10 Abril 2020
O CORAÇÃO DE JESUS ABERTO
PELA LANÇA
Sed unus militum lancea
latus ejus aperuit; et continuo exivit sanguis et aqua. Et qui vidit
testimonium perhibuit... Facta sunt enim haec ut Scriptura impleretur: Os non
comminuetis ex eo. Et iterum: Videbunt in quem transfixerunt (Jo 19, 34- 36).
Mas um dos soldados
perfurou-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água. Aquele que o viu é
que o atesta... E isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura: nem um só
dos meus ossos se há-de quebrar. E ainda: Hão-de olhar para aquele que
trespassaram (Jo 19, 34-36).
Primeiro Prelúdio. O último
acto da Paixão de Cristo, a abertura do seu lado, explica e resume toda a vida
do Salvador. Tomou um Coração para o abrir como a fonte de todas as graças.
Segundo Prelúdio. Dai-me,
Senhor, a graça de beber nas fontes da santidade e do amor.
PRIMEIRO PONTO: A ferida. -
Vamos ao Calvário, depois da morte de Jesus. A multidão afastou-se, os amigos
ficam. Alguns soldados vêm verificar ou, se é o caso, apressar a morte dos
pacientes, para que o espectáculo do seu suplício prolongado não entristeça o
dia do sabbat.
Um dos soldados
adiantou-se, portanto, e abriu o lado de Jesus com uma lança. É um grande
mistério da história sagrada, onde tudo é mistério e acção divina. A ferida
exterior é aqui a revelação simbólica da ferida interior, a do amor. O amor,
eis o algoz de Jesus! Cristo morreu porque quis, foi o amor quem o matou ... É
assim que a Igreja canta, para saudar o Coração trespassado do seu esposo: «ó
Coração vítima de amor, Coração ferido por amor. Coração morrendo de amor por
nós! O Cor amoris vidime, amore nostro ssuaum, amore nostri languidum! (Hino do
Sagrado Coração).
Nosso Senhor permitiu este
golpe de lança para chamar a nossa atenção para o seu coração, para nos fazer
pensar no seu amor que é a fonte de todos os mistérios da salvação: as
promessas do Éden, as profecias e as figuras da antiga lei, a acção
providencial sobre o povo de Deus, a incarnação, a vida, os ensinamentos e a
morte do Salvador. A abertura do lado de Jesus, é como a fonte que regava o
paraíso terrestre, é como a fenda do rochedo que deu a água para saciar o povo
de Israel.
SEGUNDO PONTO: O sangue e a
água. - E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar
uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o
símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da
graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da
penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as
manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a
Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra;
rio refrescante, onde o coração, ressequido pelos trabalhos e pelas tentações,
vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.
Senhor, concedei-me beber
desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do
mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor.
TERCEIRO PONTO: «Olharão
para dentro daquele que trespassaram». - É a palavra do profeta Zacarias,
recordada por S. João. O profeta não disse: «Olharão para aquele que
trespassaram», mas «olharão para dentro daquele que trespassaram: Videbunt in
quem transfixerunt» (Jo 19, 38). S. João aplica estas palavras à abertura do
lado de Jesus; devia pensar no interior de Jesus, no Coração mesmo de Jesus que
ele pôde entrever pela chaga aberta do lado, no momento do embalsamamento.
Esta ferida entrega-nos e
abre-nos o Coração de Jesus. Espiritualmente, nós aí lemos o amor que tudo deu,
mesmo a vida. Neste amor mesmo, nós reconhecemos o motivo e o fim de todas as
obras divinas: Deus criou-nos, resgatou-nos, santificou-nos por amor. No
Coração de Jesus, é o fundo mesmo da natureza divina que nós penetramos na sua
mais maravilhosa manifestação. «Deus é emot». S. João leu isto no Coração de
Jesus.
Tenho necessidade de
contemplar esta ferida para ver como eu sou amado e como por minha vez devo
amar. Lá hei-de aprender como um coração amante deve agir, sofrer, tudo dar,
até à morte, por Deus e pelas almas.
Vamos mais profundamente
ainda, e vejamos tudo o que sofreu o mais delicado dos corações: os desprezos,
as calúnias, as traições, os abandonos, as desistências. Todas as dores estão
reunidas neste Coração e transbordam. Sentiu-as todas, a todas santificou. Nas
nossas dores, por mais extremas que sejam, tenhamos confiança na simpatia e na
compaixão deste Coração, que quis assemelhar-se a nós no sofrimento, para ser
mais compassivo e mais misericordioso (Heb 2, 17).
Comecemos nós mesmos
lamentar este amor que não é amado e por compadecer com as suas dores.
Resoluções. - A abertura do
Coração de Jesus recorda-nos o seu amor, a sua bondade, o seu sofrimento. Ele
espera de mim o amor em troca, a gratidão, a compaixão. Eisme aqui, Senhor,
para viver convosco e em Vós. Não permitais que eu jamais me separa de vós e
que vos esqueça.
Colóquio com Jesus na cruz.
(Leão Dehon, OSP 3, p.
367ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)
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