Jesus proclamava o evangelho do reino
e curava todas as doenças entre o povo.
EVANGELHO - Mt 15,21-28
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Mateus
Naquele tempo,
Jesus retirou-Se para os lados de Tiro e Sidónia.
Então, uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores,
começou a gritar:
«Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim.
Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».
Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra.
Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe:
«Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós».
Jesus respondeu:
«Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel».
Mas a mulher veio prostrar-se diante d'Ele, dizendo:
«Socorre-me, Senhor».
Ele respondeu:
«Não é justo que se tome o pão dos filhos
para o lançar aos cachorrinhos».
Mas ela replicou:
«É verdade, Senhor;
mas também os cachorrinhos
comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».
Então Jesus respondeu-lhe:
«Mulher, e grande a tua fé.
Faça-se como desejas».
E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.
AMBIENTE
Continuamos na secção da "instrução sobre
o Reino" (cf. Mt 13,1-17,27). Depois de apresentar a pregação sobre o
Reino em parábolas (cf. Mt 13,1-52), Mateus descreve a resposta dos
interlocutores de Jesus à proposta que lhes foi transmitida (cf. Mt 14,1-17,27).
De uma forma geral, a comunidade judaica responde negativamente ao desafio
apresentado por Jesus. Quer os nazarenos (cf. Mt 13,53-58), quer Herodes (cf.
Mt 14,1-12), quer os escribas, quer os fariseus, quer os saduceus (cf. Mt
15,1-9; 16,1-4.5-12) recusam embarcar na aventura do Reino. Começa a tornar-se,
cada vez mais claro, que a comunidade judaica não está disposta a acolher a
proposta de Jesus.
O episódio que nos é proposto é, precisamente, antecedido de um confronto entre
Jesus, por um lado, os fariseus e doutores da Lei, por outro, por causa das
tradições judaicas (cf. Mt 15,1-9). Em ruptura com os fariseus e os doutores da
Lei, Jesus "retirou-Se dali e foi para os lados de Tiro e de Sídon".
A recusa de Israel em acolher a proposta do Reino vai fazer com que a pregação
de Jesus se dirija para fora das fronteiras de Israel. A comunidade dos
discípulos - esse grupo que escutou atentamente a proposta do Reino e a acolheu
- acompanha Jesus.
O episódio narrado no Evangelho deste domingo situa-nos na "região de Tiro
e Sídon". Diante de Jesus apresenta-se uma mulher "cananeia". O
apelativo "cananeia" designa, no Antigo Testamento, uma mulher pagã
(neste caso, trata-se de uma mulher fenícia, provavelmente residente na região
de Tiro e Sídon).
A Fenícia não era, aos olhos dos judeus, uma região "recomendável".
De lá tinham vindo, frequentemente, exércitos inimigos; de lá tinham vindo,
muitas vezes, influências religiosas nefastas, que afastavam os israelitas da
fé em Jahwéh e os levavam a correr atrás dos deuses cananeus. A famosa Jezabel,
mulher do rei Acab, que potenciou o culto a Baal e Asserá (meados do séc. IX
a.C., na época do profeta Elias) e que tão má memória deixou entre os fiéis a
Jahwéh era filha de um rei de Sídon. Não admira, portanto, que os fariseus e
doutores da Lei, defensores intransigentes da Lei e da pureza da fé,
considerassem os habitantes dessa zona como "cães" (designação que,
para os judeus, tinha um sentido altamente pejorativo).
O apelo da mulher fenícia vai no sentido de que ela possa, também, ter acesso a
essa salvação que Jesus veio propor. Jesus passará por cima dos preconceitos
religiosos dos judeus e oferecerá a salvação a esta pagã? Uma mulher fenícia
(estrangeira, inimiga, oriunda de uma região com má fama e, ainda por cima,
"mulher") merecerá a graça da salvação?
MENSAGEM
Consideremos, em primeiro lugar, a figura da
mulher fenícia... As suas três intervenções mostram, por um lado, a sua ânsia
de salvação; e, por outro, a fé firme e convicta que a anima (as designações
"filho de David" - que equivale a "Messias" - e "Senhor"
- "Kyrios" - com que ela se dirige a Jesus, lidas em contexto
cristão, equivalem a uma confissão de fé). É uma figura que nos impressiona
pela fé, pela humildade e também pelo sofrimento que transparece no seu apelo.
Surpreende-nos depois, numa primeira leitura, a forma dura como Jesus trata
esta mulher que pede ajuda. Ele começa por passar em silêncio, aparentemente
insensível aos apelos da mulher (vers. 23). Depois, perante a insistência dos
discípulos, responde: "não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa
de Israel" (vers. 24). Finalmente, diante do dramático último apelo da
mulher ("socorre-me, Senhor"), responde: "não é justo que se
tome o pão dos filhos para o lançar aos cães" (vers. 26).
Como entender esta atitude rude e insensível do mestre galileu, sempre preocupado
em traduzir em gestos concretos o amor e a misericórdia de Deus pelos homens? A
reacção de Jesus será fruto da convicção de que, de acordo com o plano de Deus,
a salvação devia derramar-se, em primeiro lugar, pelos judeus, antes de
alcançar os gentios?
A atitude de Jesus faz sentido, se a virmos como uma estratégia pedagógica,
destinada a mostrar o sem sentido dos preconceitos judaicos contra os pagãos.
Jesus conduziu o jogo de forma a demonstrar como eram ridículas as atitudes de
discriminação dos pagãos, propostas pela catequese oficial judaica. Endurecendo
progressivamente a sua atitude face ao apelo que
lhe foi feito pela "cananeia", Jesus dá à mulher a possibilidade de
demonstrar a firmeza e a convicção da sua fé e prova aos judeus que os pagãos
são bem dignos - talvez mais dignos do que esses "santos" membros do
Povo de Deus - de se sentar à mesa do Reino. Esta mulher, na sua humildade, nem
sequer reivindica equiparar-se a esse Povo eleito, convidado por Deus para o
banquete do Reino... Ela está disposta a ficar apenas com "as
migalhas" que caem da mesa (vers. 27); mas pede insistentemente que lhe
permitam ter acesso a essa salvação que Jesus traz. Ao contrário, os fariseus e
doutores da Lei, fechados na sua auto-suficiência e nos seus preconceitos,
rejeitam continuamente essa salvação que Jesus não cessa de lhes oferecer.
No final de toda esta caminhada de afirmação da "bondade" e do
"merecimento" desses pagãos que a teologia oficial de Israel
desprezava, Jesus conclui: "Mulher, grande é a tua fé. Faça-se como
desejas". A afirmação de Jesus significa: "na verdade tu estás
disposta a acolher-Me como o enviado do Pai e a aceitar o pão do Reino, o pão
com que Deus mata a fome de vida de todos os seus filhos. Recebe essa salvação
que se destina a todos aqueles que têm o coração aberto aos dons de Deus".
É possível que Mateus esteja, nesta catequese, a responder a uma situação
concreta da sua comunidade... Nos finais do século primeiro (o Evangelho
segundo Mateus aparece durante a década de oitenta), alguns judeo-cristãos
ainda tinham dificuldade em aceitar a entrada dos pagãos na Igreja de Jesus.
Mateus recorda-lhes, então, que para Jesus o que é decisivo não é a raça, a
história, a eleição, mas a adesão firme e convicta à proposta de salvação que,
em Jesus, Deus faz aos homens.
O texto mostra que a proposta de Jesus é para todos. A comunidade de Jesus é,
verdadeiramente, uma comunidade universal. Aquilo que é decisivo, no acesso à
salvação, é a fé - isto é, a capacidade de aderir a Jesus e à sua proposta de
vida.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir dos seguintes
elementos:
• A primeira questão que o nosso texto põe
prende-se com a definição daquilo que é essencial na experiência cristã. Quem é
que é cristão? Quem é que pode fazer parte da comunidade de Jesus? A resposta
está implícita na história da mulher cananeia: torna-se membro da comunidade de
Jesus quem aceita a sua oferta de salvação, quem acolhe o Reino, adere a Jesus
e ao Evangelho. O que é determinante, para integrar a comunidade do Reino, não
é a raça, a cor da pele, o local de nascimento, a tradição familiar, a formação
académica, a capacidade intelectual, a visibilidade social, o cumprimento de
ritos, a recepção de sacramentos, a amizade com o pároco, os serviços prestados
à "fábrica da igreja", mas a fé (entendida como adesão a Jesus e à
sua proposta de salvação). Para mim, o que é que é ser cristão? O que está no
centro da minha experiência cristã é a pessoa de Jesus e a sua proposta de
salvação? Em que é que se fundamenta a minha fé?
• O exemplo da mulher cananeia leva-nos a
pensar, por contraste, nesses "fariseus e doutores da Lei" que
rejeitam a oferta de salvação que Deus lhes faz, em Jesus. Estão cheios de
certezas, de convicções firmes, de preconceitos; mas não têm o coração aberto
aos desafios que Deus lhes faz... Conhecem bem a Palavra de Deus, têm ideias
definidas acerca do que Deus quer ou não quer, são orgulhosos e
auto-suficientes porque se consideram um povo santo, eleito de Deus, mas não
têm esse coração humilde e simples para acolher a novidade de Deus... Atenção:
o verdadeiro crente é aquele que se apresenta diante de Deus numa atitude de
humildade e simplicidade, acolhendo com um coração agradecido os dons de Deus e
a graça da salvação. O verdadeiro crente não se barrica em certezas imutáveis
ou em chavões doutrinais, mas procura descobrir, cada dia, com humildade e
simplicidade, a verdade eterna de Deus e as suas propostas para o mundo e para
os homens.
• Teoricamente, ninguém põe em causa que a
Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade aberta a todos os homens e
mulheres, de todas as raças, culturas, classes sociais, quadrantes políticos...
Na prática, será que todos encontram na Igreja um espaço de comunhão, de amor,
de fraternidade? Os homens e as mulheres, os casados e os divorciados, os
pobres e os ricos, os instruídos e os analfabetos, os conhecidos e os
desconhecidos, os bons e os maus, os novos e os velhos, todos são acolhidos na
comunidade cristã sem discriminação e todos são convidados a pôr a render, para
benefício dos irmãos, os talentos que Deus lhes deu? Independentemente do que
os documentos da Igreja dizem, do que o Papa ou os bispos dizem, o que é que eu
faço para que a minha comunidade cristã seja um espaço de fraternidade, onde
todos se sentem acolhidos e amados?
• Como a primeira leitura, também o Evangelho
sugere uma reflexão sobre a forma como acolhemos o estrangeiro, o irmão
diferente, o "outro" que, por razões políticas, económicas, sociais,
laborais, culturais, turísticas, vem ao nosso encontro. Se Deus não discrimina
ninguém, mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e mulheres, sem
distinção, porque não havemos de proceder da mesma forma? Particular cuidado e
atenção devem merecer-nos os imigrantes que não falam a nossa língua, que não
têm casa, que não têm trabalho, que sentem a ausência da família e dos amigos,
que são perseguidos pelas redes que exploram o trabalho escravo... O convite
que Deus nos faz é que vejamos em cada pessoa um irmão, independentemente das
diferenças de cor da pele, de nacionalidade, de língua ou de valores.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO
DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. ACOLHER.
Ainda em ambiente pela proximidade da Solenidade da Assunção, a liturgia deste
domingo deve primar pela simplicidade. Procure-se dar uma atenção particular ao
acolhimento. Dar atenção àqueles que participam nesta celebração e que
habitualmente não estão, porque vieram doutras terras em tempo de férias. Se há
estrangeiros, o celebrante procure dirigir-lhes algumas palavras na sua própria
língua.
3. FAVORECER O SILÊNCIO.
Para favorecer os momentos de silêncio na liturgia da missa, procure-se, antes
de cada leitura, deixar um tempo de silêncio entre a primeira leitura e o
salmo, entre o salmo e a segunda leitura, entre a segunda leitura e a aclamação
ao Evangelho, depois da homilia. Se há lugar a uma breve introdução antes de
cada leitura, procure-se deixar um tempo de silêncio entre a introdução e a
proclamação do texto bíblico, de modo a distinguir com clareza uma e outra.
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Nós Te bendizemos, Deus nosso Pai. Desde as primeiras alianças deste a conhecer
o teu amor sem fronteiras. Ninguém está excluído da tua escolha, abres as
portas do teu Reino a todo o homem justo.
Dissipa dos nossos corações a tendência em seleccionar sem razão e em excluir
injustamente, abre os nossos espíritos a todos os nossos irmãos.
No final da segunda leitura:
Deus, Pai da humanidade, os teus dons e o teu apelo são irrevogáveis, a tua
misericórdia estende-se a todos os homens, Tu envias os teus profetas, os teus
apóstolos e os teus missionários a todos os povos da terra. Nós Te bendizemos.
Pelo teu Espírito Santo, volta para Ti os nossos corações, apoia os teus
mensageiros, prepara os povos que ainda estão longe de Ti para escutar o teu
Evangelho.
No final do Evangelho:
Jesus, irmão de todos os homens, o teu coração é acolhedor para todos os nossos
sofrimentos, distribuis muito mais que migalhas, dás generosamente o pão da
vida. Bendito sejas.
Confirma a nossa confiança em Ti. Que o teu Espírito nos dê a audácia de nos
confiar a Ti em qualquer circunstância, na alegria e no sofrimento.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística I das Assembleias com Crianças, que tem
uma simplicidade de tom na sua intercessão que recorda a da cananeia.
6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Os "estrangeiros"... Na caminhada da próxima semana e das nossas
férias, marcar os nossos comportamentos para com aqueles que são
"estrangeiros" de uma maneira ou de outra: raça, cultura, meio
social, religião... Verificar o lugar que lhes damos no segredo do nosso
coração: como nossos irmãos diante do nosso Pai... ou como vagabundos de
passagem que deverão contentar-se com as migalhas?...
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
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Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo, Adélio Francisco) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
ResponderExcluirObrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
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