9 Agosto 2020
ANO A
19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 19º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum tem
como tema fundamental a revelação de Deus. Fala-nos de um Deus apostado em
percorrer, de braço dado com os homens, os caminhos da história.
A primeira leitura convida os crentes a regressarem às origens da sua fé e do
seu compromisso, a fazerem uma peregrinação ao encontro do Deus da comunhão e
da Aliança; e garante que o crente não encontra esse Deus nas manifestações
espectaculares, mas na humildade, na simplicidade, na interioridade.
O Evangelho apresenta-nos uma reflexão sobre a caminhada histórica dos
discípulos, enviados à "outra margem" a propor aos homens o banquete
do Reino. Nessa "viagem", a comunidade do Reino não está sozinha, à
mercê das forças da morte: em Jesus, o Deus do amor e da comunhão vem ao encontro
dos discípulos, estende-lhes a mão, dá-lhes a força para vencer a adversidade,
a desilusão, a hostilidade do mundo. Os discípulos são convidados a
reconhecê-l'O, a acolhê-l'O e a aceitá-l'O como "o Senhor".
A segunda leitura sugere que esse Deus, apostado em vir ao encontro dos homens
e em revelar-lhes o seu rosto de amor e de bondade, tem uma proposta de
salvação que oferece a todos. Convida-nos a estarmos atentos às manifestações
desse Deus e a não perdermos as oportunidades de salvação que Ele nos oferece.
LEITURA I - 1 Reis 19,9a.11-13a
Leitura do Primeiro Livro dos Reis
Naqueles dias,
o profeta Elias chegou ao monte de Deus, o Horeb,
e passou a noite numa gruta.
O Senhor dirigiu-lhe a palavra, dizendo:
«Sai e permanece no monte à espera do Senhor».
Então, o Senhor passou.
Diante d'Ele, uma forte rajada de vento
fendia as montanhas e quebrava os rochedos;
mas o Senhor não estava no vento.
Depois do vento, sentiu-se um terramoto;
mas o Senhor não estava no terramoto.
Depois do terramoto, acendeu-se um fogo;
mas o Senhor não estava no fogo.
Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa.
Quando o ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto,
saiu e ficou à entrada da gruta.
AMBIENTE
A nossa leitura situa-nos no Reino do Norte
(Israel), durante o reinado de Acab (873-853 a.C.). No país multiplicam-se os
lugares sagrados onde se adoram deuses estrangeiros. De acordo com 1 Re
16,31-33, o próprio rei - influenciado por Jezabel, a sua esposa fenícia -
erige altares a Baal e Asserá e presta culto a esses deuses. Por detrás deste
quadro está, provavelmente, a tentativa de Acab em abrir Israel a outras
nações, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial. Mas essas razões
políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel.
Contra estes desvios à fé tradicional, levanta-se o profeta Elias. Ele aparece
como o representante desses israelitas fiéis, que recusam a substituição de
Jahwéh por deuses estranhos ao universo religioso de Israel. Num episódio
dramático cuja memória é conservada no primeiro Livro dos Reis, o próprio Elias
desafia os profetas de Baal para um duelo religioso, que termina com o massacre
de quatrocentos profetas de Baal, no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio
é, certamente, uma representação teológica dessa luta sem tréguas que se trava
entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e
religiosas de outros povos.
O texto que nos é proposto como primeira leitura aparece, precisamente, na
sequência do massacre do Carmelo. Jezabel, informada da morte dos profetas de
Baal, promete matar Elias; e o profeta foge para o sul, a fim de salvar a vida.
Atravessa o Reino do Sul (Judá), passa por Beer-Sheva e dirige-se para o
deserto, em direcção ao monte Horeb/Sinai (cf. 1 Re 19,1-8). É aí que o nosso
texto nos situa.
MENSAGEM
A peregrinação de Elias ao Sinai/Horeb é uma
espécie de regresso aos inícios. Com Elias, é todo o Israel - esse Israel
infiel à aliança, que se deixou seduzir pelos cultos cananeus - que regressa às
suas origens, ao lugar do seu compromisso inicial com Deus. Israel precisa de
se encontrar de novo com Jahwéh e redescobrir a sua vocação de Povo da Aliança.
A cena descrita pelo texto que nos é proposto contém uma clara alusão à
revelação de Deus a Moisés (cf. Ex 19,16-17; 33,18-23; 34,5-8): assim como Deus
Se revelou a Moisés no Sinai/Horeb, assim também Se revela a Elias no mesmo
lugar. Dessas revelações resulta, para um e para outro, um compromisso com a
Aliança... Depois de receber a revelação de Jahwéh, Moisés torna-se o instrumento
através do qual Deus propõe ao Povo uma Aliança; e Elias, depois de receber a
revelação de Jahwéh, torna-se o instrumento através do qual Deus relança uma
Aliança ameaçada de ruptura, devido à infidelidade do Povo.
Há, no entanto, uma diferença significativa... A Moisés, Deus revelou-Se no
meio de fenómenos naturais aterrorizadores ("trovões e relâmpagos",
uma "pesada nuvem", o "fumo" que envolvia toda a montanha,
o "fogo", o terramoto que fazia a montanha tremer - Ex 19,16-17). A
Elias, Deus não Se revelou nos elementos típicos das manifestações teofânicas
(o vento forte que "fendia as montanhas e quebrava os rochedos", o
terramoto, o fogo); mas revelou-Se na "brisa ligeira". Diante da
manifestação de Deus, Elias cumpriu o ritual adequado: "cobriu o rosto com
o manto", já que o homem não pode contemplar face a face o mistério de
Deus.
A intenção dos autores deuteronomistas não parece ser polemizar contra a
catequese tradicional das manifestações de Deus... Parece ser, antes,
distanciar Jahwéh de Baal, considerado na mitologia cananeia o deus do trovão e
da tempestade, que fazia a terra tremer com a sua voz poderosa. A intenção
fundamental do autor seria mostrar que Jahwéh não Se manifesta em fenómenos
assombrosos e espectaculares, mas sim na intimidade, na tranquilidade, no
silêncio que ecoa no coração de quem procura a comunhão com Deus.
O encontro com esse Deus que Se manifesta no silêncio, na intimidade, na
simplicidade, na humildade, na interioridade do coração do homem leva à acção
(num desenvolvimento que o texto que nos é hoje proposto pela liturgia não
apresenta, Jahwéh confia a Elias uma missão profética - cf. 1 Re 19,15-18): o
encontro com Deus conduz sempre o homem a um empenho concreto e a um
compromisso com o mundo.
Com Elias, Israel é convidado a voltar aos inícios, a redescobrir as suas
raízes de Povo de Deus, a reencontrar o rosto de Jahwéh (que é muito diferente
dos rostos desses deuses que, todos os dias, seduzem o Povo e o af
astam dos seus compromissos), a renovar a sua Aliança com Ele, a escutar a voz
de Deus que ecoa no coração de cada membro da comunidade, a aceitar dar
testemunho de Deus e dos seus projectos no meio do mundo.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode ter em conta os seguintes
dados:
• Quem é Deus? Como é Deus? É possível provar,
sem margem para dúvidas, a existência de Deus? Estas e outras perguntas já as
fizemos, certamente, a nós próprios ou a alguém. Todos nós somos pessoas a quem
Deus inquieta: há um "qualquer coisa" no coração do homem que o
projecta para o transcendente, que o leva a interrogar-se sobre Deus e a tentar
descobrir o seu rosto... No entanto, Deus não é evidente. Se confiarmos apenas
nos nossos sentidos, Deus não existe: não conseguimos vê-l'O com os nossos
olhos, sentir o seu cheiro ou tocá-l'O com as nossas mãos. Mais ainda: nenhum
instrumento científico, nenhum microscópio electrónico, nenhum radar espacial
detectou jamais qualquer sinal sensível de Deus. Talvez por isso o soviético
Yuri Gagarin, o primeiro homem do espaço, mal pôs os pés na terra apressou-se a
afirmar que não tinha encontrado na estratosfera qualquer marca de Deus... O
texto que nos é proposto convida todos aqueles que estão interessados em Deus,
a descobri-l'O no silêncio, na simplicidade, na intimidade... É preciso calar o
ruído excessivo, moderar a actividade desenfreada, encontrar tempo e
disponibilidade para consultar o coração, para interrogar a Palavra de Deus,
para perceber a sua presença e as suas indicações nos sinais (quase sempre
discretos) que Ele deixa na nossa história e na vida do mundo... Tenho
consciência de que preciso encontrar tempo para "buscar Deus"? De
acordo com a minha experiência de procura, onde é que eu O encontro mais
facilmente: na agitação e nos gestos espectaculares, ou no silêncio, na
humildade e na simplicidade?
• Hoje como ontem, há outros deuses, outras
propostas de felicidade, que nos procuram seduzir e atrair... Há deuses que
gritam alto (em todos os canais de televisão?) a sua capacidade de nos oferecer
uma felicidade imediata; há deuses que, como um terramoto, fazem tremer as
nossas convicções e lançam por terra os valores que consideramos mais sagrados;
há deuses que, com a força da tempestade, nos arrastam para atitudes de
egoísmo, de prepotência, de injustiça, de comodismo, de ódio... O nosso texto
convida-nos a uma peregrinação ao encontro das nossas raízes, dos nossos
compromissos baptismais... Temos, permanentemente, de partir ao encontro do
Deus que fez connosco uma Aliança e que nos chama todos os dias à comunhão com
Ele... Aceito percorrer este caminho de conversão? Encontro tempo para
redescobrir o Deus da Aliança com quem me comprometi no dia do meu Baptismo?
Quais são os falsos deuses que, às vezes, me afastam da comunhão com o
verdadeiro Deus?
• Na história de Elias (e na história de
qualquer profeta), a descoberta de Deus leva ao compromisso, à acção, ao
testemunho... Depois de encontrar o Deus da Aliança, aceito comprometer-me com
Ele? Estou disposto a cumprir a missão que Ele me confia no mundo? Estou
disponível para O testemunhar no meio dos meus irmãos?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 84 (85)
Refrão: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
e dai-nos a vossa salvação.
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
e a quantos de coração a Ele se convertem.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.
LEITURA II - Rom 9,1-5
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Romanos
Irmãos:
Eu digo a verdade, não minto,
e disso me dá testemunho a consciência no Espírito Santo:
Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração.
Quisera eu próprio ser separado de Cristo
por amor dos meus irmãos,
que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas,
a quem pertencem a adopção filial, a glória, as alianças,
a legislação, o culto e as promessas,
a quem pertencem os Patriarcas
e de quem procede Cristo segundo a carne,
Ele que está acima de todas as coisas,
Deus bendito por todos os séculos. Amen.
AMBIENTE
Depois de apresentar, nos primeiros oito
capítulos da Carta aos Romanos, uma catequese sobre a salvação (apesar do
pecado que submerge todos os homens e desfeia o mundo Deus, na sua bondade,
oferece gratuitamente a todos os homens, através de Jesus Cristo, a salvação),
Paulo vai referir-se, agora, a um problema particular, mas que o preocupa a ele
e a todos os cristãos: que acontecerá a Israel que, apesar de ser o Povo eleito
de Deus e o Povo da Promessa, recusou essa salvação que Cristo veio oferecer?
Israel ficará, devido a essa recusa, definitivamente à margem da salvação? Na
verdade, Deus jurou ao seu Povo, em vários momentos da história, libertá-lo e
salvá-lo; ora, se Israel ficar excluído da salvação, podemos dizer que Deus
falhou? Podemos continuar a confiar na sua Palavra? É a estas questões que,
genericamente, Paulo procura responder nos capítulos 9-11 da Carta aos Romanos.
O texto que nos é proposto como segunda leitura deste domingo é a introdução a
esta questão.
MENSAGEM
Pelo texto perpassa a grande tristeza e dor
que a questão levanta no coração de Paulo. O problema da salvação de Israel
incomoda-o tanto que ele até aceitaria tornar-se "anátema" (no Antigo
Testamento, o que era "anátema" devia ser totalmente destruído; no
Novo Testamento, "anátema" equivale a "maldito" e
implicava, quer a exclusão da comunidade do Povo de Deus, quer a maldição
divina) e ser separado de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu
aceitasse a salvação que Deus lhe oferece. Trata-se de expressões que são para
levar a sério? Digamos, apenas, que são afirmações excessivas, mas que dão bem
a ideia do sofrimento de Paulo e da sua preocupação com a sorte do seu Povo.
Na verdade, Israel foi adoptado por Deus, é o Povo da Aliança, da Lei, do
culto, das Promessas, dos antepassados que escutaram Deus e viveram em comunhão
com Ele... Israel é, até, o Povo do qual nasceu Cristo; ora, esse Cristo que
"está acima de todas as coisas" deixará o seu Povo "se
gundo a carne" entregue à morte?
A leitura que nos é hoje proposta não vai mais além; mas, no conjunto da sua
reflexão sobre esta questão (cf. Rom 9,1-11,36), Paulo mostrará que Deus é
eternamente fiel às suas promessas e que nunca falha... Ele tem os seus planos;
e a desobediência actual de Israel deverá fazer parte dos planos de Deus. Paulo
acabará, no final da secção, por manifestar a sua convicção de que a
misericórdia de Deus se derramará também sobre Israel.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os seguintes
desenvolvimentos:
• Uma das coisas que impressiona, neste texto,
é a forma como Paulo sente a infelicidade do seu Povo. A obstinação de Israel
em recusar a salvação fá-lo sentir "uma grande tristeza e uma dor
contínua" no coração. Todos nós conhecemos irmãos - mesmo baptizados - que
recusam a salvação que Deus oferece ou que, pelo menos, vivem numa absoluta
indiferença face à vida plena que Deus lhes quer dar. Como nos sentimos diante
deles? Ficamos indiferentes e achamos que não é nada connosco? Deixamo-nos
contaminar por essa indiferença e escolhemos, como eles, caminhos de egoísmo e
de auto-suficiência? Ou sentimos que é nossa responsabilidade continuar a
testemunhar diante deles os valores em que acreditamos e que conduzem à vida
plena e verdadeira?
• Este texto propõe-nos também uma reflexão
sobre as oportunidades perdidas... Israel, apesar de todas as manifestações da
bondade e do amor de Deus que conheceu ao longo da sua caminhada pela história,
acabou por se instalar numa auto-suficiência que não lhe permitiu acompanhar o
ritmo de Deus, nem descobrir os novos desafios que o projecto da salvação de
Deus faz, em cada fase, aos homens. O exemplo de Israel faz-nos pensar no nosso
compromisso com Deus... Em primeiro lugar, mostra-nos a importância de não nos
instalarmos num esquema de vivência medíocre da fé e sugere que o
"sim" a Deus do dia do nosso baptismo precisa de ser renovado em cada
dia da nossa vida... Em segundo lugar, sugere que o cristão não pode
instalar-se nas suas certezas e auto-suficiências, mas tem de estar atento aos
desafios, sempre renovados, de Deus... Em terceiro lugar, sugere que o ter o
nome inscrito no livro de registos da nossa paróquia não é um certificado de
garantia de salvação (a salvação passa sempre pela adesão sempre renovada aos
dons de Deus).
ALELUIA - Salmo 129,5
Aleluia. Aleluia.
Eu confio no Senhor,
a minha alma espera na sua palavra.
EVANGELHO - Mt 14,22-33
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Mateus
Depois de ter saciado a fome à multidão,
Jesus obrigou os discípulos a subir para o barco
e a esperá-l'O na outra margem,
enquanto Ele despedia a multidão.
Logo que a despediu,
subiu a um monte, para orar a sós.
Ao cair da tarde, estava ali sozinho.
O barco ia já no meio do mar,
açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário.
Na quarta vigília da noite,
Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar.
Os discípulos, vendo-O a caminhar sobre o mar,
assustaram-se, pensando que fosse um fantasma.
E gritaram cheios de medo.
Mas logo Jesus lhes dirigiu a palavra, dizendo:
«Tende confiança. Sou Eu. Não temais».
Respondeu-Lhe Pedro: «Se és Tu, Senhor,
manda-me ir ter contigo sobre as águas».
«Vem!» - disse Jesus.
Então, Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas,
para ir ter com Jesus.
Mas, sentindo a violência do vento e começando a afundar-se,
gritou: «Salva-me, Senhor!»
Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o.
Depois disse-lhe:
«Homem de pouca fé, porque duvidaste?»
Logo que saíram para o barco, o ventou amainou.
Então, os que estavam no barco prostraram-se diante de Jesus,
e disseram-Lhe:
«Tu és verdadeiramente o Filho de Deus».
AMBIENTE
No passado domingo, Jesus foi-nos apresentado
como o novo Moisés, que conduz "ao deserto" um povo de coração
escravo. Aí, liberta-o da opressão do egoísmo, ao mostrar-lhe que os bens são
um dom de Deus, destinados a ser partilhados com todos os homens. Nasce, assim,
a comunidade do Reino - isto é, essa comunidade fraterna de amor e de partilha,
que se senta à mesa de Deus e que d'Ele recebe vida em abundância (cf. Mt
14,13-21).
O texto do Evangelho que hoje nos é proposto vem na sequência desse episódio.
Mateus começa por observar que, depois desses sucessos, Jesus "obrigou os
discípulos a subir para o barco e a esperá-l'O na outra margem, enquanto Ele
despedia a multidão" (Mt 14,22). Esta nota pode indicar que Jesus quis
arrefecer o entusiasmo excessivo dos discípulos (o autor do quarto Evangelho, a
propósito do mesmo episódio, refere que Jesus Se retirou sozinho para o monte,
pois sabia que "viriam arrebatá-l'O para O fazerem rei" - Jo 6,15).
O episódio situa-nos na área do lago de Tiberíades ou da Genesaré, esse lago de
água doce com 21 quilómetros de comprimento e 12 de largura situado na Galileia
e que é o grande reservatório de água doce da Palestina.
Para os judeus, o mar - e o lago de Tiberíades ou de Genesaré é considerado,
para todos os efeitos, um "mar" - era o lugar onde habitavam os
monstros, os demónios e todas as forças que se opunham à vida e à felicidade do
homem. Na perspectiva da teologia judaica, no mar o homem estava à mercê das
forças demoníacas; e só o poder de Deus podia salvá-lo...
Recordemos, ainda, que o nosso texto está incluído numa secção (cf. Mt
13,1-17,27) do Evangelho segundo Mateus, a que poderíamos chamar
"instrução sobre o Reino". Aí, Mateus põe Jesus a dirigir-Se
sobretudo aos discípulos e a instruí-los sobre os valores e os mistérios do
Reino. É neste contexto de catequese sobre o Reino que devemos situar o
episódio que hoje nos é proposto.
Lembremos, finalmente, que o Evangelho segundo Mateus - escrito durante a
década de 80 - se destina a uma comunidade cristã que já esqueceu o seu
entusiasmo inicial por Jesus e pelo seu Evangelho e que vive uma fé cómoda,
instalada, pouco exigente. Para os crentes, avizinham-se grandes contrariedades
e perseguições... A comunidade só poderá subsistir se confiar em Jesus, na sua
presença, na sua protecção.
MENSAGEM
Depois de despedir a multidão e de obrigar os
discípulos a embarcar para a outra margem, Jesus "subiu a um monte para
orar, a sós". Mateus só se refere à oração de Jesus por duas vezes: aqui e
no episódio do Getsemani (cf. Mt 26,36): em ambos os casos, a oraç
ão precede um momento de prova para os discípulos.
Enquanto Jesus está em diálogo com o Pai, os discípulos estão sozinhos, em
viagem pelo lago. Essa viagem, no entanto, não é fácil nem serena... É de
noite; o barco é açoitado pelas ondas e navega dificilmente, com vento
contrário. Os discípulos estão inquietos e preocupados, pois Jesus não está com
eles...
O quadro refere-se, certamente, à situação da comunidade a que Mateus destina o
seu Evangelho (e que não será muito diferente da situação de qualquer
comunidade cristã, em qualquer tempo e lugar). A "noite" representa
as trevas, a escuridão, a confusão, a insegurança em que tantas vezes
"navegam" através da história os discípulos de Jesus, sem saberem
exactamente que caminhos percorrer nem para onde ir... As "ondas" que
açoitam o barco representam a hostilidade do mundo, que bate continuamente
contra o barco em que viajam os discípulos... Os "ventos contrários"
representam a oposição, a resistência do mundo ao projecto de Jesus - esse
projecto que os discípulos testemunham... Quantas vezes, na sua viagem pela
história, os discípulos de Jesus se sentem perdidos, sozinhos, abandonados,
desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar as tempestades que as forças
da morte e da opressão (o "mar") lançam contra eles...
É aí, precisamente, que Jesus manifesta a sua presença. Ele vai ao encontro dos
discípulos "caminhando sobre o mar" (vers. 26). No contexto da
catequese judaica, só Deus "caminha sobre o mar" (Job 9,8b; 38,16;
Sal 77,20); só Ele faz "tremer as águas e agitarem-se os abismos"
(Sal 77,17); só Ele acalma as ondas e as tempestades (cf. Sal 107,25-30). Jesus
é, portanto, o Deus que vela pelo seu Povo e que não deixa que as forças da
morte (o "mar") o destruam. A expressão "sou Eu" reproduz a
fórmula de identificação com que Deus se apresenta aos homens no Antigo
Testamento (cf. Ex 3,14; Is 43,3.10-11); e a exortação "tende confiança,
não temais" transmite aos discípulos a certeza de que nada têm a temer
porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte e da opressão acompanha a par
e passo a sua caminhada histórica e dá-lhes a força para vencer a adversidade,
a solidão e a hostilidade do mundo.
Depois, Mateus narra uma cena exclusiva, que não é apresentada por nenhum outro
evangelista: a do diálogo entre Pedro e Jesus (vers. 28-33). Tudo começa com o
pedido de Pedro: "se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as
águas". Pedro sai do barco e vai, de facto, ao encontro de Jesus; mas,
assustando-se com a violência do vento, começa a afundar-se e pede a Jesus que
o salve. Assim acontece, embora Jesus censure a sua pouca fé e as suas dúvidas.
Pedro é, aqui, o porta-voz e o representante dessa comunidade dos discípulos
que vai no barco (a Igreja). O episódio reflecte a fragilidade da fé dos
discípulos, sempre que têm de enfrentar as forças da opressão, do egoísmo, da
injustiça. Jesus comunicou aos seus o poder de vencerem todos os poderes deste
mundo que se opõem à vida, à libertação, à realização, à felicidade dos homens.
No entanto, enquanto enfrentam as ondas do mundo hostil e os ventos soprados
pelas forças da morte, os discípulos debatem-se entre a confiança em Jesus e o
medo. Mateus refere-se, desta forma, à experiência de muitos discípulos (da sua
comunidade e das comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) que seguem a
Jesus de forma decidida, mas que se deixam abalar quando chegam as
perseguições, os sofrimentos, as dificuldades... Então, começam a afundar-se e
a ser submergidos pelo "mar" da morte, da frustração, do desânimo, da
desilusão... No entanto, Jesus lá está para lhes estender a mão e para os
sustentar.
Finalmente, a desconfiança dos discípulos transforma-se em fé firme: "Tu
és verdadeiramente o Filho de Deus" (vers. 33). É para aqui que converge
todo o relato. Esta confissão reflecte a fé dos verdadeiros discípulos, que
vêem em Jesus o Deus que vence o "mar", o Senhor da vida e da
história que acompanha a caminhada dos seus, que lhes dá a força para vencer as
forças da opressão e da morte, que lhes estende a mão quando eles estão
desanimados e com medo e que não os deixa afundar.
Quando é que os discípulos fizeram a descoberta de que Jesus era o Deus
vencedor do pecado e da morte? Naturalmente, após a Páscoa, quando perceberam
plenamente o mistério de Jesus (perceberam que Ele não era "um
fantasma"), sentiram a sua presença no meio da comunidade reunida,
experimentaram a sua ajuda nos momentos difíceis da caminhada, sentiram que Ele
lhes transmitia a força de enfrentar as adversidades e a hostilidade do mundo,
sentiram que Ele estava lá, estendendo-lhes a mão, nos momentos de fraqueza, de
dificuldade, de falta de fé. É esta mesma experiência que Mateus nos convida
também a fazer.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir dos seguintes
elementos:
• O Evangelho deste domingo é, antes de mais,
uma catequese sobre a caminhada histórica da comunidade de Jesus, enviada à
"outra margem", a convidar todos os homens para o banquete do Reino e
a oferecer-lhes o alimento com que Deus mata a fome de vida e de felicidade dos
seus filhos. Estamos dispostos a embarcar na aventura de propor a todos os
homens o banquete do Reino? Temos consciência de que nos foi confiada a missão
de saciar a fome do mundo? Aqueles que são deixados à margem dessa mesa onde se
jogam os interesses e os destinos do mundo, que têm fome e sede de vida, de
amor, de esperança, encontram em nós uma proposta credível e coerente que
aponta no sentido de uma realidade de plenitude, de realização, de vida plena?
• A caminhada histórica dos discípulos e o seu
testemunho do banquete do Reino não é um caminho fácil, feito no meio de
aclamações das multidões e dos aplausos unânimes dos homens. A comunidade (o
"barco") dos discípulos tem de abrir caminho através de um mar de
dificuldades, continuamente batido pela hostilidade dos adversários do Reino e
pela recusa do mundo em acolher os projectos de Jesus. Todos os dias o mundo
nos mostra - com um sorriso irónico - que os valores em que acreditamos e que
procuramos testemunhar estão ultrapassados. Todos os dias o mundo insiste em
provar-nos - às vezes com agressividade, outras vezes com comiseração - que só
seremos competitivos e vencedores quando usarmos as armas da arrogância, do
poder, do orgulho, da prepotência, da ganância... Como nos colocamos face a isto?
É possível desempenharmos o nosso papel no mundo, com rigor e competência, sem
perdermos as nossas referências cristãs e sem trairmos o Reino?
• Para que seja possível viver de forma
coerente e corajosa na dinâmica do Reino, os discípulos têm de estar conscientes
da presença de Jesus, o Senhor da vida e da história, que as forças do mal
nunca conseguirão vencer nem domesticar. Ele diz aos discípulos, tantas vezes
desanimados e assustados face às dificuldades e às perseguições: "tende
confiança. Sou Eu. Não temais". Os discípulos sabem, assim, que não há
qualquer razão para se deixarem afundar no desespero e na desilusão. Mesmo
quando a sua fé vacila, eles sabem que a mão de Jesus está lá, estendida, para
que eles não sejam submergidos pelas forças do egoísmo, da injustiça, da morte.
Nada nem ninguém poderá roubar a vida àqueles que lutam para instaurar o Reino.
Jesus, vivo e ressuscitado, não deixa nunca que sejamos vencidos.
• A oração de Jesus (que em Mateus antecede os
momentos de prova) convida-nos a manter um diálogo íntimo com o Pai. É nesse
diálogo que os discípulos colherão o discernimento para perceberem os caminhos
de Deus, a força para seguir Jesus, a coragem para enfrentar a hostilidade do
mundo.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO
DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. O MISTÉRIO DO SILÊNCIO.
Durante este período estival, são numerosos os que, pequenos e grandes,
deixaram a cidade à procura de silêncio e calma. Em ligação com a primeira
leitura, poder-se-ia chamar a atenção para o mistério deste silêncio. No silêncio,
o cristão aprende a recolher-se para se abrir à presença de Deus. É a ocasião
para verificar se o ritmo que anima a celebração da missa é um ritmo em que
alternam de maneira harmoniosa o silêncio, a palavra, a música e o cântico.
3. A PROFISSÃO DE FÉ.
O fim do texto evangélico culmina na confissão de fé daqueles que estão no
barco, isto é, a comunidade eclesial: "Verdadeiramente, Tu és o Filho de
Deus!" Poder-se-á valorizar hoje a profissão de fé, com uma breve
introdução ou escolhendo outra fórmula de profissão de fé prevista no missal
(símbolo dos apóstolos, credo baptismal...).
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o
acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Bendito sejas, Deus todo-poderoso e Mestre do universo, porque nos convidas a
reconhecer-Te no silêncio, como um sopro de vida, que renova a face da terra.
Nós Te bendizemos, porque nos falas ao coração.
Nós Te pedimos pelos pregadores e pelos catequistas, chamados a fazer conhecer
o teu rosto e a preparar os encontros contigo. Guia-os!
No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças, Pai dos homens. Preparaste longamente a vinda do teu
Filho, adoptando um povo. Por Ele deste aos homens a Lei da vida, manifestaste
as tuas promessas e ensinaste a rezar-Te. Bendito sejas.
Com o apóstolo Paulo, nós Te pedimos pelo teu primeiro povo, no qual o teu
Filho tomou rosto de homem, e por todos os povos da terra.
No final do Evangelho:
Cristo Jesus, mesmo quando somos ameaçados pelas tempestades da nossa terra e a
barca da tua Igreja é sacudida pelas vagas, nós Te bendizemos, por causa da tua
ressurreição: verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus!
Com Pedro, nós Te suplicamos: salva-nos! Dá-nos o teu Espírito de confiança,
para nos conduzir contigo pelos caminhos da vida.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II para a Reconciliação.
6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Fechar os olhos e escutar... Na invasão sonora que nos envolve - e por vezes
nos agride - escutamos a voz do nosso Deus? Porque não? Entretanto, tomemos, de
vez em quando, o risco do silêncio e da solidão. "Ao largo... para
rezar". É aí, com Jesus, que poderemos ouvir a voz do nosso Pai.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org
Eu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo, Adélio Francisco) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo continue iluminando a todos. Abraços fraternos.
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